
Por: Rodrigo Carreiro
Os grandes estúdios de Hollywood sempre apostaram nos filmes de monstros como um dos mais lucrativos filões do mercado cinematográfico. A Universal, por exemplo, se consolidou como uma das maiores firmas distribuidoras ao bancar simultaneamente, ainda na década de 1930, diversas franquias do estilo (Lobisomem, Frankenstein, Múmia). Diversas gerações já passaram pelas salas escuras desde então, mas o gênero jamais perdeu a popularidade. Ao tornar-se o filme de maior bilheteria no país de origem em todos os tempos, “O Hospedeiro” (Gwoemul, Coréia do Sul, 2006) provou isso mais uma vez. De quebra, o filme ainda foi aclamado como renovador do filão, que há muitos anos apenas repetia fórmulas, sem apresentar novidades.
Na verdade, o jovem diretor Joon-Ho Bong não precisou pesquisar muito para fazer uma pequena e despretensiosa pérola do horror oriental. Bastou recorrer a “Tubarão” (1975), o primeiro grande sucesso de Steven Spielberg, e verdadeira aula de como extrair drama genuíno das situações potencialmente inverossímeis. O cineasta ainda diz que tentou, como em “Sinais” (2002), de M. Night Shyamalan, manter o foco do filme não sobre o monstro em si, mas sobre a forma como o aparecimento dele desequilibra a estabilidade de uma família, que precisa destruir a ameaça para poder continuar unida. Em última instância, portanto, Bong quis fazer um filme familiar que fizesse a platéia sentir medo, rir, chorar e se identificar com os heróis. E conseguiu.
Curiosamente, com menos de 10 minutos de projeção, o cineasta quebra uma das regras de ouro do gênero: logo na terceira cena do filme, e em plena luz do dia, ele mostra a cara do monstro. As duas cenas anteriores são prólogos que funcionam como explicação – em clima de sátira política – para a origem do mutante. Na primeira, que se passa em 1999, um militar norte-americano ordena a um funcionário que despeje dejetos químicos nos esgotos que desembocam no rio Han. No ano seguinte, pescadores esbarram num filhote mutante de peixe. Aí o filme dá um salto de seis anos para, na cena seguinte, exibir o primeiro ataque do monstro, em uma praia do rio. É uma seqüência longa, claramente decalcada de “Tubarão”, que equilibra tensão e humor em doses iguais, e apresenta os protagonistas – os membros de uma família disfuncional que possuem uma lanchonete no local.
A partir daí, o enredo se desenvolve a partir de uma premissa muito simples: o monstro rapta a caçula da família (Du-Na Bae), e os demais membros precisam se unir para resgatá-la. Nada muito original. É o modo como o cineasta coreano trata a história, a partir deste ponto, que transforma “O Hospedeiro” em um excelente filme. Para começar, Bong não tem medo de fazer um coquetel alucinado de gêneros. Ele vai do suspense de congelar os ossos (as cenas que mostram a criança raptada, dentro do covil do monstro, nos canos de esgoto da cidade) a trechos de comédia pastelão (quase todas as aparições do pai da criança), passando por cenas de angústia absoluta (a lobotomia). Impressiona a naturalidade com que essas cenas são costuradas, em um filme coeso e criativo.
O mais importante é que, com tanta coisa acontecendo na tela, o cineasta jamais esquece que o cerne do filme, o seu centro emocional, está na questão familiar. O pai, o avô e os dois tios da menina gritam, se desentendem, discutem até chegar às raias da pancadaria, mas tudo desemboca numa conclusão brilhante, que funciona em dois níveis complementares. Cada membro do quarteto precisa passar adiante um pedaço da informação, para que o resgate possa ser um sucesso, e isto não apenas dá à história um andamento eletrizante, mas também encarna muito bem o tema da união familiar. Afinal, sem confiança irrestrita de cada personagem nos demais, não seria possível que o filme desembocasse num confronto épico entre o monstro e os heróis. E se você acha que sabe como tudo vai terminar, espere até o fim.
Vale ressaltar, ainda, que o filme confia sem medo nas imagens computadorizadas (CGI) da criatura, apresentando-a em diversas cenas à luz do dia, ao contrário do que ocorre com muitos filmes hollywoodianos de orçamento mais abastado (“Demolidor”, “Motoqueiro Fantasma”). A qualidade do CGI é excelente, e o design do monstro, desenhado pela Weta (a empresa neozelandesa de Peter Jackson, responsável pelos efeitos de “O Senhor dos Anéis”), homenageia duas das mais respeitáveis franquias de monstros, Alien e Godzilla, sem deixar de ter uma aparência única – lembra um bagre gigante que se movimenta como um chimpanzé. Ao mesmo tempo engraçado e assustador. Como o filme.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/hospedeiro-o/
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