Selton Mello estréia como diretor em filme de performances
Marcelo Hessel/Omelete
Em sua estréia como roteirista e diretor de longas-metragens, Selton Mello conta uma história de inadequação. Tateia terreno estranho, mas entra com convicção.
Feliz Natal (2008) acompanha Caio (Leonardo Medeiros), sujeito cercado de ferrugens e corrosões. Ele deixa seu ferro-velho no interior para visitar outra ruína: sua família, na capital. É feriado de fim de ano, seu sobrinho é receptivo, a cunhada demonstra saudade, assim como a mãe. O irmão de Caio o recebe com desconfiança, o pai não lhe dirige palavra.
Há algo no passado de Caio que o impediu de voltar à sua casa por anos. Algo que agora o impede de ser recebido com naturalidade. O texto não deixa isso apenas sugerido. A cunhada, vivida por Graziella Moretto, já diz logo de cara quem é Caio: mulherengo, canalha, etc. A certa altura o trauma que o fez partir será reconstituído em detalhe.
São duas coisas emblemáticas do filme: os personagens não perdem tempo na hora de fazer juízo de Caio, mas o motivo só conhecemos depois. Até lá, a câmera do diretor de fotografia Lula Carvalho avança sobre o elenco, acusatória, em zooms rápidos e hiper-closes, em sintonia com a indisposição dos coadjuvantes e com o mal-estar proposto pelo roteiro.
Há visivelmente ali um cinema pensado. Em entrevista à revista SET, Selton Mello relembra que o filho de Walter Carvalho sugeriu filmar em CinemaScope (o formato de tela mais horizontalizado) para, mesmo nos closes, manter espaços vazios ao lado dos atores - mais do que claustrofobia, impor um sentido de isolamento. Há uma consciência estética, enfim, mas ela se justifica?
Porque, ao longo de Feliz Natal, fica a impressão de que a dramaturgia do subtexto e a agressividade visual não estão casando. É um cinema de observação - as cenas do sobrinho com os presentes, da sinuca, dos parentes ao redor da árvore são visivelmente improvisadas - mas ao mesmo tempo é um cinema que, ao filtrar essa realidade com pessimismo, só enxerga o mal. E o que há de puro uma hora paga o preço por ser puro.
Que fique claro que Selton Mello se revela um exímio diretor de elenco (a desconstrução da imagem de Lúcio Mauro no papel do pai é assombrosa) e que Feliz Natal é um grande filme de performance. Mas o implícito, essa arte sofisticada de discurso, não é de fácil manejo. Mello tenta arrancar dos personagens mais do que eles conseguem - pela própria construção desses personagens - oferecer ao diretor.
No fim, o estreante que cita John Cassavetes e Lucrecia Martel (a primeira cena da piscina é O Pântano escarrado) periga se aproximar mais de um Sérgio Bianchi da vida. Não por acaso a segunda fatalidade de Feliz Natal se avizinha muito antes do fim do filme... Selton Mello tem olho apurado para o que está diante dele, mas ver essa realidade pelo viés do cronicamente inviável pode ser bastante limitador.
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