segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça


Tim Burton mistura comédia, horror e romance em filme divertido e visualmente esplêndido
Por: Rodrigo Carreiro

Uma grossa gota de sangue pinga em cima de um pergaminho. Mas espere um momento, não é sangue; é cera, cera de vela! A câmera se afasta um pouco, é mostra a cena completa. Trata-se de um advogado, ricamente vestido em um extravagante terno vitoriano, lacrando um testamento com um selo à moda antiga. O sujeito sai para uma assustadora viagem noturna de carruagem, é perseguido por algo que tem origem aparentemente sobrenatural, e termina decapitado dentro de um milharal, bem na frente de um espantalho cuja cabeça é uma abóbora com um rosto talhado, à moda de uma festa de Halloween. Imaginou a cena? A abertura de “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (Sleepy Hollow, EUA, 1999), de Tim Burton, dá o tom do filme: horror gótico, homenageando os antigos filmes da produtora Hammer, com toques de humor e romance.
“A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” é baseado em um conto muito popular nos EUA, de autoria de Washington Irving. Já havia sido levada às telas pelo menos duas vezes, antes que o diretor de “
Edward Mãos-de-Tesoura” começasse a torcer e retorcer a história original, quase a ponto de torná-la irreconhecível. O objetivo de Burton, obviamente, nunca foi simplesmente tornar o enredo diferente, mas apenas adaptá-lo ao elaborado universo de extravagância gótica que, desde o início da carreira, sempre se dedicou minuciosamente a erguer. O resultado é perfeito. “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” é um filme divertido, de visual deslumbrante, que tem uma textura única e narra uma história de amor bizarra como somente Tim Burton sabe fazer.
O protagonista é Ichabold Crane (Johhny Depp). O rapaz é um detetive de Nova York, discriminado pelos colegas por ter verdadeira obsessão em criar métodos científicos de investigação – métodos que possam substituir a tortura. Crane é um inventor de estranhos instrumentos, como curiosas lentes de aumento que funcionam como óculos gigantes, presumivelmente capazes de ajudar a provar cientificamente a culpa, ou a inocência, de um suspeito de crime. Mais para ser mantido longe do que se considera um trabalho sério, ele é enviado por seus superiores para resolver um caso esquisito num condado rural chamado Sleepy Hollow. Lá, homens estão sendo decapitados por um assassino desconhecido.
A aventura de Crane em Sleepy Hollow é uma mistura perfeita de gêneros que aparentemente não combina, mas viram um coquetel delicioso nas mãos de Tim Burton. Há comédia – Crane é um sujeito medroso, que desmaia a casa visão estranha que tem durante as investigações. Há romance – o detetive se apaixona por Katrina Van Tassel (Christina Ricci), a filha do rico líder da comunidade. Há mistérios por resolver – quase todos os habitantes de Sleepy Hollow aparentam esconder algum segredo dos demais. E há, sem duvida, horror – são 18 decapitações nos 100 minutos de duração do longa-metragem, algumas delas bastante explícitas.
O filme é um flerte explícito com o tipo de estética desenvolvido pela produtora Hammer, responsável por alguns dos filmes de visual mais gótico dos anos 1950 e 60. Burton já havia se aproximado daquela estética em “
Ed Wood”, mas aqui ele adiciona uma paleta explosiva de cores fortes à mistura, além dos figurinos extravagantes que são uma marca registrada de sua carreira. No aspecto visual, que envolve direção de arte, fotografia e figurinos, “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” é um deleite, uma perfeição monumental, o melhor filme de um diretor conhecido por erguer obras de beleza gótica estonteante.
No plano narrativo, “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” não tem maiores ambições, e oferece uma eficiente aventura, cheia de lances engraçados, com roteiro (de Andrew Kevin Walker, responsável pelo fantástico “Seven”) levemente mórbido. “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” existe em um mundo de sonhos, e talvez por isso as seqüências em que Ichabold Crane sonha estejam tão perfeitamente integradas à narrativa, quando poderiam facilmente funcionar como distração desinteressante para a platéia. Um filme delicioso.

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