quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Atividade Paranormal

Filme amador realizado por US$ 15 mil aferra-se ao princípio da câmera diegética para criar tensão inesgotável, pregar grandes sustos e repetir o fenômeno de popularidade de “A Bruxa de Blair”
Por: Rodrigo Carreiro

Cinéfilos em geral simplesmente amam a idéia de um filme amador, realizado por uma equipe criativa sem a mínima experiência, ter a capacidade de seduzir a imaginação de milhões de pessoas. Há um elemento romântico de rebelião e irreverência nessa idéia. Talvez seja por isso que o fenômeno “A Bruxa de Blair” (1999) tenha deixado uma grande comunidade transnacional de órfãos que esperou, com grande ansiedade, a aparição de um fenômeno idêntico. Pois bem, o dia chegou: as semelhanças entre “Atividade Paranormal” (Paranormal Activity, EUA, 2007) não estão apenas na estética amadora, mas também na importância do boca-a-boca gerado através da Internet para o sucesso comercial da produção caseira que virou um mega-hit.
Primeiro a má notícia: originalidade não é exatamente o forte do primeiro filme do cineasta iniciante
Oren Peli. “Atividade Paranormal” cruza uma sinopse claramente inspirada na produção de 1979 “Terror em Amityville” (jovem casal que acaba se de mudar para uma nova casa é perturbado por aparições sobrenaturais) com o princípio da câmera diegética de “A Bruxa de Blair” (ou seja, todas as imagens presentes no filme são registradas por uma câmera amadora de vídeo que é manuseada por um dos personagens da história).
Agora a boa: todos sabemos que a originalidade não é e nem nunca foi pré-requisito obrigatório para uma boa experiência cinematográfica. E, neste caso, temos mais uma prova disso. A simplicidade da narrativa, que desenvolve a história sem pressa – espectadores acostumados com a velocidade supersônica dos enredos de ação da Hollywood do século XXI deverão achar o filme lento, especialmente na primeira metade – mas com grau sempre crescente de tensão, garante que os momentos realmente assustadores, que são poucos e bem inseridos na trama, realmente dêem ao espectador o que se espera de um bom filme de horror: atmosfera sinistra implacável, alguns sustos de parar o coração e um clímax perfeitamente forte e dramaticamente adequado.
Além disso, fica claro o quanto o princípio da câmera diegética funciona bem em filmes do gênero fantástico. Histórias de fantasmas (como o próprio “A Bruxa de Blair” já prenunciava) ganham muito quando são filmadas em tom naturalista, com textura caseira, porque reforçam a ilusão de que poderia estar acontecendo agora mesmo, na casa ao lado. Desta forma, quando o jovem casal Katie (Katie Featherson) e Micah (Micah Sloat) começa a ser confrontado com as imagens perturbadoras que a câmera do casal registra de madrugada, o espectador não consegue conter um arrepio na espinha.
A textura amadora das imagens, ao contrário de prejudicar a experiência por suas limitações técnicas – som pobre, registros visuais sem senso de profundidade, cores desbotadas, etc. –, reforça a noção de se estar assistindo a uma experiência do mundo real, e não a uma encenação artificial recriada a partir de efeitos computadorizados. Não importa que os atores sejam tecnicamente limitados, ou que haja cenas inteiras praticamente decalcadas de filmes anteriores (as duas visitas à residência do especialista em fenômenos paranormais reencenam momentos idênticos do já mencionado “Terror em Amityville”, com a única diferença que se passam com um padre). “Atividade Paranormal” se aferra ao princípio do registro amador de um acontecimento extraordinário, desenvolve a tensão até um nível insuportável e providencia um final devidamente assustador. Pronto, o estrago está feito.
Talvez mais interessante do que o filme em si seja a novela de bastidores que atrasou seu lançamento comercial em dois anos, contribuindo involuntariamente para que o filme se tornasse um fenômeno de bilheteria. Embora tenha sido filmado e montado no início de 2007, a um custo de apenas US$ 15 mil (cada ator recebeu apenas US$ 500, a locação é a casa real do diretor), o longa-metragem percorreu um longo caminho antes de ser exibido no circuito comercial. Oren Peli inicialmente mostrou-o em festivais especializados em horror, mas não conseguiu inscrevê-lo em Sundance (o mais famoso evento independente dos EUA), onde foi recusado por ser, supostamente, um trabalho amador.
Desta forma, “Atividade Paranormal” começou a ser distribuído em DVDs, principalmente para pessoas que trabalhavam na indústria cinematográfica. Em 2008, o filme chegou às mãos de executivos da DreamWorks, que o enviaram para
Steven Spielberg, cujo aval levou o estúdio a pagar US$ 300 mil pelos direitos autorais da obra. Spielberg também convenceu os executivos do estúdio a trocar a idéia de fazer uma refilmagem (a partir do mesmo roteiro e com equipamento profissional, a ser dirigida pelo mesmo diretor) pelo lançamento do filme original, só que com um final diferente. Na mesma época, porém, a DreamWorks foi comprada pela Paramount e o lançamento acabou adiado.
Aí é que entra o papel da Internet na publicidade do filme. Durante os anos de 2008 e 2009, rumores a respeito do filme percorreram sites e comunidades de cinéfilos, criando uma expectativa pelo lançamento que foi crescendo exponencialmente. Só então a Paramount decidiu adotar uma política de lançamento gradual, expandindo aos poucos o circuito exibidor entre os meses de setembro e novembro. Essa política acabou favorecendo o boca-a-boca (ou melhor, o PC-a-PC) e o filme acabou por se transformar num fenômeno, ultrapassando a barreira dos US$ 100 milhões arrecadados. Conto de fadas macabro, portanto.

http://www.cinereporter.com.br/criticas/atividade-paranormal/

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