sábado, 21 de novembro de 2009

O Poderoso Chefão 3



Coppola filma em família e proporciona final melancólico e emocionante para saga dos Corleone
Por: Rodrigo Carreiro

Quando Coppola anunciou a produção de “O Poderoso Chefão 3” (The Godfather: Part 3, EUA, 1990), a maior parte dos fãs dos filmes originais torceu o nariz. Afinal, 16 anos após apresentar a saga da família Corleone, não parecia haver nenhuma razão para voltar a alguns dos personagens mais famosos do cinema. A recepção fria de público e crítica era previsível, e realmente aconteceu. Foi preciso um intervalo de alguns anos para o filme passar por uma revisão mais justa e isenta. A revisão mostra que “O Poderoso Chefão 3” é um filme maravilhoso, bem escrito e bem filmado, que revela o destino dos inesquecíveis membros da família Corleone com coerência.
O tema do longa-metragem é a culpa. Michael Corleone (Al Pacino) está velho, começa a vislumbrar a aposentadoria e, por isso, sente a necessidade de rever a sua trajetória, algo que sempre evitou, em parte devido ao sentimento latente de arrependimento. Por isso, é perfeitamente adequado que uma subtrama importante envolva o Vaticano. Mais adequado ainda é que o epílogo aconteça na Sicília, com a presença de todos os integrantes do numeroso clã, que se reúnem para assistir à primeira ópera cantada pelo filho de Michael, Anthony (Frank D’Ambrosio). Ocasião perfeita para uma saudosa reunião de família, que ganhou um novo integrante, o violento e ambicioso filho de Sonny, chamado Vinnie (Andy Garcia).
Coppola põe os Corleone, assim, na terra onde a história da família começou. E vai ainda mais longe, encerrando a trilogia também da mesma maneira que a iniciou – com uma reunião familiar. O cineasta, junto com Mario Puzo, soube amarrar todas as pontas soltas, finalizando a trilogia com uma estrutura circular que é perfeita. Para isso, só precisou se deslocar um pouquinho da estrutura narrativa dos dois filmes anteriores. “O Poderoso Chefão 3” tem muito mais diálogos, parte deles inserida na trama para reapresentar os personagens a uma geração que não assistiu aos dois primeiros longas, e parte adicionada para justificar algumas ausências.
A falta mais evidente é de Tom Hagen (Robert Duvall), o advogado e irmão adotivo de Michael. O filme explica que Tom morreu precocemente, mas deixou herdeiro – o filho dele é um jovem padre que consegue transferência para o Vaticano graças aos contatos de Michael Corleone, e desempenha papel discreto, mas importante, dentro da intrincada trama. O enredo, a exemplo da Parte Dois, novamente busca inspiração em fatos históricos, inserindo os Corleone nos bastidores de um acontecimento fundamental da década de 1970: a
eleição e a morte do papa João Paulo I.
Se você não assistiu ao filme, deve estar pensando qual a relação possível entre um mafioso e o Vaticano. A abertura do longa-metragem, novamente em uma festa apoteótica, explica isso. A fim de “comprar” um perdão divino para seus pecados, que não são poucos, Michael faz uma doação de 100 milhões de dólares a uma instituição de caridade do Vaticano. Em troca, é condecorado pessoalmente pelo papa. Este é o início do complicado plano que Michael tenta pôr em prática para, finalmente, conseguir legalizar todos os negócios da família.
Um acerto de Coppola é abrir mais espaço para o personagem de Diane Keaton, que reaparece para intermediar a conflituosa relação de Michael com o filho homem – a filha Mary (Sofia Coppola) o adora. Keaton e Pacino têm ótima química, e assim como havia ocorrido na Parte Dois, uma das grandes cenas de “O Poderoso Chefão 3” mostra os dois num duro acerto de contas. “Fiz o que pude para proteger vocês do horror desse mundo”, diz Michael para a ex-esposa, tentando justificar os inúmeros atos de violência e o progressivo abismo entre os dois. “Você se tornou o meu horror”, rebate Kay. Não é um sermão; ela diz a frase em tom baixo, racional, mas implacável. A ferida já cicatrizou, mas só agora ele começa a compreender a dimensão de seus atos.
Se a família na frente das telas está completa, atrás delas a mesma coisa acontece. Todos os componentes da equipe técnica das duas primeiras partes estão de volta, incluindo o desenhista de produção, Dean Tavoularis, o editor Walter Murch e o fotógrafo Gordon Willis. A decisão providencia coerência não apenas estrutural, mas também estética. É verdade que a fotografia não usa contrastes tão fortes entre luz e
sombras; as últimas são mais discretas do que nas duas partes anteriores, especialmente nas cenas em que mais de dois personagens interagem. No geral, quando o diálogo é mais pesado, Willis ainda carrega nas sombras, mas no geral o visual é mais limpo, ainda que o tom sépia continue imperando.
Por fim, é impossível falar de “O Poderoso Chefão 3” sem mencionar a espetacular seqüência final, passada na imponente casa de óperas da Sicília. A montagem paralela de vários acontecimentos simultâneos, durante o espetáculo, ecoa, para deleite dos fãs da trilogia, a primorosa seqüência do batismo que encerra “O Poderoso Chefão 1”. Há citações geniais de “O Homem que Sabia Demais”, de Hitchcock, e da famosa cena da escadaria de “O Encouraçado Potemkim”. O destino de Michael Corleone é não apenas melancólico, mas comovente e sobretudo coerente, pois de um
ponto de vista metafórico ele finalmente sente qual o único resultado possível para quem leva a vida que ele levou. Dá para dizer, sem medo de errar, que Coppola fechou a trilogia com chave de ouro.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/poderoso-chefao-3-o/

Nenhum comentário:

Postar um comentário