
Presença naturalista do elenco desconhecido dá vida a um filme que capta o ritmo circular da vida nas cidades grandes
Por: Rodrigo Carreiro
O cineasta Chico Teixeira se auto-define como um sujeito triste. Melancólico não; simplesmente triste. Leve em conta esta observação importante antes de assistir a “A Casa de Alice” (Brasil 2007), pequeno drama familiar cuja textura apertada e acinzentada realça o aspecto claustrofóbico da vida de intrigas, informações escondidas e picuinhas de uma família típica de classe média que tenta sobreviver no caos urbano de uma grande metrópole. O diretor, egresso do documentário e que faz aqui a estréia no cinema de ficção, consegue impor ao filme o ritmo monótono e circular da vida nas cidades grandes. Mais importante ainda, imprime ao resultado final uma sensação de tristeza que remete ao seu próprio estado de espírito.
“A Casa de Alice” usa o microcosmo de uma família de classe média baixa para retratar uma visão pessimista dos relacionamentos humanos. Toda a história é contada do ponto de vista de Alice (Carla Ribas), manicure na faixa dos 40 anos que vive um casamento modorrento com o motorista de táxi Lindomar (Zé Carlos Machado). Eles moram no apartamento apertado da mãe dela, Dona Jacira (Berta Zemel), com três filhos adolescentes. É uma vida em banho-maria, onde nada parece acontecer. De forma tímida, mas firme, a câmera de Chico Teixeira invade os espaços íntimos de cada personagem para expor suas fraquezas, traições e segredos. Um dos rapazes rouba da avó, outro se prostitui, e assim por diante.
Graças à experiência anterior com documentários, Chico Teixeira filma tudo com uma aparência acinzentada, monocromática. Imprime um ritmo monocórdico e aproveita a ausência de trilha sonora para aderir a uma estética naturalista que vem dando bons frutos no cinema brasileiro contemporâneo (“Cinema, Aspirinas e Urubus”, “Cão Sem Dono”). A excelente fotografia de Mauro Pinheiro Jr. usa os corredores estreitos e os cômodos apertados do apartamento da família para ressaltar o isolamento dos personagens. Ao mesmo tempo, as cores dessaturadas sublinham o desgaste das relações familiares. Cada membro da família vive às voltas com os próprios problemas. Ninguém se dá conta da desagregação do ambiente familiar, a não ser Dona Jacira. Mas ela está velha, e convive diariamente com a ameaça de ser expulsa da própria casa. Só lhe resta engolir a amargura e seguir em frente.
Embora abra espaço relativo para a rotina e as preocupações de cada personagem, o longa-metragem focaliza principalmente o drama de Alice, depois que ela passa a receber o assédio de um antigo namorado (Luciano Quirino) e começa a admitir, pela primeira vez, a possibilidade de estar vivendo um casamento infeliz. Chico Teixeira recusa a tentação de transformar a história em um melodrama familiar – o tom sereno e tristonho está sempre dois degraus abaixo dos excessos de um “Beleza Americana”, por exemplo – e mantém a opção de privilegiar o foco no coletivo, e ao invés de nos dramas individuais. Ao fazer isso, o diretor reafirma uma visão de mundo: a idéia de que o destino é moldado por circunstâncias que escapam de nossas escolhas, e que a acomodação acentua ainda mais essa imobilidade.
O caráter minimalista e circular das situações propostas pelo roteiro pode irritar a parcela do público mais acostumada a filmes com começo, meio e fim bem definidos, mas o final de “A Casa de Alice” encaixa perfeitamente na proposta narrativa. De qualquer forma, o principal destaque da produção está no desempenho uniforme do elenco semi-desconhecido, liderado por uma Carla Ribas perfeitamente natural no papel principal. Zé Carlos Machado agrega momentos de humor sutis (preste atenção na ótima cena em que a manicure estréia uma nova forma de depilação, como forma de despertar o interesse adormecido do marido), e o elenco jovem passa perfeitamente a sensação de um grupo do que significa viver dentro de uma casa apertada, em um lugar de perspectivas para o futuro não muito animadoras.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/casa-de-alice-a/
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