quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Kung-Fusão

Comédia mistura desenhos de Pernalonga, filmes de gângsters dos anos 1930/40 e artes marciais
Por: Rodrigo Carreiro

O homem aterrorizado está caído no chão. Olha para cima e vê um gângster de paletó e gravata negros, com camisa branca, caminhar em direção a ele. A trilha sonora ataca com um tema de jazz. Aí o gângster, com um machado na mão, começa a dançar no ritmo dos metais da canção. Depois que mata a vítima, se junta aos outros capangas – todos vestidos com roupas idênticas – e começa uma coreografia abusada. A cena faz parte da abertura de “Kung-Fusão” (Gong Fu, Japão/EUA, 2005) e serve de aperitivo para o coquetel alucinado de humor, desenho animado e artes marciais que o filme de Stephen Chow oferece ao espectador.
Chow, aos 41 anos e no sétimo longa-metragem como diretor, é um dos mais populares diretores chineses entre os jovens. Os filmes que ele faz poderiam ser descritos como o lado fast food dos filmes orientais. Enquanto cineastas como o sul-coreano Park Chan-Wook tentam arrumar espaço na cinematografia ocidental pela porta da frente, trabalhando com temas universais (como a vingança, no caso citado) à moda oriental, Stephen Chow apronta um coquetel de influências que inclui filmes do Pernalonga, musicais da Broadway, Bruce Lee, games de Playstation, os irmãos Marx e “Matrix”. Quer entrar pela porta de trás. E o resultado é aloprado, original e divertido, embora não vá mudar o mundo.
O filme se passa nos anos 1930/40, em Hong Kong. O personagem principal se chama Sing (o próprio diretor Chow) e é um bandido de terceiro categoria. Ele se faz passar por mafioso da Gangue do Machado, grupo de marginais que domina a cidade, para tentar arrumar uns trocados em uma favela chamada Chiqueiro, na periferia da cidade. No momento em que Sing passa vergonha apanhando dos bêbados da favela (cuja líder é uma impagável senhora que veste camisola, bobs nos cabelos e cigarro no canto da boca, como uma Dona Florinda de olhos puxados), a gangue aparece no lugar para tomar satisfações. O que se segue é uma paródia da famosa seqüência de Neo contra 50 versões do Sr. Smith, em “
Matrix Reloaded”, elevado ao cubo.
A violência de “Kung-Fusão”, muito bem definida pela seqüência, é a mesma dos desenhos de Chuck Jones (“Pernalonga”): uma violência que não dói. Os murros quebram paredes, os chutes atiram adversários dezenas de metros para trás, e os personagens correm em velocidade supersônica, de modo que a platéia não consegue ver as pernas deles, mas apenas a poeira levantada pelos pés, à maneira do Papa-Léguas. Tudo isso é feito com o uso de truques de montagem, efeitos computadorizados, trampolins escondidos, ginástica olímpica e ângulos bizarros de câmera. Detalhe: o orçamento magro de US$ 20 milhões não atrapalha, pois a ilusão é perfeita. Sem precisar ser realistas, as cenas ficam impressionantes.
Outra coisa que impressiona é o apetite do diretor Stephen Chow pelas referências visuais, que não páram de aparecer na tela. A trilogia “Matrix” é emulada em muitas cenas (inclusive com o uso do conceito do “salvador da humanidade”), há diversos trechos inspirados em western spaghetti (trilha sonora, enquadramentos e montagem em câmera lenta) e uma hilariante seqüência que parece retirada diretamente dos filmes de Robert Rodriguez sobre assassinos mexicanos que se travestem de músicos. Se muitas das cenas são claramente exageradas, isso não importa: tenha em mente que Stephen Chow está fazendo uma comédia de ação, misturada com filme de gângsteres e desenho animado com atores de carne e osso. Não é um filme tradicional de artes marciais.
Claro que isso nem sempre se traduz em cenas eficientes. Muito do humor existente no longa-metragem é revisitado dos filmes anteriores do cineasta (como o brilhante e superior “
Kung Fu Futebol Clube”, que pode ser encontrado em DVD), o que faz o filme ser menos engraçado para aqueles que já conhecem o que Chow é capaz de fazer. Além disso, algumas seqüências de luta ficaram longas demais – é o caso da batalha final entre dois lutadores, que fazem uma briga inspirada no quebra-pau entre Neo e Smith (“Matrix Revolutions”), só que bem-humorada. A duração excessiva faz a piada perder a graça antes do fim, o que não é boa coisa. Mas deslizes eventuais como esse não tiram o brilho de “Kung-Fusão”.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/kung-fusao/

Nenhum comentário:

Postar um comentário