quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Amigas Com Dinheiro


Comédia de situações tem senso de humor e inteligência, mas personagens vazios como balões de gás
Por: Rodrigo Carreiro

O título de “Amigas com Dinheiro” (Friends with Money, EUA, 2006), tradução ao pé da letra do nome original, dá uma boa idéia do conteúdo do longa-metragem de Nicole Holofcener. Trata-se de um filme pequeno-burguês, que tenta traçar um painel multifacetado do que significa ser mulher e bem-nascida num país de primeiro mundo, nos Estados Unidos. O resultado é duvidoso: apesar de possuir senso de humor mordaz e diálogos inteligentes, “Amigas com Dinheiro” é vazio como um balão de gás. Seus personagens sem problemas financeiros deixam a impressão de que os habitantes da pirâmide sócio-econômica não têm conexão com o resto do planeta.
Lançado numa época em que se discute, especialmente no Brasil, a proximidade cada vez maior entre as linguagens do cinema e da televisão, a produção põe mais lenha nesta fogueira. Afinal, é bastante clara a influência das populares sitcoms norte-americanas na estética asséptica do filme. Muitas das seqüências são filmadas de modo calculadamente casual, quase desleixado, e deixam a impressão de que você está vendo um episódio ampliado de telesséries como “Gilmore Girls” ou “Sex and the City”. Não é surpresa verificar, aliás, que consta do currículo da cineasta a direção de diversos episódios desses dois seriados. Esta é uma referência fundamental para o espectador; se você curte uma dessas séries, tem boas chances de se divertir com o longa-metragem.
A fórmula narrativa, por sua vez, deriva de filmes com múltiplos personagens principais, cujas histórias se cruzam livremente. O resultado é um híbrido de dois filmes oscarizados, “
Crash – No Limite” (2005) e “Beleza Americana” (1999), com as vantagens e desvantagens que os respectivos títulos possuem. A qualidade dos diálogos e do texto é superior, e enfatiza com consciência o vazio emocional da classe média norte-americana, bem na linha do que Sam Mendes e Paul Haggis fizeram nos dois filmes acima citados. A estratégia deixa evidente a ambição por prêmios de “Amigas com Dinheiro”, já que seus inspiradores foram devidamente premiados com a estatueta dourada mais importante da indústria cinematográfica.
Por outro lado, todas as situações exibidas na tela são montadas cuidadosamente para que as quatro garotas e seus respectivos maridos – os personagens principais – tenham, em igual medida, partes boas e ruins, mas sem as áreas cinzentas que lhes dariam humanidade. O resultado final é um todo artificial, sem vida, de plástico. Os personagens não têm qualidade humana, não possuem vida própria além do filme. Lembram mais ratos de laboratório nas mãos de uma cineasta que deseja usá-los para lançar à platéia uma lição de vida em forma de filme. Falta a todos eles aquela fagulha de humanidade, decisiva para que a platéia torça por eles, sofra por eles, ria com eles e se sinta representada na tela.
A ação gira em torno de quatro amigas de infância, todas ricas, que levam vida de grã-finas em um bairro chique de Los Angeles. Três delas possuem cotidianos estabilizados, tanto profissional como emocionalmente: Frannie (Joan Cusack) cuida da casa e organiza eventos beneficentes, Jane (Frances McDormand) é estilista de sucesso, e Christine (Catherine Keener) tem uma carreira promissora como roteirista. Todas se consideram bem casadas. A quarta, Olivia (Jennifer Aniston), é o patinho feio da turma. Mesmo com diploma de professora, não possui emprego fixo e se sustenta como diarista. Também não tem namorado, a não ser que você considere namoro a obsessão por um sujeito casado com quem teve um caso alguns meses antes.
O filme abre com a já clássica cena de jantar, que nenhuma comédia de costumes – especialmente aquelas que querem deixar um gosto amargo na boca da platéia, como esta – pode deixar de incluir. As três amigas bem-sucedidas trocam piadinhas sobre as coisas boas da vida, e lamentam a situação horrível de Olivia. A partir daí, o filme se aproxima de cada personagem, apenas para mostrar à platéia que a idéia de
felicidade, para aquele pessoal, anda especialmente distorcida. De perto, as vidas de Frannie, Jane e Christine são estáveis, mas profundamente inócuas. São vidinhas confortáveis, mas bem distantes do ideal de felicidade que costumamos cultivar.
Nicole Holofcener filma tudo isso de maneira calculadamente casual, dando um jeito de causar pequenos terremotos em cada um dos cotidianos profundamente estabelecidos. Ela errou ao escalar Jenifer Aniston para o papel mais destacado do longa-metragem, pois a atriz – muito popular nos EUA e certamente incluída no elenco para aumentar o interesse do público – é bem mais jovem do que as outras três, e não convence ninguém como amiga de infância delas.
Além disso, algumas das histórias parecem mais interessantes do que outras, em especial o arco que envolve os acessos de fúria descontrolados de Jane e uma possível ligação desses rompantes com o comportamento do marido Aaron (Simon McBurney). No final, “Amigas com Dinheiro” é o tipo de filme que tem público certo: é engraçado, sofisticado e faz uma crítica inteligente do estado de coisas na sociedade contemporânea. O que lhe falta é calor humano.

http://www.cinereporter.com.br/dvd/amigas-com-dinheiro/

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