
Documentário francês acompanha rota migratória dos pingüins da Antártida em drama romantizado
Por: Rodrigo Carreiro
O cinema de exportação produzido pela França parece estar se especializando nos chamados “feel-good movies”, os filmes para cima, alto astral, feitos para elevar o espírito de quem os assiste. É a conclusão que fica após uma sessão de “A Marcha dos Pingüins” (La Marche de l’Empereur, França, 2005), documentário dirigido por Luc Jacquet que fez um sucesso internacional avassalador, tornando-se o segundo longa-metragem do gênero mais visto em todos os tempos (atrás apenas de “Fahrenheit 11 de Setembro”). A grosso modo, “A Marcha dos Pingüins” acompanha a rota migratória dos pingüins da Antártida em drama bem divertido e interessante, mas romantizado, que poderia ser descrito como uma sessão em tela grande do Globo Repórter. A National Geographic, aliás, é a principal firma produtora do filme.
O último lançamento francês a alcançar uma receptividade tão positiva havia sido outro título que celebrava o alto astral: “O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain”. Nos EUA, o documentário conseguiu aprovação unânime da crítica e uma bilheteria de US$ 78 milhões, feito realmente impressionante, quando se pensa na resistência natural dos americanos ao cinema feito por estrangeiros. Quando se vê o filme, porém, tudo fica mais claro: “A Marcha dos Pingüins” tem uma linha dramática claríssima e funciona como uma mistura perfeita de gêneros (romance, comédia, drama, aventura, está tudo lá), celebrando valores básicos da vida, como a comunhão com a natureza. Trata-se de um programa para toda a família.
Talvez esteja aí a razão do fascínio exercido no público pelos canais de TV a cabo que dedicam 100% das programações à exibição de extratos curiosos da vida no reino animal. As imagens da natureza evocam um estado de pureza, de ingenuidade, que nos lembra inconscientemente como a vida seria tão melhor, se pudéssemos viver como os bichos, sem se preocupar com coisas como emprego, ciúmes, violência urbana e todos esses aspectos peculiares da vida em sociedade. “A Marcha dos Pingüins” evoca um retorno ao mito do Bom Selvagem de Russeau, sempre um arquétipo poderoso.
A história perseguida por Luc Jacquet e sua equipe é curiosa de verdade. Trata do ciclo da vida dos chamados pingüins-imperadores, único animal que sobrevive no severo inverno da Antártida. Nos momentos mais críticos do ano, em junho e julho, as temperaturas no continente de gelo chegam a 80°C negativos. Pois os tais pingüins formam uma gigantesca fila indiana, todos os anos, em março, e percorrem mais de 100 quilômetros para acasalar. Macho e fêmea se conhecem, se escolhem, põem um único ovo e tratam de protegê-lo para que não toque no chão, o que ocasionaria o congelamento e a morte do futuro bebê-pingüim. Em torno de novembro, os pais abandonam o filhote já crescido e voltam para o mar… até março do próximo ano, quando tudo começa de novo.
Nos 85 minutos de filme, não aparece um único ser humano. Apenas pingüins. O truque maior de Jacquet é narrar essa epopéia com o esqueleto de um filme dramático de ficção: os personagens (pingüins) têm um problema (acasalar e manter o ovo quente), e enfrentam severas dificuldades para vencê-lo no final. Além disso, o cineasta envolve as belas imagens da natureza com uma trilha sonora suave de loja de produtos naturais, e mais uma narração afetuosa (Antônio Fagundes e Patrícia Pillar no Brasil, Morgan Freeman na versão americana) que, inteligentemente, atribui aos animais a lógica do comportamento, bem como os sentimentos, de um ser humano. Perseverança, irritação, solidão, mau-humor, monogamia, fome e solidariedade (as cenas em que os pingüins se abraçam em um bloco único para se proteger da furiosa tempestade de gelo é comovente) são palavras usadas o tempo todo pelo narrador.
O resultado é uma espécie de versão filmada do famoso livro de auto-ajuda de Bradley Trevor Grieve, “Um Dia Daqueles”. Não resta dúvida de que “A Marcha dos Pingüins” é um passatempo interessante, com belíssimas tomadas do inverno azul da Antártida, com capacidade de agradar em cheio os fãs do Globo Repórter. Por outro lado, também é evidente que Jacquet escolheu o caminho mais fácil para realizar seu projeto, editando um documentário limpinho, asséptico, sem suor ou sangue, e com toques melodramáticos. O diretor evitou mostrar, por exemplo, os constantes ataques de predadores ao grupo de pingüins, o que poderia tingir o branco-neve de vermelho-sangue, algo que inevitavelmente aumentaria a censura do filme e colocaria uma pitada de realidade numa narrativa fofinha demais para isso.
A tentação de comparar o filme francês ao excelente “O Homem-Urso”, documentário da mesma safra, é grande. Os dois são opostos em quase tudo. Por exemplo, os pingüins vivem no Pólo Sul e viraram filme patrocinado pela National Geographic; os ursos moram no Pólo Norte e foram “patrocinados” pela Discovery Channel. Mas o filme do alemão Werner Herzog é uma narrativa humana, que puxa o espectador de volta à realidade o tempo todo, lembrando-o como é difícil viver em sociedade. Enquanto isso, a busca da equipe de Luc Jacquet é por uma narrativa romântica, escapista e melodramática. Ambos são bem-sucedidos e conseguem, dentro dos respectivos campos de ação, resultados competentes.
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