sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Longe Dela

Estréia da atriz Sarah Polley na direção surpreende pela maturidade com que encara o inusitado tema da vida na velhice
Por: Rodrigo Carreiro
“Longe Dela” (Away From Her, Canadá, 2006) está muito, muito distante do tipo de filme que se esperaria da estréia na direção de uma atriz que contava apenas 26 anos de idade quando começou a delinear o projeto. E isso é o melhor elogio que o longa-metragem independente, filmado no Canadá sem o apoio de nenhum estúdio, poderia receber. Trata-se, afinal, de uma narrativa suave, madura e delicada sobre as duras decisões que precisam ser tomadas por um casal de meia-idade que se prepara para viver uma velhice tranqüila, num paraíso bucólico e gelado do interior canadense, quando é perturbado pelo súbito e dramático surgimento de uma das doenças mais traiçoeiras que pode atingir uma pessoa: o Mal de Alzheimer.
Narrativas cinematográficas sobre jovens dirigidas por pessoas experientes são relativamente comuns. Não é tão difícil, para um cineasta veterano, dramatizar eventos vividos por uma pessoa de pouca idade. O contrário, porém, é bem mais raro. Diretores estreantes, ainda por cima tão novos quanto
Sarah Polley, costumam ter dificuldade para dar estofo e conteúdo a histórias íntimas sobre gente velha. Afinal de contas, eles não têm experiência pessoal com os temas que vivem nas entrelinhas do cotidiano de sexagenários, como os personagens de “Longe Dela” – temas como a proximidade da morte, o medo de que as pessoas queridas se vão antes delas, o ajuste de contas com traumas do passado. Tudo isso faz a estréia de Sarah Polley na direção uma conquista pessoal ainda mais impressionante.
O filme é a
adaptação para o cinema de um dos contos favoritos da atriz. Curiosamente, porém, não era o projeto que ela desejava comandar, como primeira incursão na direção de longas. Enquanto se preparava para a tarefa, dirigindo curtas, Polley escreveu cuidadosamente um roteiro original sobre os demônios pessoais de uma atriz-mirim de 12 anos. A dificuldade de conseguir financiamento para o projeto a fez mudar de rumo e se decidir por levar a cabo o que se tornaria “Longe Dela”. Em poucos meses, ela escreveu um roteiro para o projeto e convidou a veterana Julie Christie, que conhecera nos sets de filmagens de “A Vida Secreta das Palavras” (2005), para interpretar a protagonista. A presença da diva indiana (de origem inglesa) tornou o projeto possível. E Christie, com uma interpretação meticulosa, dá nuances de humanidade a um drama raro, que se debruça sobre um universo pouquíssimo visitado por filmes, que é a vida na velhice.
Embora Fiona (Christie) seja o pivô da história, ela é contada do
ponto de vista de Grant (Gordon Pinsent). Eles formam um casal de sexagenários que, aposentados, se preparam para viver uma velhice confortável, numa casa ampla e afastada dos grandes centros, quando são surpreendidos com a chegada da doença. Quando os lapsos de memória de Fiona se tornam mais freqüentes, a própria mulher decide ir viver numa clínica geriátrica, especializada em casos como o dela. Fiona se mantém irredutível, apesar dos veementes protestos do marido. A partir da internação, o filme se dedica a acompanhar os esforços de Grant para se acostumar à nova e solitária rotina, enquanto a relação dele com a mulher evolui de maneira completamente inusitada.
Como quase todo filme dirigido por atores, “Longe Dela” deve boa parte dos méritos à atuação extraordinária e uniforme do elenco. Julie Christie se destaca por dar vida com incrível naturalidade a uma mulher de personalidade forte, que a doença vai gradualmente modificando. As nuances de interpretação são sutis e inteligentes – observe, por exemplo, como o olhar de Fiona é completamente diferente, depois que o casal cumpre os 30 dias regulamentares de afastamento que a clínica exige, após a internação. Já Gordon Pinsent, muito menos conhecido do que a colega, também está ótimo. Sua expressão de dor e solidão é comovente, mesmo nos momentos em que a mulher ainda não foi para a clínica. Ele remói o peso de erros do passado e não consegue evitar o sentimento de culpa pelo que está ocorrendo, embora saiba que tudo não passa de uma cruel capricho do destino.
Demonstrando segurança e maturidade surpreendentes para uma estréia, especialmente sendo tão jovem, Sarah Polley conduz o filme com muita sensibilidade. Diante de um tema difícil, ela jamais cai na tentação de chafurdar no melodrama. Usa diálogos econômicos, criando uma narrativa lenta e contemplativa, pontuada por momentos de silêncio, que ajudam o espectador a sentir no íntimo a mesma tristeza de Gordon, o narrador. Brinca com a cronologia dos eventos de forma nada gratuita, de modo a criar um pequeno momento de surpresa genuína no terceiro ato. E recusa o uso de orquestração na trilha sonora, o que poderia aproximar perigosamente o tom do filme de um dramalhão. Polley prefere usar canções acústicas do conterrâneo Neil Young para transmitir a atmosfera etérea e melancólica do drama do protagonista. O resultado é um belo filme.

http://www.cinereporter.com.br/dvd/longe-dela/

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