terça-feira, 24 de novembro de 2009

O Ódio

Segundo trabalho de Mathieu Kassovitz é um filme agressivo e estiloso, que compõe um retrato visceral da juventude dos subúrbios de Paris
Por: Rodrigo Carreiro
O francês Mathieu Kassovitz é muito mais conhecido como ator do que como diretor. Ele ganhou fama internacional como o galã ingênuo e sonhador do colorido “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain” (2001). Curiosamente, a produção que lhe deu fama é diametralmente oposta ao estilo de filmes que ele escolheu dirigir. Nada de imagens lúdicas e personagens fofinhos. “O Ódio” (La Haine, França, 1995), segundo e melhor longa-metragem com a assinatura de Kassovitz, é um filme agressivo, rústico e estiloso, que cruza os estilos de Martin Scorsese e Spike Lee para compor um retrato visceral da verdadeira panela de pressão em que vive a juventude dos subúrbios de Paris.
Repleto dos excessos estilísticos típicos de um cineasta talentoso mas ainda imaturo, “O Ódio” transpira agressividade por todos os poros. Trata-se de uma produção que consegue alcançar o mérito de ser relevante, ao mesmo tempo, dos pontos de vista universal e local. É um filme universal porque tematiza com perfeição o cotidiano da juventude contemporânea de baixa renda – uma multidão de jovens cheios de agressividade reprimida, sem qualquer perspectiva de futuro positivo. E é local porque retrata, com muita propriedade, o confuso panorama étnico e racial que permeia todas as capitais européias, invariavelmente habitadas por descendentes de povos colonizados pelas grandes potências. Um cenário perfeito para o crescimento surdo de diversos tipos de preconceito, todos prestes a explodir.
O roteiro, escrito por Kassovitz, retrata um dia na vida de três jovens que moram no mesmo conjunto habitacional miserável em Paris. Eles pertencem a etnias diferentes, mas são muito amigos. Vinz (Vincent Cassel) é judeu. Hubert (Hubert Kounde), negro. Säid (Saïd Taghmaoui), descendente de árabe. Eles acabam de passar uma noite terrível. Os jovens da vizinhança tiveram um confronto violento com a polícia, e um amigo do trio está hospitalizado, entre a vida e a morte, por causa de excessos numa sessão de torturas cometida pelos policiais. Enfurecidos, os três rapazes vagam pela vizinhança, sem nada para fazer e sem destino, cometendo pequenos delitos, invadindo festas burguesas ou encontrando amigos ao acaso. Um deles tem um revólver carregado. Eles pensam em matar um policial, caso o amigo hospitalizado morra.
Kassovitz fez um filme irado, cheio de energia, que captura perfeitamente o clima explosivo das periferias das metrópoles do Velho Mundo. Na estrutura narrativa e no tom agressivo, a influência clara vem dos filmes de Spike Lee, em particular da obra-prima “
Faça a Coisa Certa” (1989). A temática racial está presente, a atmosfera de tensão borbulhante também, e toda a ação dramática se passa num único dia. Já na estética, Kassovitz bebe da fonte de Martin Scorsese – há citações visuais de “Taxi Driver” e “Touro Indomável”, por exemplo, além de um trabalho de câmera brutal e ao mesmo tempo gracioso. O filme utiliza técnicas do cinema verité (câmera na mão, imagens em preto-e-branco), mas acrescenta a elas montagem veloz, truques visuais como câmera dividida (split screen) e efeitos sonoros que aumentam a sensação geral de nervosismo.
Graças ao roteiro firme, que guarda surpresas arrojadas para o terceiro ato, e às atuações brilhantes e despojadas do elenco semi-desconhecido, “O Ódio” oferece um dos panoramas mais abrangentes, complexos, inteligentes e apocalípticos da vida da juventude contemporânea européia. É, também, o tipo de filme que dá margem para uma reflexão importante sobre a decadência do nível de vida nas cidades, neste século XXI. Basta comparar com “
Juventude Transviada” (1955) ou “Sem Destino” (1969), clássicos que radiografaram com precisão os dilemas jovens de gerações anteriores, para ver o quanto a civilização se deteriorou. Não é uma obra perfeita, mas tem enorme relevância cultural – e não são muitos os filmes que alcançam tal status.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/odio-o/

Nenhum comentário:

Postar um comentário