
Seqüência do épico mantém a unidade estética e temática do anterior, ampliando o escopo em alguns pontos
Por: Rodrigo Carreiro
A pergunta óbvia de quem deseja se informar sobre “O Poderoso Chefão 2” (The Godfather: Part II, EUA, 1974): é melhor do que o primeiro? Pois bem, não dá para saber. As preferências dos cinéfilos se equivalem. A única resposta objetiva possível é que se trata de um filme maior, porque tem 20 minutos a mais. Melhor ou pior, não importa; importa que é sensacional, sim, e mantém a unidade estética e temática do anterior, ampliando o escopo em alguns pontos e tecendo uma teia complexa de relações que já não era fácil de acompanhar. Além disso, marca uma característica interessante da trilogia, que será aprofundada de maneira definitiva na terceira parte – o uso de fatos históricos reais que são penetrados pela ficção.
Boa parte da trama de “O Poderoso Chefão 2” se passa em Cuba, para onde Michael Corleone (Al Pacino) viaja, junto com o irmão Fredo (John Casale), a fim de fechar um negócio importante. Após assumir em definitivo o lugar deixado vago pelo pai, e eliminar concorrentes, Michael transformou a família Corleone na mais poderosa máquina mafiosa dos EUA. Agora, ele deseja mudar a base geográfica, transportando tudo para a Califórnia (EUA), além de diversificar os negócios – investindo em jogos de azar, em ações de empresas multinacionais e na política – e, finalmente, legalizá-los. Para isso, precisa administrar problemas familiares com os irmãos Fredo e Connie (Talia Shire) e com a mulher Kay (Diane Keaton).
Essa é a trama número 1 do filme, mas existe outra, cronologicamente anterior: a saga de Don Vito Corleone (Robert De Niro), de imigrante italiano que chega aos EUA sem um tostão a homem poderoso do submundo nova-iorquino. Via de regra, o filme salta de uma história para outra a cada 20 minutos. A montagem é bem feita, mas é também o ponto fraco da película, pois não há simetria entre as duas histórias. Coppola teve problemas com a opção pela montagem paralela. Chegou a modificá-la, após uma exibição-teste em que recebeu muitas críticas por ter fragmentado demais as duas histórias. Por isso, combinou-as em intervalos regulares mais longos. Funciona, OK, mas não é fluido e perfeito como na parte 1 da trilogia.
Se não existe simetria nas duas histórias, essa qualidade está presente quando os dois filmes são colocados lado a lado. Como na produção anterior, Coppola inicia “O Poderoso Chefão 2” com uma festa. Há um atentado contra Michael, e em seguida o filme o mostra se dedicando aos negócios. Embora o enredo seja complicado e inteligente, Coppola faz um trabalho brilhante ao mostrar como Michael, ao tentar proteger os Corleone da única maneira que sabe, acaba se afastando cada vez mais da família – dos irmãos e da esposa Kay (Diane Keaton) – sem poder reverter o processo. Para proteger quem ele ama, Michael precisa se afastar deles. Novamente, este é o grande tema do filme: o amor pela família.
“O Poderoso Chefão 2” é, de fato, a fachada de Michael: impassível, poderosa, resoluta. Ele aparenta ser um homem de aço, que nunca hesita. A experiência o transformou em expert no jogo político, o jogo das aparências. Mas é apenas fachada. No íntimo, Michael é um homem torturado, amargo e, claro, hesitante. Só que esse é um Michael que jamais conseguimos vislumbrar. Talvez esteja aí o truque supremo de Coppola: ele filma “O Poderoso Chefão 2” do ponto de vista de Fredo e Connie, colocando a platéia na mesma posição dos irmãos do grande chefe. Os dois vêem tudo acontecer, e pensam que entendem o que estão vendo, mas na verdade nunca conseguem ir além do jogo de aparências, e só compreendem de fato os acontecimentos depois que eles viram passado.
No elenco, o grande destaque é Robert De Niro, que recebeu um dos seis Oscar destinados à produção. De Niro se mudou para a Sicília, estudou italiano (a maior parte dos diálogos dele é travada nessa língua) e até modificou a voz, passando a utilizar uma entonação rouca, que se aproxima do sussurrar de Marlon Brando no primeiro filme. Sua postura altiva e silenciosa, de olhos penetrantes e às vezes melancólicos, nos faz acreditar que ele é mesmo a versão jovem do velho Vito. Quanto a Al Pacino, a verdade é que a magnética interpretação conseguida no primeiro filme facilita o trabalho, e nos faz acreditar que ele é Michael Corleone, e não um ator interpretando. Resumindo, é perfeito.
Outro destaque é a fotografia assombrosa de Gordon Willis, que vai ainda mais fundo no uso do contraluz e faz algumas tomadas inigualáveis com o uso da sombra. Anos mais tarde, ele se mostraria arrependido por radicalizar tanto nos contrastes claro/escuro – há tomadas em que praticamente só se consegue vislumbrar o branco nos olhos dos personagens –, mas o resultado final é realmente único, e belíssimo; algumas tomadas parecem quadros de Caravaggio. A reconstituição de época de Dean Tavoularis, que preparou alguns quarteirões de Nova York para filmar o trecho com De Niro em locação, também impressiona pela perfeição. Para completar, há mais uma galeria de cenas inesquecíveis, incluindo o primeiro assassinato de Vito (a mão de De Niro pegando fogo talvez seja a imagem mais forte do filme), uma discussão incrivelmente realista entre Michael e Kay e, claro, o epílogo sombrio exibido sob o som de uma oração. Lindo, lindo, lindo.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/poderoso-chefao-2-o/
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