quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A Casa Monstro


Animação infanto-juvenil surpreende por mesclar humor e horror com inteligência e agilidade
Por: Rodrigo Carreiro

O lucrativo ramo das animações infantis tem como público-alvo principal, normalmente, crianças na faixa etária dos 6 aos 10 anos. Os pequenos que ultrapassam este limite entram numa espécie de terra de ninguém; estão numa idade indefinida, entre a infância e a adolescência. Os filmes infantis podem parecer infantis demais para eles, e as comédias adolescentes enfocam um mundo onde eles ainda não entraram. Este nicho de mercado, pouco ocupado pelos grandes estúdios, é o foco primordial da ótima animação “A Casa Monstro” (Monster House, EUA, 2006).
Dirigido pelo estreante Gil Kenan e contando com o apoio dos pesos-pesados Robert Zemeckis e Steven Spielberg entre os produtores, o longa-metragem surpreende por mesclar humor e horror com inteligência e agilidade, sem deixar de ser uma produção para crianças. É um filme divertido e sinistro, que prega sustos eficientes e vira um produto perfeito para garotos que estão naquela idade em que a voz começa a mudar e as brincadeiras com bonecos e fantasias já parecem meio bobas, meninos entre 10 e 14 anos cujos hormônios estão prestes a entrar em ebulição.
Imagine se o clássico infanto-juvenil “Os Goonies” (1984) tivesse um roteiro escrito por Stephen King e fosse dirigido de Tim Burton. Imaginou? Pois é uma definição que cabe como uma luva em “A Casa Monstro”. A produção tem o humor negro macabro e excêntrico do diretor de “A Noiva-Cadáver” (2005); possui uma narrativa fantasmagórica que descende dos livros de King, com pitadas nítidas de “O Iluminado”; e está impregnada daquela sensação eletrizante de estar por dentro de um segredo que nem os adultos da vizinhança conhecem (e se o conhecessem, não acreditariam nele), um espírito que “Os Goonies” capturou muito bem. O resultado é uma das melhores animações de 2006.
Na verdade, o projeto de “A Casa Monstro” nasceu como um filme live action comum, com atores de carne e osso. Durante a fase de pré-produção, contudo, o diretor Gil Kenan percebeu que a narrativa poderia ficar visualmente mais sofisticada se a câmera tivesse mais liberdade para se mover. Foi então que surgiu a idéia de utilizar a técnica de captura de movimento, já usada antes em “O Expresso Polar” (2004), de Zemeckis. A técnica, que permitiu a criação do personagem Gollum na trilogia “O Senhor dos Anéis”, consiste de gravar toda a ação em estúdio, com os movimentos dos atores sendo captados eletronicamente. Depois, artistas gráficos transformam esses movimentos em animação completa, com cenários digitais.
De fato, “A Casa Monstro” se beneficia da técnica, que permite ao diretor Gil Kenan abusar de ângulos inusitados, imagens subjetivas e movimentos velozes, fluidos e impossíveis de câmera, tudo isso cortando a ação o mínimo possível. Ao invés de picotar as cenas em tomadas curtas, o cineasta prefere-as longas, mas sempre movimentando a câmera rapidamente, em todas as direções, inclusive criando longas elipses (passagens de tempo) sem precisar cortar as cenas. Ele também trabalha nas transições entre cenas sem utilizar o tradicional corte, o que faz de “A Casa-Monstro” uma trabalho de edição impressionante.
Um dos melhores exemplos desse novo estilo de montagem está no longo flashback que explica o mistério envolvendo a casa do título. A seqüência começa com a câmera recuando, enquanto o resto de determinado personagem rejuvenesce; no final, o movimento é repetido, e a câmera recua velozmente até mostrar o mesmo personagem, agora com a idade real. Em outro exemplo, o clímax do filme possui uma longa tomada que mais parece um passeio interminável de montanha-russa. Bem legal mesmo.
“A Casa Monstro” abre com outra seqüência virtuosa que rende homenagem ao homem que aperfeiçoou a técnica, Robert Zemeckis. A cena emula a abertura de “
Forrest Gump” (1994), mostrando de perto uma folha seca flutuando no ar. Ela cai no gramado de uma casa sinistra e dispara a história, que é bem simples: na véspera do Halloween, três crianças espertas começam a perceber que a tal mansão parece ter vida própria. Nela vive um velho mau-humorado, mas um incidente assustador envolvendo os pequenos faz com que a mansão fique sozinha bem na noite de Halloween. Quando o trio de pequenos heróis percebe que a casa possui consciência própria e pode ter planos macabros para a noite seguinte, decide fazer algo.
Numa história como esta, não há dúvida de que as composições visuais ganham destaque insuspeito. Por isso, é obrigatório mencionar o espetacular design da mansão assombrada, com janelas amareladas que lembram olhos injetados de raiva, e um portal de madeira caindo aos pedaços, semelhante a uma boca enorme, esperando para engolir qualquer incauto que aparecer em frente à porta. O filme é curto e o diretor não faz nenhuma cerimônia para deixar claro que existe, sim, um elemento sobrenatural por trás da aparência ameaçadora. Assim, fica livre para caprichar nos sustos – a caracterização nervosa de Nebbercracker, o sinistro velho careca de dentes podres, é capaz de causar arrepios até mesmo nos adultos.
Por outro lado, “A Casa Monstro” jamais perde de vista as emoções do público-alvo principal, e faz do pequeno líder de caça-fantasmas, DJ, um rapazinho bem no limiar entre a infância e a adolescência. Ele não está só vivendo uma aventura sensacional, como também está passando por uma transformação física e psicológica. A voz ocasionalmente sai mais grossa, ele acha que pedir doces na noite de Halloween não é mais tão divertido quanto antes, e começa a sentir mais prazer em ter a companhia de
meninas como Jenny do que ficando perto de Chowder, o gordo e engraçado melhor amigo. “A Casa Monstro” é um filme excelente sobre o despertar da adolescência e tem boas chances de agradar, também, aos mais velhos, incluindo adultos nostálgicos das aventuras mágicas de quando eram pequenos.
http://www.cinereporter.com.br/dvd/casa-monstro-a/

Nenhum comentário:

Postar um comentário