quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Mr. Vingança


Primeira obra da trilogia sobre vingança de Park Chan-Wook é thriller requintado e cheio de surpresas
Por: Rodrigo Carreiro

A não ser que tenha um filme notado nos círculos mais influentes da indústria do cinema nos EUA, existe pouca chance de um realizador ficar conhecido fora do país onde vive. Este é o caso do sul-coreano Park Chan-Wook. O homem pode ser tranqüilamente nomeado como um dos mais virtuosos cineastas da atualidade, mas permanece um nome cult, venerado por alguns poucos milhares de cinéfilos espalhados pelo mundo e virtual desconhecido para os milhões de espectadores ocasionais que lotam os cinemas ou locadoras de vídeo para ver o blockbuster da vez.
“Mr. Vingança” (Boksuneun Naui Geot, Coréia do Sul, 2002) foi o filme de Park Chan-Wook que realmente chamou a atenção dos cinéfilos. Embora já reconhecido na Europa, o realizador ganhou novo fôlego ao ter o filme visto por Harry Knowles, editor de um dos sites mais influentes sobre cinema nos EUA, o Ain’t It Cool News. Knowles gostou tanto do longa-metragem que o elegeu melhor lançamento de 2002. Foi o bastante para que o filme fosse lançado nos EUA com o nome de “Sympathy For Mr. Vengeance”. Atualmente, as sobrancelhas mais antenadas se levantam à simples menção do nome do sul-coreano.
“Mr. Vingança” é um filme de visual requintado cheio de violência explícita, mas com narrativa clássica, sobre… vingança. Há no longa-metragem uma influência nítida da obra dos
irmãos Coen; como nos melhores trabalhos de Joel e Ethan, o filme também tem seu foco na maneira como um sujeito anônimo é levado pelas circunstâncias a cometer o que parece ser um crime banal, mas que se amplifica seguidamente, a ponto de causas efeitos devastadores não só a ele, mas a todo o grupo de pessoas que orbita em torno dele.
O cinema dos Coen, por outro lado, é pontuado pela narrativa de humor negro e por toques pitorescos que suavizam o drama do personagem. “Sr. Vingança” segue o caminho inverso. Park Chan-Wook utiliza um enorme arsenal de truques para imprimir ao filme o máximo de tensão possível, fazendo assim uma trama sufocante e claustrofóbica, apesar de tão inteligente e cheia de reviravoltas que é impossível adivinhar o próximo lance do exímio roteiro. Esse talento natural para surpreender, aliado à incrível capacidade de composição visual das cenas, faz de Park Chan-Wook um diretor único.
Explicar o enredo de “Mr. Vingança” é tarefa que deve ser cumprida em poucas linhas, a fim de preservar o máximo possível das surpresas que o leitor vai enfrentar ao ver o filme. O protagonista é um jovem operário coreano, Ryu (Ha-kyun Shin), que usa cabelos verdes e é surdo-mudo. Ryu tem uma irmã que corre risco de vida e precisa ser submetida a um transplante de rins rapidamente.
Em uma transação no mercado negro de tráfico de órgãos, o rapaz consegue um rim para a irmã, em troca de um dos órgãos dele próprio e de uma quantia em dinheiro. O problema é que a poupança era necessária para cobrir os custos com a operação, o que leva a namorada dele, Cha (Du-na Bae), a planejar o seqüestro da filha pequena do ex-chefe de Ryu, o empresário Park (Kang-ho Song). Ruy fica relutante, mas acaba concordando que o plano não oferece muitos riscos, e eles precisam do dinheiro rapidamente. Um imprevisto, contudo, vai desenrolar uma cascata de acontecimentos que terá repercussão nas vidas de todos os envolvidos, inclusive nas dos traficantes de órgãos.
Parece banal? Acredite, o filme está muito longe disso. Park Chan-Wook supera um início ligeiramente confuso (é difícil reconhecer os personagens e suas motivações individuais) e, a partir de 30 minutos de projeção, o filme ganha extraordinário interesse, com o drama intenso de Ruy se intensificando a cada segundo. A quase completa ausência de música ajuda o diretor a dar o clima pesado que o filme necessita para funcionar, enquanto o roteiro aproveita para destruir a fina linha divisória entre heróis e vilões, e engata uma trama fascinante sobre vingança executava em duplo sentido, por duas diferentes figuras que são, ao mesmo tempo, pessoas boas e más, dependendo das circunstâncias.
A concepção visual do filme tem vida própria. O estilo refinado do diretor o faz planejar cada tomada, cada enquadramento, para extrair daí o máximo de objetividade. Essa objetividade gera uma tensão que é, às vezes, quase insuportável. Mas Park Chan-Wook conhece bem os limites, como o mostra a montagem de uma das cenas mais impactantes, quando um personagem enterra outro à beira de um lago. Há outra ação se desenrolando com um terceiro personagem, em segundo plano, e a câmera mostra isso claramente, mas o diretor sabe que não pode sustentar a imagem durante muito tempo sem que o espectador fique angustiado a um ponto que o impeça de continuar vendo o filme. Assim, há um corte, e somos levados para a cena seguinte, quando a insuportável ação sugerida na tomada anterior já aconteceu. Uma jogada de mestre.
Por último, vale uma informação complementar. “Mr. Vingança” é o primeiro longa-metragem de uma planejada trilogia sobre a vingança. O segundo filme, a obra-prima “
Oldboy”, ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes e tornou-se o primeiro trabalho do diretor a chegar ao Brasil. Quem já viu “Oldboy” sabe que o cineasta gosta de imagens fortes e violentas, e este filme de 2002 não é diferença: da exumação de um cadáver putrefato à auto-execução de uma cirurgia nos rins com canivete, você vai ver muitas imagens fortes. Mas isso não é um embaraço à inventividade de um realizador responsável por sopro de ar fresco no cinema de uma época que vê poucos, muito poucos cineastas realmente originais.

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