
Coletânea com 33 curtas-metragens de diretores famosos celebra com lucidez o ato de ir ao cinema
Por: Rodrigo Carreiro
Uma breve descrição do conteúdo deste “Cada Um Com Seu Cinema” (Chacun Son Cinéma, França, 2007) é suficiente para fazer qualquer cinéfilo babar. São 33 curtas-metragens, de três minutos cada, assinados por grandes cineastas de todas as partes do mundo. Nomes quentes da atualidade (Alejandro Gonzáles Iñárritu, Walter Salles, Lars Von Trier, David Cronenberg), autores alternativos de prestígio (Atom Egoyan, Wong Kar-Wai) e gente com passado de respeito (Michael Cimino, Manoel de Oliveira, Jane Campion) comparecem. Como toda coletânea, o resultado final é bem irregular, com alguns curtas deliciosos e outros decepcionantes. Felizmente, a maioria dos cineastas captou a idéia principal – celebrar o ato de ir ao cinema – e entregou homenagens sinceras e tocantes à Sétima Arte.
A concepção do projeto, de autoria do chefão do Festival de Cannes, Gilles Simon, deu liberdade total para cada cineasta fazer o que quisesse, desde que a ação do curta se passasse dentro (ou nos arredores) de uma sala de cinema. Os filmetes ganharam uma primeira exibição coletiva, durante a edição 2007 de Cannes, e depois foram desmembrados dentro do mesmo festival, de forma que cada um dos filminhos virou aperitivo para um longa-metragem em competição naquele festival. Eles foram reunidos novamente para uma edição especial em DVD. O disco se ressente apenas de uma ausência – o curta dos irmãos Joel e Ethan Coen ficou de fora por problemas de direitos autorais.
Via de regra, é possível encontrar um elemento em comum nos 33 filmetes que integram o projeto. Quase todos os filmes demonstram nostalgia, em maior ou menor grau, pela experiência de ir ao cinema – e alguns dos autores não se acanham em lamentar que esta experiência pareça fadada a um desaparecimento gradual, à medida que as novas tecnologias de exibição ganham espaço pelo mundo afora. Alguns dos melhores: Abbas Kiarostami mostra rostos de mulheres reagindo emocionalmente a uma exibição do “Romeu e Julieta” de Zefirelli. Takeshi Kitano acompanha um homem que tenta ver um filme, sempre interrompido por problemas de projeção. Iñárritu ilustra como um simples filme pode interferir na vida conjugal de um casal.
No quesito homenagens a grandes mestres, Fellini ganha duas lindas homenagens (Andrei Konchalovski, com uma lanterninha emotiva que chora a cada sessão de “Oito e Meio”, e Theo Angelepoulos, que mostra o encontro de Jeanne Moreau com o fantasma de Marcelo Mastroianni), e Robert Bresson, outras duas (uma bela, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, grandes discípulos do mestre francês; outra OK, de Hoa Hsiao Hsien). O pior curta de todos não se encaixa neste quesito, com o egípcio Youssef Chahine fazendo uma auto-homenagem constrangedora. A mulher-barata de Jane Campion e a estridência da historinha latina de Cimino também desapontam, mas a rigor nada se compara em ruindade ao filme de Chahine.
Alguns dos curtas mais iconoclastas também podem ser incluídos, ainda que de modo oblíquo, na categoria “nostalgia do cinema”. É o caso do filme de Cronenberg, uma tomada sem cortes do último judeu do planeta, cometendo suicídio no banheiro do último cinema da Terra. Ou da piada bem bolada de Roman Polanski, em que um casal assistindo ao clássico pornô soft “Emanuelle” fica incomodado pelos gemidos insistentes de um homem sentado logo atrás. O rei da categoria é o ótimo filme do italiano Nanni Moretti, que senta nas poltronas de um cinema e relembra momentos inusitados de sua vida de cinéfilo, como quando vibrou com “Rocky Balboa” ou tentou explicar ao filho de sete anos que os filmes dele não são parecidos com “Matrix”. Muito legal.
Agora, é provável que nenhum curta do projeto cause mais impacto do que o filme de Lars Von Trier. O sempre polêmico autor dinamarquês fez, na ficção, algo que todo amante do cinema (ou da experiência de ir ao cinema para assistir a um filme, e não para ficar de bate-papo ou com celular ligado) sempre quis fazer com espectadores mal-educados. Curioso que o personagem pentelho do filminho dele seja um crítico de cinema, idéia já explorada por M. Night Shyamalan no muito criticado longa-metragem “A Dama na Água”. De qualquer forma, o curta de Von Trier poderia muito bem passar a ser exibido como vinheta obrigatória antes de sessões de cinema aqui no Brasil. Quem sabe a platéia se tornaria um pouco mais educada.
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