segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Peixe Grande



Tim Burton dá um passo rumo à maturidade, mas mantém pé no reino da fantasia e entrega filme emocional
Por: Rodrigo Carreiro

Quando produtores e executivos da indústria cinematográfica têm em mãos um filme ambientado em um mundo de fantasia, onírico ou mesmo surreal, logo pensam em Tim Burton. Esse foi o motivo pelo qual o cineasta recebeu o projeto de “Peixe Grande” (Big Fish, EUA, 2003), um longa-metragem que parece ter nascido sob encomenda para o diretor. Não foi assim. Aliás, curiosamente, a película aconteceu em um momento particularmente singular da vida de Burton. Talvez por isso, a edição final do trabalho parece ter capturado um cineasta menos corrosivo e mais emocional. Em outras palavras, menos infantil e mais adulto.
Nos últimos três anos, enquanto esteve envolvido com a produção de “Peixe Grande”, Tim Burton perdeu o pai e a mãe. Ele não falava com nenhum dos dois desde que tinha 12 anos, quando forçou uma mudança para a casa da avó. Além disso, Burton enfrentou um divórcio e um novo casamento, com a atriz Helena Bonham Carter, que logo engravidou. O primeiro filho do diretor de “
Ed Wood” nasceu em outubro passado. Todos esses fatos pessoais parecem ter influenciado bastante a notável mudança de postura que o diretor assume em “Peixe Grande”.
Na verdade, é um Tim Burton mais maduro que emerge das belas imagens do longa-metragem. Alguns dos temas mais característicos do diretor – como a crítica cínica e corrosiva à maneira como a sociedade ocidental trata pessoas de índole marginal – marcam presença, como sempre, mas agora filtrados por uma nova ótica, menos ácida. Tudo isso pode dar a impressão de que a paternidade e a perda dos pais amoleceram o cineasta, dissipando a aura de enfant terrible que sempre o acompanhou e tornando-o um homem mais compreensível.
Discorrer sobre esse raciocínio, contudo, é um perigo. Desde que os críticos franceses da Cahiers du Cinèma lançaram a “teoria do autor”, na década de 1950, costuma-se atribuir uma responsabilidade por vezes exagerada à figura do diretor. “Peixe Grande”, por exemplo, é um filme de estúdio, um projeto que já estava caminhando quando Tim Burton assumiu o leme. Nem tudo o que está na tela, dessa forma, deve ser compreendido como criação dele. Mas basta examinar o tema principal do filme para ficar claro o quanto ele é autobiográfico.
A história gira em torno do jornalista Will Bloom (Billy Crudup, contido e eficiente). Ele retorna à casa da família quando o pai, Edward Bloom (Ewan McGregor quando jovem e Albert Finney na velhice, ambos excelentes), está no leito de morte. Os dois não se falam há três anos. Brigaram na noite do casamento de Will, porque este não consegue entender o fato de o pai sempre precisar florear as experiências que teve na juventude, transformando narrativas banais em histórias extraordinárias e impossíveis. O filme se dedica a relatar a trajetória de Ed, sob a ótica peculiar do sujeito. Assim, os episódios fantásticos da vida do caixeiro viajante envolvem irmãs siamesas, um peixe enorme, um homem gigante e um lobisomem.
Fantasia ou realidade? Na verdade, isso não importa muito. As histórias são deliciosas, e o visual criado por Tim Burton, absolutamente encantador. Imagine um cruzamento entre a delicada cidadezinha colorida de cercas brancas, de “
Edward Mãos-de-Tesoura”, e a aspereza gótica de “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”. Fotografia e direção de arte são, definitivamente, pontos altos do filme, bem como a boa trilha sonora elaborada por Danny Elfman, que cruza temas originais razoáveis com canções de época realmente memoráveis.
O que diferencia “Peixe Grande” de outros filmes de Tim Burton pode ser resumido em duas observações. Primeiro, o fato de que Burton assume, pela primeira vez, que existe uma “realidade” feia, suja e chata correndo em paralelo ao mundo fantástico de Ed Bloom. Talvez seja a primeira vez em que Tim Burton abandona a dimensão surreal que criou para ambientar seus filmes, fincando um pé (mesmo que hesitante, a contragosto) no mundo real. Efeitos da paternidade, talvez.
Em segundo lugar, impressiona a maneira com que o diretor aborda a temática dos conflitos entre pai e filho. Burton parece ter usado o longa-metragem para exorcizar os próprios fantasmas, algo que não conseguiu fazer na vida real. Daí o final previsível e até certo ponto decepcionante do longa-metragem, que contraria frontalmente a tradição cínica dos filmes de Burton. Esse final, porém, parece perfeitamente coerente quando se conhece os fatos recentes da vida do diretor, por trás da fantasia do cinema. Dessa maneira, o embate entre realidade e fantasia, que sempre ocupou lugar de destaque na vida do cineasta, assume em “Peixe Grande” uma nova dimensão. O que de maneira alguma desmerece as qualidades do longa-metragem.

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