
Estilizado e repleto de influências do expressionismo alemão, filme é legítimo filho de Tim Burton
Por: Rodrigo Carreiro
Tim Burton é um camarada esperto. Após o avassalador sucesso do primeiro “Batman”, que dirigiu em 1989, ele aproveitou a fama para dirigir um projeto pessoal, “Edward Mãos-de-Tesoura”. A fábula com Johnny Depp se tornaria o primeiro grande filme autoral da lavra do cineasta, definindo seu universo narrativo (personagens socialmente inadaptados) e visual (monstros e aberrações filtrados por olhar infantil). Enquanto isso, a Warner implorava para que o diretor fizesse uma seqüência do longa-metragem do homem-morcego. Burton só concordou quando ganhou carta branca para fazer “Batman – O Retorno” (Batman Returns, EUA/Inglaterra, 1992) do jeito que bem entendesse.
O resultado: a aventura é mais um filme legítimo de Tim Burton, e menos um filme do Batman. Admiradores em geral da franquia do morcegão concordam, de forma quase unânime, que o trabalho é superior ao primeiro longa-metragem. Fãs mais radicais do herói, no entanto, sempre reclamaram que ele é visto no filme como um homem monótono, sem charme e insosso, quase entediante. Por outro lado, o Pingüim (Danny DeVito) e a Mulher-Gato (Michelle Pfeiffer), os vilões, são personagens muito mais sólidos e interessantes. Estão certíssimos. Dá até para ir mais longe: a grande estrela de “Batman – O Retorno” é o Pingüim.
Todo mundo sabe que Tim Burton sempre foi um grande fã dos filmes integrantes do movimento expressionista alemão. Em “O Retorno”, o diretor deu um jeito de incluir generosas referências aos filmes dos mestres do gênero, a começar pelo vilão principal. A figura do Pingüim (baixinho, roliço, careca, pele lívida, grandes olheiras negras, cartola e fraque) é diretamente inspirada no Dr. Caligari, do filme de 1919. Como se não fosse o bastante, Burton ainda criou um personagem, o empresário mafioso Max Schreck (Christopher Walken), e deu-lhe o nome do ator que encarnou o vampiro Nosferatu no filme de F.W. Murnau. Duas homenagens óbvias.
A influência, contudo, não pára aqui. Tudo em “Batman – O Retorno”, desde a cenografia grandiosa de toques góticos (mais da metade dos galpões dos estúdios da Warner foram utilizados para a construção dos sets) até os ângulos de câmera estranhos e incomuns, remetem aos filmes alemães. A segunda parte é um filme muito mais estilizado do que o primeiro “Batman”, e isso fica evidente quando vemos locações épicas como o esconderijo do Pingüim, nos subterrâneos do zoológico, e o cemitério da cidade, que Burton (como amante desses locais) deu um jeito de incluir na trama.
Também nesse filme, o diretor explorou ao máximo as tomadas conceituais, incluindo inúmeros planos subjetivos (logo na abertura, ele nos mostra os pais do bebê-pingüim vistos da perspectiva da criança recém-nascida, trancada numa gaiola). Além disso, Burton abusou do uso de plongées e contra-plongées, que são respectivamente as tomadas com a câmera posicionada de cima para baixo e de baixo para cima. Esses ângulos são normalmente utilizados com discrição, pois os espectadores costumam reclamar devido à perspectiva distorcida dos personagens e situações. Com a liberdade criativa que teve, no entanto, Burton pôde usar a estratégia à vontade.
Maior esmero teve o cineasta na construção cuidadosa da história do Pingüim. Para começar, Burton sublinha a tragédia na vida do vilão, traçando paralelos interessantes com figuras bíblicas. Como Moisés, o Pingüim foi um bebê abandonado pelos pais em um cesto, dentro de um riacho. Nesse caso, entretanto, a criança estava sendo rejeitada, por ter deformações físicas. Depois desse episódio, o Pingüim só reapareceu em sociedade aos 33 anos, após uma infância obscura – e esse é outro paralelo inteligente, dessa vez com a vida de Jesus Cristo. De fato, o Pingüim nem poderia ser chamado de vilão, pois é um sujeito desajustado e obviamente enlouquecido pela solidão. Criado nos esgotos de Gotham por animais, ele se juntou a outras aberrações de circo, que formam a gangue terrorista de figurinos berrantes (palhaços, mulheres barbadas) que ataca a cidade. Danny DeVito está perfeito no papel.
O outro vilão é bem menos interessante. A Mulher-Gato é uma secretária atrapalhada que descobre um segredo sujo e é atirada de uma janela pelo mafioso Max Schreck (em uma cena, aliás, tecnicamente bem feita, que demonstra como Tim Burton evoluiu desde o primeiro “Batman”, pois esse filme também tinha uma cena de queda, muito mais fake), e ressuscitada por gatos. Ela faz também o papel de interesse romântico do Batman, já que a fotógrafa Vicki Vale não volta para este filme. O romance entre os dois é o ponto fraco da trama e nunca chega a engrenar.
A maior parte do longa-metragem consiste na apresentação e no desenvolvimento das histórias dos dois vilões, contadas em paralelo. Uma vez que a premissa dramática está estabelecida – a aliança entre o Pingüim e Max Schreck, a relação entre Batman e a Mulher-Gato – o filme corre velozmente rumo a um final um tanto abrupto. Vale ressaltar, no entanto, que Tim Burton demonstra bem mais segurança nas cenas de ação, o que fica evidente por exemplo na cena em que Batman precisa retomar o controle do Batmóvel, dirigido à distância pelo Pingüim.
Por fim, uma menção à excelente trilha sonora de Danny Elfman deve ser feita. O compositor preferido de Tim Burton realça o universo macabro-porém-infantil (o veículo do Pingüim, por exemplo, é um pato amarelo daqueles com que as crianças costumam brincar enquanto tomam banho) com melodias épicas que circulam entre o lúgubre e o lúdico. Elfman já estava presente no primeiro filme, mas as intervenções instrumentais eram bem mais tímidas; dessa vez se mostram muito mais ousadas. De certa forma, isso faz parelha com o roteiro, que está repleto de insinuações de duplo sentido, algumas vezes intraduzíveis (“Life’s a bitch”, diz o Pingüim à Mulher-Gato, em certo momento, reclamando da vida ao mesmo tempo em que a insulta de forma elegante).
O resultado: a aventura é mais um filme legítimo de Tim Burton, e menos um filme do Batman. Admiradores em geral da franquia do morcegão concordam, de forma quase unânime, que o trabalho é superior ao primeiro longa-metragem. Fãs mais radicais do herói, no entanto, sempre reclamaram que ele é visto no filme como um homem monótono, sem charme e insosso, quase entediante. Por outro lado, o Pingüim (Danny DeVito) e a Mulher-Gato (Michelle Pfeiffer), os vilões, são personagens muito mais sólidos e interessantes. Estão certíssimos. Dá até para ir mais longe: a grande estrela de “Batman – O Retorno” é o Pingüim.
Todo mundo sabe que Tim Burton sempre foi um grande fã dos filmes integrantes do movimento expressionista alemão. Em “O Retorno”, o diretor deu um jeito de incluir generosas referências aos filmes dos mestres do gênero, a começar pelo vilão principal. A figura do Pingüim (baixinho, roliço, careca, pele lívida, grandes olheiras negras, cartola e fraque) é diretamente inspirada no Dr. Caligari, do filme de 1919. Como se não fosse o bastante, Burton ainda criou um personagem, o empresário mafioso Max Schreck (Christopher Walken), e deu-lhe o nome do ator que encarnou o vampiro Nosferatu no filme de F.W. Murnau. Duas homenagens óbvias.
A influência, contudo, não pára aqui. Tudo em “Batman – O Retorno”, desde a cenografia grandiosa de toques góticos (mais da metade dos galpões dos estúdios da Warner foram utilizados para a construção dos sets) até os ângulos de câmera estranhos e incomuns, remetem aos filmes alemães. A segunda parte é um filme muito mais estilizado do que o primeiro “Batman”, e isso fica evidente quando vemos locações épicas como o esconderijo do Pingüim, nos subterrâneos do zoológico, e o cemitério da cidade, que Burton (como amante desses locais) deu um jeito de incluir na trama.
Também nesse filme, o diretor explorou ao máximo as tomadas conceituais, incluindo inúmeros planos subjetivos (logo na abertura, ele nos mostra os pais do bebê-pingüim vistos da perspectiva da criança recém-nascida, trancada numa gaiola). Além disso, Burton abusou do uso de plongées e contra-plongées, que são respectivamente as tomadas com a câmera posicionada de cima para baixo e de baixo para cima. Esses ângulos são normalmente utilizados com discrição, pois os espectadores costumam reclamar devido à perspectiva distorcida dos personagens e situações. Com a liberdade criativa que teve, no entanto, Burton pôde usar a estratégia à vontade.
Maior esmero teve o cineasta na construção cuidadosa da história do Pingüim. Para começar, Burton sublinha a tragédia na vida do vilão, traçando paralelos interessantes com figuras bíblicas. Como Moisés, o Pingüim foi um bebê abandonado pelos pais em um cesto, dentro de um riacho. Nesse caso, entretanto, a criança estava sendo rejeitada, por ter deformações físicas. Depois desse episódio, o Pingüim só reapareceu em sociedade aos 33 anos, após uma infância obscura – e esse é outro paralelo inteligente, dessa vez com a vida de Jesus Cristo. De fato, o Pingüim nem poderia ser chamado de vilão, pois é um sujeito desajustado e obviamente enlouquecido pela solidão. Criado nos esgotos de Gotham por animais, ele se juntou a outras aberrações de circo, que formam a gangue terrorista de figurinos berrantes (palhaços, mulheres barbadas) que ataca a cidade. Danny DeVito está perfeito no papel.
O outro vilão é bem menos interessante. A Mulher-Gato é uma secretária atrapalhada que descobre um segredo sujo e é atirada de uma janela pelo mafioso Max Schreck (em uma cena, aliás, tecnicamente bem feita, que demonstra como Tim Burton evoluiu desde o primeiro “Batman”, pois esse filme também tinha uma cena de queda, muito mais fake), e ressuscitada por gatos. Ela faz também o papel de interesse romântico do Batman, já que a fotógrafa Vicki Vale não volta para este filme. O romance entre os dois é o ponto fraco da trama e nunca chega a engrenar.
A maior parte do longa-metragem consiste na apresentação e no desenvolvimento das histórias dos dois vilões, contadas em paralelo. Uma vez que a premissa dramática está estabelecida – a aliança entre o Pingüim e Max Schreck, a relação entre Batman e a Mulher-Gato – o filme corre velozmente rumo a um final um tanto abrupto. Vale ressaltar, no entanto, que Tim Burton demonstra bem mais segurança nas cenas de ação, o que fica evidente por exemplo na cena em que Batman precisa retomar o controle do Batmóvel, dirigido à distância pelo Pingüim.
Por fim, uma menção à excelente trilha sonora de Danny Elfman deve ser feita. O compositor preferido de Tim Burton realça o universo macabro-porém-infantil (o veículo do Pingüim, por exemplo, é um pato amarelo daqueles com que as crianças costumam brincar enquanto tomam banho) com melodias épicas que circulam entre o lúgubre e o lúdico. Elfman já estava presente no primeiro filme, mas as intervenções instrumentais eram bem mais tímidas; dessa vez se mostram muito mais ousadas. De certa forma, isso faz parelha com o roteiro, que está repleto de insinuações de duplo sentido, algumas vezes intraduzíveis (“Life’s a bitch”, diz o Pingüim à Mulher-Gato, em certo momento, reclamando da vida ao mesmo tempo em que a insulta de forma elegante).
Nenhum comentário:
Postar um comentário