terça-feira, 24 de novembro de 2009

Pequena Miss Sunshine


Comédia em tom melancólico agrupa fauna de derrotados em road movie colorido e agridoce
Por: Rodrigo Carreiro

Há dois tipos de pessoas na vida: vencedores e perdedores. Em tese, esta bifurcação não é determinada por fatores hereditários, mas pela postura que cada um de nós assume no curso de sua existência. Esta teoria é a base da filosofia de vida de Richard (Greg Kinnear), um candidato a guru de auto-ajuda que come, dorme e respira seguindo os preceitos que ele mesmo criou. No entanto, bem que Richard poderia repensar a possibilidade de que a genética exerça algum papel na definição da índole de cada indivíduo. Afinal, ele próprio nunca conseguiu decolar, e chefia uma família disfuncional de fracassados e esquisitos que protagoniza coletivamente a comédia correta “Pequena Miss Sunshine” (Little Miss Sunshine, EUA, 2006).
A estréia dos diretores
Jonathan Dayton e Valerie Faris (clipeiros premiados pela associação com a banda Smashing Pumpkins) na direção de um longa-metragem tornou-se grande sucesso de público e crítica nos Estados Unidos desde o Festival de Sundance, no início de 2006. De fato, chegou a ser um dos títulos mais elogiados da temporada. A boa performance não chega a surpreender, já que “Pequena Miss Sunshine” encapsula meticulosamente, em um road movie em tom menor, colorido e agridoce, uma enorme soma de elementos (caracterização de personagens, adereços, senso de humor) que colam na produção, sem deixar qualquer margem para dúvidas, o rótulo de “filme alternativo”.
A idéia acima merece ser mais explorada. Parte dos críticos mais duros do cinema clássico de Hollywood por excelência – filmes de ação, comédias românticas e thrillers produzidos por grandes estúdios – parece não ter percebido ainda que o Festival de Sundance gerou, ao longo dos anos, uma indústria cinematográfica de menor porte. São os filmes independentes bancados por pequenas firmas ou produtores, e depois revendidos para os mesmos grandes estúdios, que tratam da distribuição. Boa parte do melhor cinema americano dos anos 1970 foi produzido seguindo este padrão, mas aos poucos esse tipo de filme virou uma indústria, com exemplares muito parecidos entre si sendo desovados como em uma linha de montagem.
Na prática, o que passou a existir foi a indústria paralela dos filmes pequenos, que quase sempre giram em torno da crítica do sonho americano, o ideal do sucesso a qualquer preço – mas uma crítica leve, narcotizada, com medo de bater forte demais. Por baixo da aparência atrevida, o que estas obras oferecem é uma versão irreverente do mesmo panorama social que vemos nas grandes produções. Como os chamados blockbusters, os “filmes alternativos” também seguem uma fórmula. Também apostam no que é certo, também têm medo de correr riscos, também se repetem. “Pequena Miss Sunshine” tem alguma graça e muitas qualidades, mas funciona sobretudo como um grande compêndio de elementos que compõem a fórmula geral dos ditos “filmes alternativos”.
Primeiro, os personagens: todos fracassados e esquisitões (o que os americanos chamado de “weirdos”). Richard, o já citado pai da família, é um autônomo que tenta emplacar um programa de TV sobre sua teoria – ele não consegue perceber que ela é igual a tantas outras que podem ser encontradas na seção de auto-ajuda das livrarias. O avô (Alan Arkin) foi expulso de uma clínica geriátrica por ser viciado em heroína e pornografia. Frank (Steve Carell), o cunhado, é um professor universitário gay que acaba de tentar o suicídio. Dwayne (Paul Dano), sósia adolescente de Joey Ramone, fez um voto de silêncio e só pretende voltar a falar quando entrar para a Força Aérea, algo que, com a cara de bobo e os braços finos, jamais conseguirá. À matriarca, Sheryl (Toni Collette), cabe a tarefa hercúlea de manter a família unida, o que a deixa à beira de um ataque de nervos.
Como se vê, cada integrante desta turma parece ter sido pescado de outras comédias da mesma estirpe, como “Os Excêntricos Tenenbaums” (2001) ou “
Napoleão Dynamite” (2004). A primeira seqüência de “Pequena Miss Sunshine” sepulta de vez a torcida para que o filme apresenta algum elemento realmente original: trata-se de uma cena de jantar, uma das tradições imbatíveis dos filmes que pretendem ser críticos ao sonho americano. A turma se reúne para comer um balde gigantesco de frango frito – mais uma imagem simbólica do segmento mais obtuso da sociedade que o longa deseja criticar – e a ocasião se mostra propícia para que a história se apresente.
O enredo gira em torno de Olive (Abigail Breslin), a caçula da família. Pançuda e dona de um par de óculos que parece ter saído de um túnel do tempo conectado aos anos 1970, a loirinha recebe a notícia de que está classificada para as finais de um concurso de beleza infantil. Sem dinheiro para bancar uma viagem decente, a família cai na estrada a bordo de uma Kombi amarela com o amortecedor quebrado. O filme consiste, então, em uma série de incidentes que atrasam a viagem e podem impedir que a trupe chegue a tempo ao hotel californiano onde o evento acontecerá.
A rigor, o único elemento original acrescentado à receita-padrão dos filmes alternativos é a pancada inteligente na tendência à sexualização precoce das crianças, algo que pode ser observado em todos os países ocidentais (é um problema ainda maior no Brasil do que nos EUA). De resto, o que temos aqui é uma comédia de humor melancólico, transbordando carinho pelos personagens freaks, com um elenco que funciona quase sempre meio tom acima da espontaneidade pretendida (observe a maneira cartunesca como os personagens correm). Toni Collette, ótima, é a saudável e espontânea exceção à regra. Tem alguns momentos bem divertidos, especialmente o final, mas dá para sentir o cheiro de mofo.

http://www.cinereporter.com.br/dvd/pequena-miss-sunshine/

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