segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Ed Wood



Tim Burton faz dupla homenagem carinhosa (e criativa): ao cineasta do título e aos filmes de terror B
Por: Rodrigo Carreiro

Tim Burton é um cineasta estranho e um sujeito estranho, que gosta de filmes estranhos com personagens estranhos. E depois de repetir quatro vezes a mesma palavra em uma única frase, é fácil chegar à conclusão de que o vocábulo é a melhor definição possível para “Ed Wood” (EUA, 1994). Estranho e adorável, esse filme em preto-e-branco do diretor de “Edward Mãos-de-Tesoura”. Apesar de pretensamente ser uma cinebiografia, talvez seja este o trabalho mais autoral de Tim Burton. E o melhor também.
Uma análise atenta de “Ed Wood” pode permitir ao espectador aproximar-se bastante do cerne da obra de Tim Burton, que é essencialmente emocional. Os filmes que esse diretor da aparência excêntrica (cabelos desarrumados, óculos e camisas invariavelmente pretas) produz são obras de alguém que teve a infância solitária e sempre se sentiu um desajustado social. Alguns temas relampejam insistentemente nos filmes que ele produziu, mesmo aqueles comandados por grandes estúdios (os dois primeiro “Batman”, principalmente); todos esses temas estão firmes e claros em “Ed Wood”.
Em primeiro lugar, o mundo da imaginação do cineasta está localizado em algum recôndito escondido nos anos 1950. Isso era latente em “Edward Mãos-de-Tesoura”, retorna com força em “
Peixe Grande” e dá vislumbres em vários outros filmes. A cinebiografia do pior cineasta de todos os tempos é logicamente ambientada nessa época. Não por coincidência, foi a época em que Burton era criança e vivia na Califórnia, com os pais, em uma casa cujas janelas eram forradas com pano negro e jamais ficavam abertas.
O menino Burton viveu, portanto, num mundo sombrio, algo como um programa de terror B de televisão. E é exatamente isso que, acima de tudo, “Ed Wood” homenageia, filtrando esse mundo subterrâneo pela ótica de um sujeito que jamais se dá conta do que se passa ao redor dele. Ed Wood, o cineasta, é retratado no filme com tamanho carinho que se torna impossível não adorá-lo, não perdoá-lo pelos filmes horríveis que fez. Wood era um cara que vivia num outro mundo, localizado dentro da própria imaginação.
Talvez por isso, cada pedaço de celulóide filmado por ele lhe parece uma obra-prima genial. Cada ator de terceira categoria que ele contrata é, para ele, um gênio da sétima arte. Tim Burton aumenta ainda mais a identificação da platéia com o homem patético que ele é contrapondo a ele a figura da namorada, Dolores Fuller (Sarah Jessica Parker), o lastro das fantasias tresloucadas de Wood (“vejo que a corja de vagabundos e drogados está toda aqui”, diz ela, a certa altura do filme). Ela está correta, claro, mas os delírios de Ed Wood não param. Tamanha ingenuidade só poderia ser recompensada com a simpatia eterna da platéia.
Por outro lado, do
ponto de vista estético, Burton foi meticuloso e mesclou brilhantemente a atmosfera dos filmes do próprio Ed Wood ao estilo dos seriados de terror que ele próprio (Burton, não Wood) tanto ama. O filme foi inteiramente rodado em preto-e-branco, em fotografia que dá ênfase aos contrastes e usa abundantemente fumaça de gelo seco. A música de Danny Elfman é puro filme B, incluindo até mesmo aqueles uivos e assobios dos filmes antigos de vampiros. Diga a verdade: não parece que o verdadeiro Ed Wood, de carne e osso, vivia dentro de um dos filmes que fez?
É exatamente essa a chave para entender – e amar – o filme de Tim Burton. O cineasta de “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” se esmerou para produzir uma homenagem a um desajustado social que encontrou uma válvula de escape à rejeição refugiando-se dentro dos próprios sonhos, como ele próprio fez, três décadas depois. “Ed Wood” talvez seja mais uma autobiografia do que uma cinebiografia.
Além disso, há ainda o charme ingênuo de Johnny Depp, cujo rosto angelical emoldura perfeitamente os delírios do protagonista, e um elenco de apoio absolutamente perfeito. Somente um homem cego, surdo e mudo é capaz de não se emocionar com a brilhante atuação de Martin Landau, praticamente reencarnando o húngaro Bela Lugosi em seus últimos e trágicos momentos (a atuação valeu um Oscar a Landau). O pedaço de celulóide que mostra Landau colhendo uma flor emociona tanto a Ed quanto a todos nós. Precisamos de mais “Ed Woods”, que tal?

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