
Drama ataca a política beligerante de George W. Bush dando muita importância à palavra e pouca à imagem
Por: Rodrigo Carreiro
Não é novidade para ninguém que a maioria dos atores e diretores que trabalham em Hollywood tem posição política liberal, e apresenta afinidade com as idéias do Partido Democrata. Se os atentados de 11 de setembro de 2001 fizeram a turma politizada esquecer as divergências e apoiar cegamente o presidente republicano George W. Bush, a invasão ao Iraque em 2003 fez as coisas retomarem o rumo habitual. “Leões e Cordeiros” (Lions for Lambs, EUA, 2007), que marca o retorno de Robert Redford à direção após um hiato de sete anos, é um drama político que ataca a política externa beligerante de Bush, mas não de maneira aberta. O filme convida setores apolíticos a assumir uma postura crítica diante do assunto, e bate abertamente na juventude e na mídia, chamando-os respectivamente de acomodada e covarde.
Há muito de verdade e inteligência na análise política levada a cabo por Robert Redford, mas nenhuma das duas qualidades faz um filme ser realmente bom. É o caso de por “Leões e Cordeiros” – e olha que o longa tem a palavra Oscar carimbada por todos os lados. Além de levar a assinatura de um dos veteranos mais queridos da indústria cinematográfica, traz no elenco dois nomes de prestígio junto ao público adulto, cujas preferências servem como referência para a Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Tom Cruise e Meryl Streep, aliados ao próprio Redford, dão credibilidade e respeito ao projeto, que marca ainda a estréia da gestão de Cruise no estúdio United Artists, no que não deixa de ser um passo bastante arriscado por parte do galã dublê de empresário. Afinal de contas, trata-se de uma obra sem potencial de bilheteria, por mirar em um público muito urbano, muito liberal e muito velho para os padrões da indústria do cinema.
Embora seja curto e direto, “Leões e Cordeiros” é um filme exaustivo e pouco cinematográfico, porque dá muita importância à palavra, e pouca à imagem. Praticamente sem nenhuma cena de ação, é inteiramente construído com base em longos diálogos, tão evasivos quanto inteligentes. Dois terços do enredo se passam dentro de gabinetes e consistem em personagens conversando. Os diálogos, a cargo do roteirista Matthew Michael Carnahan, são espirituosos e bem construídos. Apesar disso, e de contar na equipe com o ótimo e oscarizado fotógrafo Philippe Rousselot (parceiro habitual de Tim Burton, e isso já diz tudo), Redford cai na armadilha de filmar tudo no exaustivo e habitual esquema do plano/contra-plano, o que torna a experiência bastante cansativa para o espectador. Se você desconhece o contexto político dos Estados Unidos, pior ainda. Corre o risco de achar tudo meio chato e incompreensível.
Curiosamente, a estrutura narrativa é compacta. São três histórias aparentemente independentes que acontecem simultaneamente e vão sendo contadas de forma alternada, em uma longa montagem paralela. Aos poucos, o espectador vai descobrindo as ligações entre as três histórias. Em Washington, um jovem e ambicioso senador republicano (Tom Cruise) tenta convencer uma repórter veterana (Meryl Streep) a publicar matéria sobre a nova estratégia dos militares norte-americanos no Afeganistão. Enquanto isso, nas montanhas geladas afegãs, uma patrulha de soldados realiza a primeira incursão ao país inimigo dentro desta nova estratégia. No mesmo horário, do outro lado do país, um professor universitário (Robert Redford) tenta convencer um aluno promissor (Andrew Garfield) a se aplicar mais nos estudos.
Assumindo sem medo um tom verborrágico e panfletário, Redford não cai na tentação de tornar o drama menos político e mais humano. Tal decisão significaria desenvolver melhor os personagens, mas destruiria aquilo que o filme tem de melhor: a tensão do relógio, o andamento em tempo real, o clima de urgência que se estabelece igualmente em três frentes distintas. O diretor veterano mostra coragem ao criticar abertamente o desinteresse, o egoísmo e a ignorância da juventude contemporânea. Também compra briga com a mídia, afirmando que os grandes jornais e redes de TV têm parte da culpa do fracasso americano no Iraque, por ter apoiado (ou no mínimo se esquivado de criticar) os planos da invasão ocorrida em 2003.
Embora os disparos contra a postura militarista dos Estados Unidos após o ataque terrorista em Nova York não sejam novidade no cinema (vide “Fahrenheit 11 de Setembro”), “Leões e Cordeiros” contribui para adicionar duas novas abordagens críticas ao contexto social em que aconteceram as reações dos EUA à agressão de 2001. Por outro lado, as críticas aos bastidores da política externa, assumindo que ambições individuais e partidárias sempre estiveram acima do conceito de nação, não trazem novidade alguma a quem acompanha o problema de perto. “Leões e Cordeiros” têm o mérito de abrir um debate político importante sobre os Estados Unidos e sua política externa, mas o excesso de diálogos e a pobreza estética o comprometem como espetáculo cinematográfico.
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