sábado, 21 de novembro de 2009

No Meu Lugar


No Meu Lugar se chamaria, originalmente, Vórtice, ou No Olho do Furacão. O mesmo evento – a invasão do policial à casa em Laranjeiras, que termina com a morte do refém – desencadeia três linhas narrativas diferentes, em tempos diversos: dias depois, o tenente precisa continuar com a vida, ao lado da filha e dos amigos; semanas antes, entregador que mora na favela se apaixona pela empregada da vítima; cinco anos depois, a família do morto retorna, enfim, para abandonar o local em que ocorreu a tragédia.
Maldita hora em que Jean Renoir disse, em A Regra do Jogo, que “cada um tem as suas razões”! Mal interpretado por cineastas há sete décadas, transformou-se em passe livre para a compreensão absoluta das personagens, cujos atos mais torpes e vícios mais nocivos se mostram dignos de pena. Em No Meu Lugar, Eduardo Valente cai na armadilha, já que, ao contar as três histórias em paralelo e afundar a todos no sofrimento (a “estética do miserê”, por assim dizer), iguala policial, refém, família e assaltante como pobres coitados vítimas das circunstâncias.
A partir do instante em que se responsabiliza o destino – que Eduardo Valente reforça com a circularidade narrativa do filme, que termina onde começa, elimina-se qualquer postura crítica sobre a realidade e sobre as atitudes que as personagens tomam em relação ao mundo. Embora cada um tenha suas razões, a dor de uma família que perdeu o pai, assassinado, não é a mesma do rapaz da favela sem perspectivas para o futuro, ou do policial que, no cumprimento do dever, errou, seja por despreparo ou por impulso. Não se trata de quantificar as tragédias pessoais, mas de qualificá-las, de diferenciá-las eticamente.
No Meu Lugar, contudo, tal qual o cinema de Alejandro González Iñarruti, utiliza-se da miséria alheia a fim de consternar o espectador. Se é verdade que as narrativas de Eduardo Valente efluem e confluem, de fato, para único momento no tempo, enquanto as histórias de Iñarruti (em Babel ou Amores Brutos, por exemplo) se unem de forma vaga pela temática em comum, também se revela verídica a necessidade, em ambos, de martirizar as personagens, de irmaná-las no masoquismo – a opção sádica de levar a família e o policial de volta para a casa, a fim de expurgar o trauma que viveram através da catarse (o desamparo da existência contemporânea, típica de Shinji Aoyama, em seu ponto mais baixo).
Quando o policial raspa o cabelo, na casa da vítima, garrafa de uísque ao solo, é impossível não se lembrar de sequência parecida em 29 Palms. Desabonador que No Meu Lugar esteja na mesma frase do filme morto de Bruno Dumont.

http://www.revistamoviola.com/2009/01/31/no-meu-lugar/
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