terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Os Indomáveis


História de honra e redenção mostra que James Mangold conhece bem a linguagem clássica do faroeste
Por: Rodrigo Carreiro

O início do período de decadência do faroeste remonta mais ou menos a meados dos anos 1960. O avanço da tecnologia e uma mudança radical nos hábitos de consumo, especialmente entre jovens e mulheres, foram aos poucos reduzindo o número de produções do gênero essencialmente norte-americano. Da década de 1990 em diante, quase todos os cada vez mais raros westerns passaram a apostar na nostalgia ou a questionar a mitologia do gênero, em filmes chamados de revisionistas. “Os Indomáveis” (3:10 to Yuma, EUA, 2007) não faz nem uma coisa nem outra. É simplesmente uma história clássica de honra e redenção, uma aventura recheada de personagens que obedecem ao rígido código de moral que bandidos e mocinhos compartilhavam, nos tempos mais gloriosos do bangue-bangue.
O diretor do filme é James Mangold, um dos mais versáteis cineastas em atividade nos Estados Unidos. Ele tem no currículo de dramas policiais (“Cop Land”), comédias de época (“Kate e Leopold”), thrillers sobrenaturais “(Identidade”) e cinebiografias musicais (“
Johnny e June”). Reconhecidamente bom diretor de atores, Mangold demonstra claro domínio sobre a linguagem clássica do faroeste – o vilão usa roupa e chapéu preto, o herói tem vestes claras, a música evoca solidão, e todos compartilham o código de conduta estabelecido pelas melhores produções de mestres como Howard Hawks, John Ford e Anthony Mann. Este código é elemento fundamental da relação ambivalente, de rivalidade e respeito mútuo, que se estabelece entre os dois personagens principais.
Ben Wade (Russell Crowe) é o poderoso chefe do mais temido bando de foras-da-lei da região. O primeiro encontro ele e o humilde rancheiro Dan (Christian Bale) acontece logo depois que o grupo de bandidos assalta, pela 22ª vez, uma diligência com depósitos bancários em dinheiro. Embora seja implacável, Ben não é um homem cruel, tendo até certo pendor artístico (demonstra habilidade no desenho). O assaltante nada tem contra Dan, que está acompanhado dos dois filhos, e o deixa seguir seu caminho. Mais tarde, no mesmo dia, os dois terão um segundo encontro, bem mais tenso. E quando Ben, já preso, precisa ser conduzido para outra cidade, a fim de apanhar o trem para a prisão de Yuma, Dan se oferece para integrar a caravana.
É um trabalho de alto risco. Todo o grupo do bandido está à espreita no deserto empoeirado do oeste norte-americano, e é certo que eles tentarão libertar o chefe. Dan está consciente do perigo, mas não tem muita escolha. Está falido e precisa do dinheiro para reconstruir a fazenda, recentemente arrasada por um cruel especulador de terras. Mais do isso: Dan está cansado do olhar cabisbaixo da mulher (Gretchen Mol) e dos filhos, que não reconhecem mais nele o vigor necessário para chefiar a família rimo a uma vida mais digna. Desta forma, o rancheiro se aferra à missão com unhas e dentes. Ela passa a ser uma prova, para si mesmo, de sua integridade e de seu valor.
Como toda boa aventura, a jornada empreendida pelo grupo improvisado de justiceiros vem recheada de contratempos, incluindo ataques de índios, fugas inesperadas e até mesmo a aparição de um aliado que Dan não gostaria de ter. Mais importante do que a ação exterior, contudo, é a complexa relação de rivalidade e respeito que vai se estabelecendo entre os dois homens, tão diferentes e no entanto tão semelhantes. A situação opressiva vai ser resolvida num tiroteio clássico que encerra, com poucas apalavras e atitudes surpreendentes de todos os envolvidos, esta história de honra e redenção.
“Os Indomáveis” poderia tranqüilamente ter sido produzido na fase áurea do gênero. Não nega suas origens, já que foi baseado num longa de 1957 (“Galante e Sanguinário”, de Delmer Davies) que, por sua vez, nascera num conto de Elmore Leonard, publicado em uma revista vagabunda no verão de 1953. Mangold utiliza elementos de faroestes mais recentes e realistas – roupas empoeiradas, dentes podres e muita sujeira – e mescla-os à linguagem mais tradicional do gênero, como fica claro pela trilha sonora discreta e eficiente de Marco Beltrami. Ele demonstra olho sofisticado para enquadramentos (muitas tomadas adotam o
ponto de vista de um personagem, pondo a ação principal em segundo plano e usando um chapéu ou uma arma deste mesmo personagem como moldura). Nas cenas de ação, ousa pôr um toque documental e opera a câmera com as mãos para obter uma atmosfera mais contemporânea.
Com a fama adquirida como bom diretor de atores, Mangold pôde atrair um elenco acima da média para a produção. Curiosamente, os dois protagonistas desta história genuinamente americana são estrangeiros – Crowe é neozelandês e Bale nasceu no País de Gales, e ambos desempenham com eficiência, de modo contido – e o restante do elenco tem nomes de talento, como Bem Foster (“Alpha Dog”), a bela Gretchen Mol (“O 13º Andar”) e até mesmo Luke Wilson (“Os Excêntricos Tenenbaums”) em uma ponta. O maior destaque acaba ficando com o veterano Peter Fonda, quase irreconhecível atrás de uma peruca de fartos cabelos brancos e de uma dentadura velha, no papel de um caçador de recompensas que lidera a caravana da condução de Ben para a prisão.

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