
Por: Rodrigo Carreiro
O diretor Edward Zwick é uma espécie de contrabandista de conteúdo cinematográfico. Ao longo da carreira, ele se especializou em disfarçar, como se fossem meros thrillers de ação, filmes-denúncia sobre política internacional, quase sempre estrelados por grandes astros de Hollywood, como Denzel Washington e Tom Cruise. Dois dos trabalhos que levam a assinatura dele (“Nova York Sitiada”, de 1998, e “O Último Samurai”, de 2003) foram baseados nessa fórmula. “Diamante de Sangue” (Blood Diamond, EUA, 2006) a repete mais uma vez, incluindo Leonardo Di Caprio na receita, e atinge resultado parecido – embora elogiável do ponto de vista ideológico, não vai além do eficiente e do convencional sob o aspecto cinematográfico.
Em “Nova York Sitiada” o cineasta fez uma leitura (deveras profética, observando-se que o atentado de 11 de setembro aconteceria três anos depois) sobre o problema dos radicais islâmicos infiltrados nas grandes metrópoles do Ocidente, e em “O Último Samurai” explorou a temática das diferenças culturais entre asiáticos e norte-americanos. “Diamante de Sangue” segue a mesma linha, investindo em pesada denúncia sobre o contrabando de pedras preciosas em Serra Leoa, o pequeno país africano imerso em guerra civil. Neste ponto, o resultado conseguido pelo filme é positivo, já que Zwick se esforça para elaborar em detalhes um pano de fundo que permita à platéia compreender sem esforço os motivos pelos quais a guerra nunca termina naquele território minúsculo.
Via de regra, Serra Leoa é um dos territórios mais ricos do mundo em minas de diamantes. Como o mercado de jóias está sempre ávido por aumentar a extração da pedra, grandes complexos de joalharia internacionais incentivam a ação de mercenários violentos que, incitando as divergências entre as diferentes tribos locais e abastecendo-as com armas pesadas, mantêm a região em permanente conflito. Toda a situação – inclusive o horrendo hábito dos guerreiros locais de cortar as mãos das crianças de tribos rivais, bem como a utilização de trabalho escravo – é explicada em minúcias durante o longa-metragem.
A história documenta o encontro de três personagens bem distintos. Um deles é Danny (Leonardo Di Caprio), mercenário sul-africano acostumado a trocar armas por diamantes. O segundo é a jornalista norte-americana Maddy (Jennifer Connelly), garota ambiciosa que está por lá para escrever uma reportagem que lhe permita desvendar o complexo esquema de contrabando montado pelas joalharias. O terceiro vértice do triângulo é um pescador humilde da etnia mende, Solomon (Djimon Hounson). Separado à força da família e levado a um campo ilegal de extração de minérios para trabalhar como escravo, ele dispara a ação ao encontrar uma enorme pedra de 100 quilates e escondê-la, despertando a cobiça de muita gente, de Danny aos peixes grandes.
“Diamante de Sangue” é um thriller político convencional, com um pequeno desdobramento paralelo romântico. Esta última parte, implausível e excessivamente melodramática, responde pelos trechos mais fracos do filme – é realmente difícil acreditar que duas pessoas tão diferentes quanto Danny e Maddy possam se apaixonar, mas afinal de contas o envolvimento amoroso do herói é inevitável nos grandes filmes de Hollywood. Infelizmente, o trabalho de Edward Zwick não empolga em nenhuma frente: tem cenas de ação apenas competentes, mas que nunca impressionam, e usa personagens estereotipados (o mercenário amoral redimido pelo amor, a jornalista cheia de idealismo, o homem local para quem a família é tudo o que importa).
No todo, parece uma mistura de “Hotel Rwanda”(filme de Terry George que denunciou a violenta situação do país africano em 2004) com “O Jardineiro Fiel” (em que Fernando Meirelles também misturou thriller e romance para contar uma história explosiva sobre ações irresponsáveis da indústria farmacêutica na África). No entanto, Zwick não consegue imprimir a ousadia do primeiro longa na escolha dos personagens (lá o herói era um belga negro, enquanto aqui eles são um branco e uma norte-americana) ou a estrutura arrojada do segundo, que investia numa montagem não-cronológica caminhando rumo a um final tão surpreendente quanto pessimista. “Diamante de Sangue” termina com um tom de esperança que não casa, de maneira alguma, com a horrível realidade que o filme se propõe a denunciar.
De certa forma, as melhores cenas acontecem quando os personagens de Leonardo Di Caprio e Jennifer Connelly, com desconfiômetros ligados ao máximo, estão se conhecendo. Entre um flerte e outro, eles se atracam em uma discussão interessante sobre a ética dos jornalistas investigativos (“eu uso Solomon tanto quanto você me usa”): afinal de contas, Maddy se esforça tanto para escrever uma grande reportagem por idealismo e senso de justiça? Ela deseja parar a guerra ou impressionar leitores? Quando um repórter força a barra para fazer uma entrevista com alguém que não quer responder as perguntas, está usando o entrevistado? Embora não aprofunde estas questões, “Diamante de Sangue” as levanta – e isto, juntamente com a denúncia de uma grave situação internacional que o cinema nunca havia feito antes, é uma virtude. Mais política do que cinematográfica, claro.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/diamante-de-sangue/
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