quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Menina Má.Com


Thriller sobre pedofilia é cheio de tensão e atmosfera angustiante, com apenas dois bons atores e muita criatividade
Por: Rodrigo Carreiro

Longa-metragem de estréia de David Slade, “MeninaMá.Com” (Hard Candy, EUA, 2005) aborda um dos fenômenos mais negativos surgidos a partir da explosão de popularidade da Internet: a invasão crescente da rede de computadores por pedófilos. Todos nós sabemos que adultos mal-intencionados se aproveitam do relativo anonimato proporcionado pela Web para se aproximar de crianças ou adolescentes sem despertar maiores suspeitas. Partindo desta situação infelizmente verdadeira, Slade criou um thriller cheio de tensão e atmosfera angustiante, com apenas dois bons atores e muita criatividade.
O filme abre com um longo plano sem cortes que serve como exemplo de originalidade na apresentação de personagens. A tomada mostra apenas uma tela de bate-papo on-line. Duas pessoas estão conversando. Acompanhando o teor da conversa, a platéia fica sabendo que elas estão flertando e combinando um primeiro encontro ao vivo, em carne e osso. O detalhe importante está nos ícones que representam cada uma das pessoas: sabemos de imediato que uma delas é um homem adulto, que se apresenta como fotógrafo, enquanto a outra não passa de uma criança de 14 anos apaixonada por ele.
É uma ótima cena. Até aqui, a câmera mostrou apenas uma tela de computador, e mesmo assim a platéia já está sob tensão, pois sabe que vai testemunhar a desagradável ação de um pedófilo. Também já conhecemos os dois personagens, embora não tenhamos visto nenhum deles ainda. David Slate se preocupa com detalhes, e providencia que o público não veja os rostos de Hayley (Ellen Page) e Jeff (Patrick Wilson) antes que eles próprios se encarem. Neste primeiro encontro, a frágil Helen usa um capuz que permite ao público uma associação instantânea com o personagem Chapeuzinho Vermelho. Jeff, que se esconde atrás de um par de óculos e barba por fazer, é o Lobo Mau. O melhor de tudo é que o filme não grita a informação, apenas a indica visualmente.
Bem, mas as aparências enganam, como os instantes seguintes vão comprovar. A atirada Hayley se convida para ouvir música na casa do fotógrafo. Ele hesita, desconversa (ou finge fazer isso) e acaba concordando, mas garante que não passará dos limites (“tenho que esperar mais quatro anos por você”). Está claramente excitado com a situação, tanto que não esboça reação quando a menina recusa o copo d’água que ele oferece e se serve de suco de laranja com vodca. Eles batem papo, ouvem música, e não demora muito para que Hayley esteja posando quase sem roupa para Jeff. Tudo isso acontece em apenas 10 minutos de filme – e daí em diante a história toma um rumo completamente inesperado, seguindo uma trama cheia de tensão, em que os papéis de vítima e agressor nunca ficam completamente claros.
Como durante quase todo o tempo há apenas duas pessoas em cena, a escalação do elenco torna-se crucial para que o longa funcione. Pois bem: “MeninaMá.Com” mostra-se, ao longo da projeção, um dos melhores filmes de atores de 2005, com duas atuações absolutamente sensacionais. Ellen Page (a Kitty Pride de “
X-Men 3”) dá um verdadeiro show como Hayley, um lobo em pele de cordeiro. A pele alva, os cabelos curtos, a baixa estatura e o jeito meigo de falar compõem uma figura frágil, que aos poucos se revela bem diferente do ser indefeso que a aparência denuncia. Já Patrick Wilson (“O Fantasma da Ópera”) assume perfeitamente o caráter cafajeste de passado misterioso que o personagem exige, com a ajuda de um figurino bem montado, com óculos e barba parecendo indicar que há uma ameaça indefinível por trás daqueles olhares gulosos que lança à menina.
É admirável observar a maneira como a narrativa mantém a tensão crescente durante toda a duração do filme. Apesar de haver apenas duas pessoas em cena e durar quase duas horas, “MeninaMá.Com” jamais perde o rumo, e mantém o espectador grudado na cadeira o tempo todo, incluindo uma ou duas longas seqüências verdadeiramente perturbadoras. David Slade consegue esta proeza com a ajuda do roteiro denso de Brian Nelson, cujo maior destaque está na boa qualidade dos diálogos. O cineasta mantém algumas cartas escondidas na manga e vai liberando informações a conta-gotas (o motivo para Hayley tomar certas atitudes, a reação enigmática de Jeff), de forma que somente já perto do final a platéia consegue contemplar o quadro inteiro e compreender as motivações de cada personagem.
Além disso, as soluções visuais utilizadas para contar a história são baratas e eficientes. Slade abusa de planos fechados e close ups, o que se revela duplamente correto. Ao mesmo tempo em que os enquadramentos apertados tornam a narrativa mais claustrofóbica, mais angustiante, a ênfase nos rostos realça a boa atuação dos dois atores, algo que é fundamental num filme em que os olhares revelam, quase sempre, alguma intenção escondida por trás das palavras. Saber que o diretor levou apenas 18 dias para filmar todo o longa-metragem é uma demonstração clara de que ele sabia o resultado que queria obter, e teve sucesso na empreitada.
Se há um defeito em “MeninaMá.Com”, está no fato de que a trama não se sustenta bem quando vista em retrospectiva. Muitas das ações dos personagens, em especial da pequena Hayley, parecem imprudentes, até mesmo impensadas, diante das circunstâncias em que ocorrem (em circunstâncias normais, seria impossível aceitar a veracidade dos dois telefonemas que ela dá, em certo momento). É preciso lembrar, porém, que o filme é um melodrama – e, nas palavras do veterano diretor
Sidney Lumet, um bom melodrama precisa “tornar plausível o implausível”, ou fazer o inacreditável parecer possível. No fim das contas, “MeninaMá.Com” atinge este objetivo com pleno êxito. A lamentar, apenas, o imbecil título nacional, que passa uma idéia completamente equivocada sobre o conteúdo de um thriller instigante que dá o que pensar.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/menina-ma-com/

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