quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Contra Todos

O mar rosa granulado, quase um mar de sangue aguado, já anuncia. A carniceria de Contra todos (2004), filme de estréia de Roberto Moreira, não poupa ninguém.
Teodoro (Giulio Lopes) parece ser um evangélico empenhado, mas está longe de ser santo. A sua mulher, Claudia (Leona Cavalli, a Lígia de
Amarelo Manga), também se esconde atrás da devoção ao lar. Soninha (Silvia Lourenço) escolhe ser a filha incompreendida, mas se sente à vontade na apatia geral. Já Júlio (Ismael de Araujo) personifica o entregador da vizinhança, com os seus segredos lascivos. O amigo falastrão Waldomiro (Aílton Graça, o Majestade de Carandiru) parece ser o único sincero - não necessariamente confiável - no almoço feliz em torno da típica lasanha paulistana.
Uma vez que o lado sujo da Retomada - aquele que comprime a sociedade à sua violenta autodestruição - já ganhou forma, cheiro e cor, vale situar o filme no contexto. Assemelha-se a Amarelo Manga (de Cláudio Assis, 2002) ao ver na luxúria um componente do caos. Um pouco da crueza digital de
O Invasor (de Beto Brant, 2001) e Cama de gato (de Alexandre Stockler, 2002) se mistura à receita de Moreira que, dada a co-produção da O2 Filmes de Fernando Meirelles, teria em Cidade de Deus (2002) o seu equivalente mais imediato. Fala alto o pessimismo comum a cada um desses filmes.
Contra todos se diferencia pela excelência das atuações - o que certamente pesou ao ser eleito o melhor longa brasileiro no Festival do Rio 2004 pelo júri oficial (leia
aqui). Professor de dramaturgia e doutor pela ECA-USP, Moreira compensa a eventual carência de bagagem prática com a sua vasta carga teórica. Propôs que o elenco - atores e atrizes criados nas exigências do teatro - participasse do filme sem conhecer o roteiro, incentivou a discussão da trama nos ensaios, e só ao final do processo entregou o texto. Sem diálogos. Do início ao fim ele deu espaço para que as falas fossem todas improvisadas. Esse capricho confere ao longa um naturalismo e uma força que poucos filmes têm.
Sobra vigor, pois, mas falta cumplicidade. E essa questão é fundamental. As obras citadas tinham ao menos um protagonista decente, até mesmo uma vítima, ao qual as pessoas poderiam se agarrar, com quem se identificar. Aqui a descrença alcança o sadismo: evangélicos e classe média baixa raramente foram tão avacalhados. Ao optar pela condenação de todos, Moreira nega ao público a empatia. É como ler as manchetes do defunto Notícias Populares. Seguimos céticos, eventualmente rimos, por crer que esse mundo não é o nosso mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário