quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Domingo Sangrento


Primeiro longa de Paul Greengrass constrói atmosfera de tensão em narrativa vibrante e caótica
Por: Rodrigo Carreiro

Paul Greengrass expõe, em um rápido prólogo, a estratégia narrativa que usará para contar a história real de “Domingo Sangrento” (Bloody Sunday, Reino Unido/Irlanda, 2002). O cineasta inglês ilustra o clima de tensão e confronto, entre manifestantes irlandeses e militares ingleses, contrapondo duas narrativas paralelas que antecedem os eventos históricos de 30 de janeiro de 1972. Está claro, desde o primeiro segundo de projeção, que Greengrass se esforçará para obter um filme de objetividade quase jornalística. Ele quer abordar todos os ângulos dos acontecimentos e compor, desta forma, o retrato mais fiel possível da passeata pró-Irlanda que terminou com 13 mortos e culminou com uma guerra civil conduzida pelo IRA, nos meses seguintes.
O filme começa no dia anterior. A narrativa é dialética. De um lado, Greengrass mostra a
entrevista coletiva, em que líderes da Irlanda, capitaneados pelo deputado Ivan Cooper (James Nesbitt), confirmam que a passeata acontecerá, apesar de proibida pelo governo da Inglaterra. E reafirmam: será pacífica, sem agressões. Mas fazem isso com firmeza, em tom de desafio. Do outro lado, os militares ingleses escalados para reprimi-la se sentem ultrajados pela atitude. Preparam uma grande operação militar, com o uso de uma tropa de atiradores de elite. Estão prontos para tudo. A forma como os eventos são apresentados, a escalada da violência já parecia inevitável antes de ela acontecer. Claro que os envolvidos não tinham uma visão tão clara.
A partir do amanhecer do dia fatídico, o cineasta inglês aplica o estilo documental rigoroso pelo qual ficou famoso nos posteriores “A Supermacia Bourne” (2004) e “
Vôo United 93” (2006). A recriação de época é impecável, as atuações (todo o elenco, bastante numeroso, é desconhecido) estão soberbas, e o trabalho da equipe que captou as imagens, com câmeras coladas nos personagens, operadas manualmente e sem o uso de qualquer tipo de trilha sonora, é sensacional. O resultado é um filme urgente, vibrante, que recria com perfeição a maneira como a tensão levou ao caos, e então à violência, sem que nenhum dos dois lados do conflito tenha tido a percepção prévia da tragédia.
“Domingo Sangrento” tem também uma montagem simples e brilhante, que narra os acontecimentos do dia violento em quatro histórias paralelas. As duas principais dão continuidade às imagens mostradas no prólogo, acompanhando os líderes da passeata, especialmente Cooper, e o comando militar que monitora o movimento, nas ruas da cidade de Derry, à distância. Uma terceira vertente segue os chamados “pára-quedistas”, tropa de atiradores de elite que, escondida em um terreno, está pronta para agir em caso de emergência. A última vertente narrativa fica, desde o início do dia, com a família de um dos jovens mortos no conflito. O único senão é que as histórias são ligadas através de fades, com a tela negra e sem áudio. Isto interrompe o fluxo emocional das imagens, de tempos em tempos.
O retrato do dia trágico que emerge do filme é impressionante. Através das duas narrativas principais, observamos como cada lado do conflito tenta empurrar os limites da situação, testando os rivais, até um ponto em que a tensão se torna insuportável. A vertente da história dos “pára-quedistas” mostra como os militares perdem o controle da passeata, sem que tenha havido necessariamente uma ordem de massacre, como gostariam os mais exaltados. E a quarta narrativa dá o verdadeiro sentido da tragédia, ao ilustrar o tamanho da dor que a morte de um dos jovens – esperanças, sonhos e sentimentos de toda uma família destruídos por uma única bala – causa numa montanha de gente. Um filmaço, ao mesmo pungente e energético, sem jamais soar panfletário. Ganhou o Urso de Ouro em Berlim, em 2002.

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