
Primeiro remake assinado por Scorsese tem De Niro no melhor da forma Por: Rodrigo Carreiro
Muita gente estranhou ao ver o nome de Martin Scorsese, membro importante da seleta galeria de diretores-artistas dos Estados Unidos, no comando do filme que acabaria por lhe dar o Oscar, o policial “Os Infiltrados”. Para a maior parte dos cinéfilos, assinar uma refilmagem é trabalho para cineastas de segundo escalão. Esta turma provavelmente esqueceu que o longa-metragem de 2006 não era o primeiro remake da carreira de Scorsese. Antes, ele já havia feito outro, o elogiado “Cabo do Medo” (Cape Fear, EUA, 1991), a pedido de dois amigos muito especiais: o ator Robert De Niro e o colega de ofício Steven Spielberg.
O filme, baseado em um tenso thriller de 1962, era um projeto pessoal de De Niro e foi conduzido pela Amblin, produtora de Spielberg. Problemas de agenda acabaram por afastar o diretor de “E.T.” do projeto, mas antes disso ele ligou para o amigo Scorsese e fez a proposta. Scorsese relutou, mas afinal decidiu ir em frente, considerando que comandar uma produção com grande potencial de bilheteria poderia lhe render uma posição favorável na indústria cinematográfica, de modo que ele tivesse cacife para, no futuro, tocar projetos pessoais como “A Última Tentação de Cristo”, que ele já tentava levar às telas havia dez anos (e finalmente conseguiria, um pouco mais tarde).
Atuar como diretor contratado, porém, nunca significou para Scorsese uma abordagem desleixada ou preguiçosa. Como sempre, o cineasta de Nova York trabalhou duro para imprimir uma forte assinatura autoral na história. E conseguiu. Embora “Cabo do Medo” tenha uma condução melodramática, culminando com um final explosivo, excessivamente estilizado e até um pouco exagerado, o cuidado com a mise-en-scéne (o conjunto dos elementos fílmicos) deixa evidente que se trata de um filme de Martin Scorsese. Aqui, o cineasta comprova, de uma vez por todas, que é um fantástico diretor de atores, sem deixar de lado o olho apurado para composições visuais refinadas.
O personagem principal é um show particular de Robert De Niro. Max Cady, ex-presidiário que acaba de sair da prisão após 14 anos de sofrimento, é uma figura fascinante, que provoca repulsa e fascínio em doses iguais. Preso por estupro, ele entrou na cadeia analfabeto e saiu como um misto de advogado, pregador religioso e filósofo existencialista. Em meio a citações da Bíblia e referências a Thomas Wolfe e Henry Miller, Cady incorpora um sujeito de personalidade excêntrica. O corpo tatuado e as roupas extravagantes lhe dão um molho idiossincrático. A interpretação do ator, com sotaque sulista e expressão corporal confiante ao extremo, dá o toque final. Uma personalidade tão perturbada quanto magnética.
Após sair da cadeia, Cady vai infernizar a vida do advogado Sam Bowden (Nick Nolte), o defensor público que escondeu evidências contra a vítima do estupro, ato que, em última instância, lhe jogou na cadeia. Usando métodos pouco ortodoxos, o ex-detento causa desequilíbrio na harmoniosa vida familiar de Bowden, bagunçando o coreto da mulher dele (Jessica Lange) e da filha adolescente (Juliette Lewis). A direção de Scorsese capricha na tensão crescente, e tem seu ponto alto na longa e espetacular seqüência em que De Niro e Juliette se encontram no anfiteatro da escola – a conversa entre os dois, totalmente improvisada no set, é uma verdadeira aula de interpretação, irradiando uma quantidade colossal de tensão sexual.
“Cabo do Medo”, no entanto, não é perfeito. Há pequenas falhas até mesmo na direção de arte, área em que os filmes de Scorsese não costumam falhar – acreditar que uma jovem de 15 anos teria na parede do quarto um pôster de Jimi Hendrix, em pleno ano de 1991, é um pouco demais. Além disso, Scorsese tem a mão pesada para seqüências de ação, e isto fica evidente durante o clímax do longa-metragem, que acontece dentro de um barco, durante uma tempestade. Os defeitos, entretanto, não interferem na qualidade superior deste thriller com substância.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/cabo-do-medo/
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