segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Edward Mãos-de-Tesoura


Tim Burton constrói fabula atemporal com visual belíssimo e roteiro inteligente
Por: Rodrigo Carreiro
“Edward Mãos-de-Tesoura” (Edward Scissorhands, EUA, 1990) é uma fábula que se passa nos Estados Unidos, em algum momento entre as décadas de 1950 e 1980. Ponto. Não é preciso ser muito perspicaz para perceber esse detalhe durante os primeiros minutos de projeção, mas muita gente estranhou. É normal, já que fábulas se passam, por tradição, em uma “Terra do Nunca” sem idade.
Na verdade, existe uma “Terra do Nunca” no filme. É o mundo gótico, esquisito e adorável criado pelo diretor Tim Burton. No comando de filmes de estúdio (“Planeta dos Macacos”) ou projetos pessoais (“
Ed Wood”), o cineasta sempre conseguiu a proeza de ambientar os envolventes enredos numa atmosfera onírica, contraditória, sombria e aconchegante ao mesmo tempo. Esse é o mundo de Tim Burton, um dos estetas visuais mais interessantes a filmar em Hollywood.
De certa forma, dá para dizer que “Edward Mãos-de-Tesoura” é a obra-prima de Tim Burton. Ainda que ele tenha sofisticado tanto sua capacidade narrativa quanto a bela ambientação gótica em filmes subseqüentes, nenhum filme que ele realizou conseguiu unir tão bem a poesia visual, a simplicidade narrativa e o tom de fábula que o cineasta tenta (e quase sempre consegue) imprimir em cada polegada de celulóide que filma.
Edward (Johnny Depp, na primeira colaboração com o diretor) é um jovem que mora sozinho num castelo, com fama de mal-assombrado, na periferia de uma pequena cidade típica dos EUA da década de 1950. Numa tarde, ele é visitado por Peg Boggs (Dianne Wiest), uma vendedora da Avon que passa por um período de vendas particularmente ruim. Peg se compadece da solidão e da dificuldade do jovem, que tem tesouras no lugar das mãos porque o inventor que o criou (Vincent Price, numa ponta deliciosa) morreu antes de terminar a criação. Ela o leva para morar com a família Boggs.
Investindo num tema que vai se mostrar obsessivo em trabalhos vindouros (a péssima capacidade dos norte-americanos em aceitar gente diferente do padrão normal), Tim Burton criou um filme mágico e atemporal. O uso de cores é o detalhe que mais chama a atenção: casas,
carros e objetos são pintados em tons monocromáticos e berrantes, dando a impressão de que são brinquedos rústicos. O céu azul-bebê e a falta de sombras (com exceção para as cenas elaboradas dentro do castelo de Edward) contribuem para intensificar o clima onírico.
O visual parece, na verdade, uma mistura dos anos 1950 (cercas brancas, jardins verdes, jaquetas de couro) com a década de 1980 (penteados enormes). Isso acentua a impressão de que Burton se esforçou para criar um tempo e um espaço particulares para a sua obra. E conseguiu, com a ajuda providencial de um Johnny Depp iluminado, oferecendo sua primeira grande interpretação e sem precisar de muitas palavras para isso. Condensando todos esses elementos numa narrativa ágil e simples, Burton criou um conto de fadas que pode ser apreciado por crianças e adultos, sem distinção, e que jamais apela para a pieguice em busca de lições de moral. Ah, se todo filme fosse assim…

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