
Apesar dos exageros conspiratórios, bons personagens e condução correta da história garantem boa diversão
Por: Rodrigo Carreiro
Na noite de 11 de setembro de 1971, uma gangue de ladrões escavou um túnel de 12 metros por baixo de um restaurante vagabundo e arrombou, usando ferramentas especiais, a caixa-forte de uma agência do Lloyd’s Bank, em Londres. O assalto espetacular deflagrou uma gigantesca operação policial, com maciça cobertura da mídia. Quatro dias depois, sem que nenhum bandido tivesse sido oficialmente preso, o serviço secreto da Inglaterra fez uso de uma lei obscura, que proíbe a imprensa de noticiar qualquer caso capaz de ameaçar a segurança nacional, e decretou o silêncio sobre o caso. A atitude deixou uma pergunta no ar: que tipo de objeto teria sido levado pelos ladrões para provocar uma reação governamental tão inusitada?
Esta questão dominou as atenções de dezenas de detetives amadores, ao longo dos anos seguintes, mas jamais recebeu uma resposta coerente. Oficialmente, a polícia afirma ter prendido quatro dos assaltantes, em 1973, mas nunca divulgou as identidades deles, a quantidade de dinheiro levada ou detalhes que explicassem o roubo (como o fato de o alarme contra invasões não ter soado). Seria uma verdade parcial? Ou apenas cortina de fumaça para encobrir detalhes escabrosos por trás do crime? O longa-metragem “Efeito Dominó” (The Bank Job, Reino Unido, 2008) cria uma narrativa ficcional para preencher as muitas lacunas do caso com um improvável entrelaçamento de teorias conspiratórias. O resultado é um melodrama ágil, divertido e inteligente, como qualquer filme de roubo deveria ser.
Curiosamente, a idéia de transformar o episódio em filme existe há quase tanto tempo quanto o roubo em si. Um dos muitos aspirantes a detetives que fundiram a cuca tentando arrumar uma explicação era um escritor chamado George McIntire. Ele começou a burilar a idéia no final da década de 1970. Ao conhecer a dupla de roteiristas Dick Clement e Ian Le Fresnais, 20 anos depois, ele encontrou um passaporte da história para os cinemas. McIntire alega ter descoberto as identidades de dois dos ladrões, que teriam revelado o valioso conteúdo do cofre: fotos e negativos que mostravam uma orgia sexual protagonizada pela Princesa Margaret. O sigilo em torno do caso, portanto, seria uma operação de cobertura para preservar a Família Real de um escândalo.
Não é uma história muito fácil de engolir. Convém lembrar que muitos “detetives” britânicos ainda atribuem os crimes de Jack o Estripador ao Príncipe Edward – ou seja, os integrantes da realeza estariam sempre por trás de todos os crimes inexplicáveis que acontecem por lá. De qualquer forma, a verdade não importa muito. A versão elaborada pela dupla de roteiristas, responsável por trabalhos díspares como o musical “Ainda Muito Loucos” (1998) e a animação “Por Água Abaixo” (2006), amarra uma mixórdia de teorias conspiratórias – que incluem dois escândalos sexuais distintos, corrupção policial, tráfico de drogas e ativismo político – num todo criativo e sólido, que abre espaço até mesmo para razoável composição de personagens, algo raro num filme de gênero. Ao final, terminamos com uma versão fantasiosa e exagerada da ação criminosa, mas dirigida com competência, montada com agilidade e interpretada com humor e sagacidade por um elenco pouco conhecido.
A estratégia utilizada para a elaboração do roteiro segue a linha do romancista norte-americano James Ellroy, autor do livro que inspirou “Dália Negra”, belo filme de Brian De Palma. Embora estejam muito distantes em gênero e atmosfera, as duas produções se assemelham pelo uso da mesma técnica narrativa, que mistura personagens reais e ficcionais para preencher as lacunas de um crime não resolvido. A história, ponto forte do trabalho, desenvolve pelo menos quatro tramas paralelas, que desembocam de forma afinada num clímax acelerado e pouco previsível.
O diretor australiano Roger Donaldson ainda consegue dar um rosto definido aos principais integrantes da gangue. Os bandidos de “Efeito Dominó” não são meliantes profissionais, mas pequenos vigaristas desesperados que contam com uma boa dose de sorte para conseguir levar o plano a cabo – na vida real, um radioamador chegou a captar as conversas dos ladrões com o comparsa que vigiava o roubo, do alto de um prédio, e chamou a polícia, mas os agentes não conseguiram descobrir em qual dos 700 bancos londrinos a ação estava sendo executada. O filme usa estas informações para compor uma longa seqüência de roubo, cheia de tensão, e mesclada com toques de humor extravagante tipicamente inglês.
O líder do bando, Terry (Jason Statham), não preenche o perfil clássico do gênio criminoso que domina os filmes de roubo. Ele gerencia uma oficina mecânica, está afundado em dívidas e aceita o trabalho de forma hesitante. Tem medo, mas não suporta a idéia de ver as duas filhas passando fome. Sempre metido num casaco de couro falso típico do proletariado britânico, Terry passa longe do personagem clássico dos filmes de roubos, aqueles ladrões refinados, geniais e sarcásticos que sempre têm um ás na manga. Ele é um cara comum, do tipo que teme ir para a cadeia, e tem mais medo ainda de perder a confiança da esposa, só porque vai “trabalhar” ao lado de uma antiga paixão de adolescência (Saffron Burrows). O elenco, cheio de rostos desconhecidos, é outro ponto forte. E o resultado final acaba surpreendendo positivamente.
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