
Neil Bruger prega peça na platéia em filme correto, mas não brilhante, que começa melodrama e termina thriller espiritualista
Por: Rodrigo Carreiro
A primeira meia hora de “O Ilusionista” (The Illusionist, EUA/República Tcheca, 2006) parece a crônica de um desastre anunciado. Será que estamos diante de mais uma variação da fórmula “Romeu e Julieta”, narrando uma história de amor impossível com exagero de tintas melodramáticas? Até mais ou menos a metade da projeção, tudo indica que sim. A boa notícia é que, a partir de uma reviravolta surpreendente, o que parecia apenas mais um drama de época romântico e açucarado se transforma em um thriller espiritualista que, apesar de irregular, é bem mais interessante do que se poderia supor a princípio.
O primeiro detalhe a respeito do filme de Neil Burger que chama a atenção do espectador é a semelhança com outro longa-metragem da mesma safra, o ótimo “O Grande Truque”, de Christopher Nolan, lançado nos cinemas alguns meses antes. Ambas são produções com a ação situada na virada entre os séculos XIX e XX, na Europa, e têm mágicos como personagens principais. Curiosamente, apesar de demonstrarem abordagens levemente distintas, os dois títulos compartilham ainda outra semelhança: têm narrativas traiçoeiras que se revelam, no final, verdadeiros truques de prestidigitação cinematográfica, em que os diretores manipulam os elementos do filme (montagem, música, fotografia) com a firme intenção de pregar uma peça na platéia.
De certa forma, “O Ilusionista” possui mais chances de agradar o grande público do que a produção de Nolan, que é dramaticamente bem mais ousada e complexa. A razão é que Neil Burger fez aquilo que na gíria cinematográfica se denomina “play safe” – ele trabalhou com elementos já previamente testados e aprovados em outros filmes, com mais margem de segurança. A opção pelo melodrama na primeira metade, por exemplo, é típica de um cineasta que não deseja correr riscos e ousar. Desta forma, o longa-metragem se dedica a observar um grupo de personagens, todos bastante previsíveis, formando um triângulo amoroso na Viena da primeira década do século XX.
O narrador, que está fora do triângulo, é o inspetor de polícia Uhl (Paul Giamatti). É ele que observa, com um misto de fascínio e angústia, o encontro entre o mágico Eisenheim (Edward Norton) e a duquesa Sophie (Jessica Biel), antigos namorados de infância. O amor entre os dois é impossível, e não apenas porque eles pertencem a castas distintas, em uma época cuja mobilidade social era praticamente zero. Ocorre que Sophie é a garota prometida ao ambicioso príncipe Leopold (Rufus Sewell), candidato a imperador da Áustria. Na década de 1990, um integrante da nobreza – especialmente mulher – não tinha muitas chances de decidir com quem gostaria de se casar.
A direção de Burger é correta, mas um tanto solene, e ele demonstra mão pesada especialmente no que se refere à abordagem musical da película. “O Ilusionista” abusa de intervenções irritantes da trilha sonora onipresente de Philip Glass; a música martela os ouvidos da platéia praticamente do primeiro ao último minuto, sem pausas, enquanto o cineasta arruma os peões no tabuleiro de xadrez para uma típica tragédia melodramática. Todos os elementos estão lá e são bem conhecidos: o amor puro do jovem casal apaixonado, o tirano mau-caráter de traços vilanescos, e no meio disso tudo um homem correto, dividido entre os deveres profissionais (a obediência cega ao príncipe) e os sentimentos pessoais (Uhl simpatiza com Eisenheim; até mesmo o admira, desde que o vê).
No entanto, quando a tragédia finalmente se concretiza, “O Ilusionista” se lança em uma direção completamente diferente, assumindo o caráter de thriller existencialista. A partir deste momento, o filme ganha em interesse e finalmente cria empatia com a platéia – existem não apenas um, mas dois mistérios a serem desvendados, e passamos então a tentar antecipar as soluções, sempre torcendo para que a resolução dos enigmas providenciadas pelo diretor, que também escreveu o roteiro, sejam pelo menos interessantes e inusitadas. Para conseguir o intento, Burger busca inspiração em filmes como “Os Suspeitos” (1995) e “O Sexto Sentido” (1999), apresentando uma revelação final que põe toda a história anterior em uma nova perspectiva. É bem capaz de você terminar a projeção de “O Ilusionista” querendo revê-lo.
No aspecto técnico, a obra é correta sem ser brilhante. A reconstituição de época é competente, mas relativamente pobre. As seqüências que mostram Eisenheim penetrando o mundo da nobreza são as mais fracas. Ali, os salões de baile parecem tímidos demais, pequenos demais, e as roupas carecem da opulência espetacular que podemos ver em “Amadeus” (1984) ou “Barry Lyndon” (1975), por exemplo, para citar duas produções que também radiografam o mundo da aristocracia européia da era vitoriana. Os exteriores, filmados em Praga, são bem mais convincentes.
Por fim, a construção dos personagens com base em clichês já vistos muitas outras vezes em produções semelhantes parece ter contagiado o ótimo elenco reunido pelos produtores, retirando deles ímpeto e vitalidade. Edward Norton, um dos mais versáteis atores de sua geração, parece atuar como se estivesse permanentemente com febre, sem nenhum tesão. Giamatti e Sewell, ambos coadjuvantes de talento, apenas repetem facetas de papéis anteriores – o segundo ainda tem o agravante de ostentar um bigode claramente falso. No fundo, o que temos aqui é um número razoável de prestidigitação cinematográfica, correto mas sem muito brilho.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/ilusionista-o/
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