
Pequeno projeto pessoal de Coppola é thriller de espionagem genial e maravilhoso estudo de personagem
Por: Rodrigo Carreiro
Francis Ford Coppola estava na crista da onda em 1974, pouco depois de ter lançado o fenomenal “O Poderoso Chefão”, e alcançado estupendo sucesso de crítica e público. Ao mesmo tempo em que preparava o segundo volume da trilogia, um longa-metragem que muita gente considera melhor do que a saga anterior dos Corleone, o cineasta ítalo-americano acalentava um pequeno thriller de espionagem que seria, também, um maravilhoso estudo de personagem. “A Conversação” (The Conversation, EUA, 1974) não fez muito sucesso, mas permanece na memória de muitos cinéfilos como um dos trabalhos mais fascinantes de Coppola.
O diretor, que também escreveu o roteiro, diz que a inspiração do thriller veio do fato que deu partida ao escândalo de Watergate, quando espiões foram pegos tentando instalar escutas clandestinas na sede do Partido Democrata, em época de eleição (para mais detalhes sobre o caso, assista ao sensacional “Todos os Homens do Presidente”, de Alan J. Pakula). Enquanto os jornalistas investigavam os políticos por trás da espionagem, Coppola ficou pensando como seria a consciência daqueles espiões, pagos para escutar conversas alheias.
Das ruminações de Coppola nasceu Harry Caul (Gene Hackman), um personagem fascinante. Trata-se, claro, de um espião profissional. Um dos melhores, verdadeira lenda no círculo dos detetives particulares. Como conseqüência da profissão que abraçou, Caul é um homem profundamente solitário. Sua única diversão é tocar saxofone, mas ele não tem uma banda; acompanha seus discos prediletos de jazz, tentando preencher os espaços entre os solos lancinantes de Miles Davis. Visita freqüentemente uma prostituta, sente ciúmes dela, mas não se permite uma ligação mais profunda.
A primeira seqüência do filme, uma genial tour-de-force de fotografia e edição de som, mostra como Harry Caul é talentoso naquilo que faz. A cena abre com uma ampla tomada de uma praça cheia de gente. Há um lento zoom, até que a câmera focaliza Harry no meio da multidão. Ele e alguns empregados estão utilizando um método revolucionário de múltiplos microfones para gravar a conversa de um jovem casal. Outro espião teria dificuldades para cumprir a tarefa, mas não Harry. Mais tarde, ele opera três gravadores e consegue editar uma fita limpa, com a íntegra da conversa. Trabalho de gênio.
No entanto, o diálogo que emerge das fitas deixa Caul encucado. Ele foi contratado por um executivo (Robert Duvall) para provar que a esposa (Cindy Williams) está lhe traindo com um empregado bonitão (Frederic Forrest). Pelo papo que ouve, Harry acha que a conversa da fita pode significar que o empresário vá matar a mulher. O detetive é um homem católico, que carrega tremenda culpa por ter provocado, durante um trabalho realizado alguns anos antes, a morte de outro casal. Ele teme que possa acontecer novamente. Assim, a fita lhe traz um sentimento ambivalente: orgulho pela perfeição do trabalho, e medo do que pode acontecer a partir dele. A situação dispara um processo de paranóia que foge do trabalho e se instala na vida pessoal do espião.
A narrativa de “A Conversação” se alterna entre a vida e o emprego de Harry Caul. Se no último ele é metódico e organizado, na primeira é o inverso. Sua vida pessoal é uma bagunça. Harry é um homem atormentado, sozinho, vulnerável. Tenta manter-se a todo custo numa redoma, mas fracassa miseravelmente: os proprietários do apartamento possuem a chave de lá, tanto clientes quanto amigos têm o número do telefone que ele pensa ser secreto, e a correspondência que chega à casa dele é seguidamente aberta. De forma magnífica, Coppola filma o momento de fusão entre a privacidade e a vida pública de Harry Caul, duas partes de sua existência que ele tentava a todo custo manter compartimentadas.
Desta forma, o cineasta cumpre com louvor a tarefa de realizar um duplo filme: um belíssimo e complexo estudo de personagem, e um thriller inteligente e cheio de tensão. A atuação de Gene Hackman – sutil, silenciosa e cheia de nuances – ajuda muito neste objetivo, mas há muitos outros pontos altos: o elenco coadjuvante sensacional (John Cazale, como em “Um Dia de Cão”, rouba a cena), a maravilhosa trilha sonora pontuada por linhas minimalísticas e melancólicas de piano, e o final ambíguo e surpreendente. Em resumo, um filmaço.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/conversacao-a/
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