
Primeira parte da trilogia tem mais momentos inesquecíveis do que qualquer outro filme da história do cinema
Por: Rodrigo Carreiro
A simples menção ao título do filme “O Poderoso Chefão” (The Godfather, EUA, 1972) traz à mente de qualquer cinéfilo a imagem, inesquecível, de um Marlon Brando com bochechas estofadas por bolas de algodão e olhar flutuando entre o insolente e o melancólico. A associação entre título e personagem é feita pelo próprio diretor do filme, Francis Ford Coppola, na seqüência de abertura da obra, que o apresenta à audiência: um comerciante pede um favor ao “padrinho” (a tradução literal do título original), leva uma reprimenda e, humildemente, beija a mão de Brando. Ele é mesmo um poderoso chefão. Mas o título também faz referência, talvez não intencional, ao personagem de Al Pacino. Porque é a trajetória de Michael Corleone, e não a do Don Vito de Brando, que a platéia vai acompanhar nos gloriosos 171 minutos desta obra-prima.
“O Poderoso Chefão” dispensa comentários. O empresário interpretado por Tom Hanks na comédia “Mens@gem Para Você” resume tudo: “O Poderoso Chefão é o I Ching, a soma de todos os conhecimentos, a resposta para todas as perguntas”, diz ele. A mística em torno da obra é tão grande que os milhares de usuários do maior banco de dados sobre cinema do planeta, o Internet Movie Database (IMDB), elegeram este o melhor filme da história do cinema. Quando o fizeram, certamente estavam pensando em Brando ou Pacino, já que ambos oferecem dois dos maiores desempenhos de atores que podem ser vistos em filmes.
Pacino é Michael Corleone. Herói de guerra, Michael é claramente o filho favorito de Don Vito Corleone, chefe de uma das famílias mafiosas mais poderosas dos EUA. Ele é tão favorito que foi criado para ser o homem honesto do clã. Michael é um peixe fora d’água quando está com o pai e os irmãos, algo que Coppola genialmente traduz em imagem no momento da foto oficial do casamento de Connie (Talia Shire), a festança que abre o filme. Todos mundo lá usa trajes de gala, com ternos e gravatas negros, camisas brancas e sapatos brilhando de novos. Michael veste a característica farda verde-oliva dos militares em serviço. Ele é diferente.
Como foi dito antes, “O Poderoso Chefão” não é sobre Don Vito. É sobre Michael. Ou melhor, é sobre o amor. Parece estranho? Pois observe com atenção a trajetória de Michael. O homem honesto e tranqüilo, que quer distância dos negócios escusos da família Corleone no início do filme, transformou-se um tenso e furioso chefe mafioso no final. Qual o motor de tamanha transformação, senão o amor pelo pai, ou em última instância pela família? Sim, o amor pode tudo. É chavão, mas é verdade, e Coppola prova isso contando uma história impossível com tamanha graça e habilidade que ela se torna não apenas possível, mas absolutamente natural.
Impressionante é saber que o cineasta conseguiu um resultado tão sublime regendo uma orquestra cinematográfica em pleno caos, pois a produção foi cercada de conflitos e contratempos. Um exemplo: se dependesse dos estúdios Paramount, que financiavam a obra, o papel de Michael Corleone nunca teria ficado com Al Pacino. Este era apenas um desconhecido ator de teatro em 1972. Os executivos queriam uma estrela, de preferência um galã louro (?), como Ryan O’Neal ou Robert Redford. Pior: desejavam transportar a ação da década de 1940 em Nova Iorque para a Kansas City dos anos 1970. Ainda por cima, embirraram com o nome de Marlon Brando, que consideravam um arruaceiro, para o papel-título.
Na verdade, a Paramount havia comprado os direitos do livro e escalado Coppola para dirigir a adaptação quando o romance de Mario Puzo ainda era um manuscrito. Depois de publicado, o livro viu as vendagens explodirem. Aí o estúdio quis mudar de diretor, mas Coppola já estava em pleno processo de pré-produção. O que se viu, a partir de então, foi puro terrorismo psicológico. Os executivos obrigaram o cineasta a fazer testes com vários atores para o papel de Michael, pois não aceitavam Pacino. James Caan (escalado para interpretar o irmão Sonny), Martin Sheen e Robert De Niro fizeram testes. Coppola bateu o pé. Aí, os mesmos executivos compareciam às gravações apenas para dar risadas de deboche enquanto Al estava gravando. Chegaram mesmo a colocar um diretor reserva nos sets. Diziam, então, que ao menor sinal de vacilo demitiriam o jovem cineasta ítalo-americano.
Os deuses do cinema, com uma mãozinha do produtor Robert Evans (que comandava o estúdio e gostava de apostas arriscadas), mostraram que Copolla estava certo. Permitiram não apenas que o diretor escalasse um elenco de sonhos (de Diane Keaton a James Caan, passando por Talia Shire, cada um dos 21 intérpretes de personagens importantes está perfeito em seu papel), mas também incluíram uma galeria impecável de profissionais atrás das câmeras. O diretor de fotografia, Gordon Willis, deu o toque final de perfeição à obra-prima, criando uma fotografia em tom dourado tão severamente escura e pesada que lhe deu o apelido de “Príncipe das Sombras” – e se transformou em referência para todo e qualquer filme de máfia rodado a partir dali.
“O Poderoso Chefão” é uma sucessão ininterrupta de seqüências primorosas, dessas de deixar cinéfilo salivando: o casamento de Connie, o atentado na barraca de frutas, o duplo assassinato no restaurante, o ataque cardíaco na plantação de tomates, a surra no meio da rua, o tiroteio no pedágio, sem falar do batizado que encerra o filme, com uma montagem paralela espetacular que marca o clímax da produção. A primeira parte da trilogia de Coppola tem mais momentos inesquecíveis do que qualquer outro grande filme da história do cinema (com a possível exceção de “Cidadão Kane”). Ou seja, é material para se ver e rever muitas vezes.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/poderoso-chefao-o/
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