
Roteiro co-escrito por menina de 13 anos vira filme visceral sobre a dificuldade de amadurecer na solidão
Por: Rodrigo Carreiro
Projetos independentes às vezes surgem de forma esquisita. “Aos Treze” (Thirteen, EUA, 2003) ganha disparado o título de filme mais incomum de 2003. Premiado com o troféu de melhor direção no festival independente de Sundance (EUA), o longa-metragem de estréia da cineasta Catherine Hardwicke teve o roteiro co-escrito por uma menina de 13 anos. De quebra, a garota ainda atua na película, com um dos papéis principais. Só esses detalhes já são capazes de despertar a atenção de qualquer fã de cinema. Mas o filme é bem mais do que interessante.
“Aos Treze” poderia ser descrito como um cruzamento visceral entre os polêmicos “Kids” e “Clube da Luta”. É um filme de adolescentes, que pertence à estirpe daqueles trabalhos que se esforçam para capturar o doloroso processo de amadurecimento de uma criança. Nesse caso, a protagonista é Tracy (Evan Rachel Wood), uma menina de 13 anos. Tracy é fascinada por uma garota da mesma idade com quem estuda, a popular Evie Zamora (Nikki Reed, a co-roteirista). Na tentativa de se aproximar e fazer amizade, Tracy joga fora os ursinhos de pelúcia e descobre os piercings. E isso é só o começo de uma longa viagem.
A película acompanha o início e o desenrolar da amizade entre as duas garotas. Nesse detalhe aparentemente insignificante reside a chave para compreender o longa-metragem. “Aos Treze” parece uma cinebiografia de Tracy, mas não é a menina o foco principal do trabalho. A idéia central é analisar o verdadeiro papel das amizades (da escola, da rua) na formação moral do adolescente, numa época em que a desagregação familiar atinge um estágio aterrador, em que pais e filhos parecem falar línguas diferentes – ou melhor, nem tentam mais falar. A sensação de desproteção que acompanha Tracy incomoda a platéia de verdade. Ela está sozinha, e esse amadurecimento solitário é algo que poucos filmes conseguem transmitir.
Talvez por isso, “Aos Treze” quebra um pouco as expectativas da platéia, que pensa ver uma menina de 13 anos fazer uma viagem rumo ao fundo do poço. Isso é ótimo, aliás. Embora contenha muitas cenas cruas, a película sugere muito mais do que mostra (não há quase nenhuma cena de nudez, por exemplo, com exceção de uma breve seqüência que envolve Holly Hunter, maravilhosa no papel de Melanie, a mãe de Tracy) e foge habilmente dos clichês desse tipo de longa. Invariavelmente, esses filmes apresentam um clímax às avessas, seguido de uma espécie de ressurreição metafórica da personagem principal. Não é bem o que ocorre aqui.
De certa forma, “Aos Treze” lembra um pouco uma das muitas histórias de “Traffic”, o ambicioso libelo antidrogas de Steven Soderbergh – o enredo que narra a história da filha do juiz federal interpretado por Michael Douglas. Mas o filme de Catherine Harwicke leva uma vantagem: ele julga menos do que o filme do celebrado diretor de “Solaris”.
Embora haja uma clara crítica ao consumismo, especialmente nos primeiros 20 minutos de projeção, “Aos Treze” vai bem mais longe do que isso. O maior mérito do longa está em mostrar que apontar culpados (sejam os pais, os amigos ou toda a sociedade) para esse tipo de desajuste jamais é tão simples quanto um filme faz crer. A realidade está sempre à espreita, e é muito mais complexa do que parece. Se ver realidade nos cinemas é hoje algo tão raro, “Aos Treze” pode ser um elixir.
É interessante observar, finalmente, como a ansiedade de Tracy se manifesta na compulsão para a dessacralização do próprio corpo. O processo vai do piercing na barriga até a autoflagelação. Masoquismo? Repito, nada em “Aos Treze” – ou na realidade – é tão simples como parece. Piercings, tatuagens e a maculação do corpo são sintomas da sociedade do século XXI. Isso pode até tornar o filme datado dentro de uma ou duas gerações, mas isso não importa. “Aos Treze” é um filme incômodo, que tem algo a dizer, e por isso é importante.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/aos-treze/
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