segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O Fim Da Picada

Terror experimental traz exu, saci e o Brasil colonial para a São Paulo de hoje.

Não é de estranhar que três das participações especiais em O Fim da Picada sejam dos cineastas José Mojica Marins, Ivan Cardoso e Carlos Reichenbach. Há uma identificação clara entre os sobreviventes da Boca do Lixo mais entusiastas do cinema de horror com o trabalho do curta-metragista Christian Saghaard, aqui em sua estreia em longas.
Uma mulher retalhada em suas partes íntimas, oferenda satanista, abre em close-up o filme. É 1850 e Macário (Ricardo De Vuono) se regozija à beira-mar. Não demora até que o demônio lhe apareça em forma de Exu mulher, e embriagado Macário diz que gostaria de conhecer São Paulo.
A expressão popular "o fim da picada" ganha então sentido literal: uma passagem no meio da mata, e Macário de repente deixa o litoral e chega à capital, mas não está mais em 1850. Escoltado pelo Mickey Mouse, depois de viajar século e meio, Macário desembarca no Minhocão e descobre, como muito se repete ao longo do filme, que antes o diabo procurava os homens, agora são os homens que procuram o diabo.
Policiais vestidos como bandeirantes e abatendo trombadinhas com tiros de bacamarte são o que há de mais manifesto nesta tentativa de Saghaard de criar um paralelo entre a barbárie do Brasil Colônia e a do Brasil de hoje. O Fim da Picada funciona não só com base nesse díptico temporal, como emparelha imaginários populares de ontem e de hoje: Macário pira com um defumador que parece traje espacial de ficção científica, enquanto a mula-sem-cabeça e o saci interferem no trânsito da cidade.
Falando assim parece que há no filme uma unidade muito clara, mas algumas cenas soam como vinhetas isoladas, pensadas por seu potencial de provocação - a madame com o cachorro, o amigo incendiado, a mulher suando sangue na academia -, e quando Macário se ausenta demais O Fim da Picada perde foco. Não se exige aqui de Saghaard coesão, o que num filme sensorial desses seria descabido. Exige-se só um pouco de dedicação àquele que, afinal, deveria ser o protagonista.
É evidente que parte da graça vem da precariedade (a camisa do Corinthians borrada para esconder o patrocínio da marca de tintas) e do gore (da ponta de Ivan Cardoso não se esperaria outra coisa), mas o elogio do amadorismo só vai até certo ponto... Saghaard a esta altura, por exemplo, com sua carreira chegando já à maioridade, poderia deixar de lado trucagens primárias como o uso do filme negativo. Pode até ser recurso clássico do cinema de horror, mas negativar a imagem não deixa de ser uma coisa juvenil.

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