quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O Exorcismo De Emily Rose


Fusão de suspense de tribunal com horror sobre possessão demoníaca rende filme interessante
Por: Rodrigo Carreiro

Imagine um clássico drama de tribunal, a exemplo de “Anatomia de um Crime”, de Otto Preminger. Agora pense em um filme de horror que ilustra um caso de possessão demoníaca, filão personificado principalmente por “O Exorcista”, de William Friedkin. Dois títulos que não poderiam ser mais diferentes, aparentemente impossíveis de serem mesclados em uma só obra, certo? Errado: “O Exorcismo de Emily Rose” (The Exorcism of Emily Rose, EUA, 2005) faz uma surpreendente fusão desses dois tipos de filme, com resultado razoável, que respeita as convenções dos dois gêneros, adicionando ainda um terceiro ingrediente na mistura explosiva, já que se trata de uma obra baseada em história real.
O caso verdadeiro aconteceu em meados da década de 1970, na Alemanha, com uma jovem universitária chamada Anneliese Michel. Filha de uma família profundamente religiosa e moradora de uma pequena cidade na zona rural da Bavária, a garota começou a sofrer distúrbios de conduta, explosões de agressividade e episódios de automutilação em 1968. Ela chegou a ser diagnosticada como portadora de epilepsia e psicose, mas como o tratamento médico foi seguido por anos sem resultado, a família apelou para dois padres da região. Anneliese foi submetida ao ritual de exorcismo, mas acabou morrendo de pneumonia, agravada pela subnutrição.
O filme de Scott Derrickson narra os acontecimentos envolvendo a moça de forma oblíqua. Na ficção, ela é rebatizada de Emily Rose (Jennifer Carpenter) e vive nos EUA, nos tempos atuais. Mas não é a personagem principal, até porque, quando o filme inicia, ela já está morta. O foco da trama está no padre Richard Moore (Tom Wilkinson), acusado de homicídio por negligência, por ter permitido a morte da garota durante o exorcismo. O promotor Ethan Thomas (Campbell Scott), escolhido para o caso por ser profundamente religioso, acusa o padre de involuntariamente causar a morte da moça por ter ordenado que ela parasse de tomar medicamentos. Moore é defendido por Erin Bruner (Laura Linney), ambiciosa advogada contratada pela Arquidiocese local para o caso.
A narração providenciada por Scott Derrickson é convencional, embora satisfatória. Todo o caso de Emily Rose é reconstituído através de depoimentos de familiares, médicos, amigos e namorado. Nessas ocasiões, o filme utiliza flashbacks, sempre partindo da perspectiva de cada testemunha. Em certos momentos, o filme realiza um bom exercício cinematográfico, exibindo uma mesma cena duas vezes, só que narradas por pessoas diferentes. Há, por exemplo, uma seqüência em que Emily é aparentemente possuída por um demônio, segundo a narração do namorado, mas outra testemunha analisa a mesma cena com uma abordagem científica e providencia explicações cristalinas para tudo o que se vê.
Nos melhores momentos, o filme insiste na idéia de que, quando não há provas, tudo é uma questão de fé (não necessariamente religiosa), de acreditar no que se vê. Nos piores, faz uma tentativa esforçada de meter medo na platéia, apelando para sustos gratuitos e convenções banais do filme de horror, como a trilha sonora que explora os crescendos de volume para sugerir medo, e os sustos montados meticulosamente na mesa de edição. “O Exorcismo de Emily Rose” também não disfarça de que lado está, quando sugere, logo nas primeiras cenas, que uma presença invisível acompanha tudo de perto. Isso é feito de forma sutil, mas firme.
Observe, por exemplo, a primeira noite de Erin Bruner após pegar o caso. Enquanto ela dorme, a câmera focaliza o relógio de cabeceira, que pára de funcionar exatamente às 3h da madrugada (da mesma maneira que em “
Terror em Amityville”). Mais tarde, quando mostra o padre Richard Moore dormindo, a câmera do diretor de fotografia Tom Stern faz uma bela tomada sem cortes, invadindo a cela onde ele dorme por entre as grades e parando ao lado do religioso, que acorda de repente, como se pressentisse que alguém está observando. Nos dois casos, o filme sugere que existe uma presença sobrenatural rondando os envolvidos no caso. Sem essas cenas, todo o caso assumiria um caráter ambíguo, como em “O Bebê de Rosemary”, e o suspense psicológico criado pela dúvida poderia transformar o filme em uma obra superior.
A questão é que, talvez com a intenção de garantir a presença do público, o diretor Scott Derrickson forçou a mão em muitas seqüências, inclusive na forte cena do exorcismo em si. Outro exemplo dessa forçada de barra é o comportamento do padre Moore, que passa todo o tempo repetindo não estar interessado no resultado do julgamento, mas sim em falar para o público, “para que todos possam ouvir a verdadeira história de Emily, que só eu sei”. Isso é dito tantas vezes que o espectador passa a esperar alguma
revelação bombástica que confirme o caráter sobrenatural da história de Emily. Quando Moore abre a boca, no entanto, a decepção é indisfarçável.
Além disso, as cenas mais importantes, como o discurso final da advogada durante o julgamento, denunciam que o objetivo não era contar uma história religiosa, mas mostrar como todos os acontecimentos, mesmo os mais extraordinários, podem comportar explicações diversas, racionais ou não, sem que seja possível extrair delas uma conclusão absolutamente à prova de questionamentos. O final confirma essa teoria, de forma realista, mas tímida e sem o clímax forte que as pessoas esperam de um filme de horror.
No fim das contas, a verdade é que “O Exorcismo de Emily Rose” é mais um drama de tribunal do que um filme de exorcismo. A estrutura do roteiro remete a obras como “Testemunha de Acusação”, de Billy Wilder, e a personagem principal não é a garota ou o padre, mas a advogada de defesa, uma mulher agnóstica que tem sua crença (ou a falta dela) abalada pelos episódios e relatos que presencia. Ainda assim, o filme tem seqüências assustadoras em número suficiente para agradar aos fãs de filmes de horror.

http://www.cinereporter.com.br/dvd/exorcismo-de-emily-rose-o/

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