quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Budapeste


Filme adapta para as telas mais um livro escrito por Chico Buarque
Eduardo Viveiros/Omelete
Na sua carreira musical, o grande charme de Chico Buarque é a soma de suas composições com sua voz. As canções são construídas para seus maneirismos, seu sotaque e sua cadência característica de cantor. Por isso é tão difícil versionar com um bocadinho de originalidade uma de suas músicas. Ainda assim, muita gente tenta.
Por outro lado, na literatura, a fala do escritor Chico Buarque fica escondida nas entrelinhas. Os fãs mais ferrenhos juram que ouvem, mas a prosa do cantor/escritor não é do tipo para ser acompanhada pelo violão. E ele, prosador esforçado, tenta se camuflar por trás dos personagens atormentados de suas histórias. Nem por isso, porém, é menos difícil a readaptação de seus livros para outras "vozes".
E, novamente, as tentativas estão sempre por aí. Budapeste é o terceiro livro de Chico a chegar aos cinemas - Estorvo e
Benjamin foram os anteriores; Leite derramado, seu mais recente, não deve demorar.
Em comum entre todos, além do autor que garante a primeira página de todos os jornais, fica o desafio de mastigar as divagações quase febris de Chico para a tela. E a equipe de Budapeste - liderada pela produtora Rita Buzzar, que encomendou Walter Carvalho para a direção - não saiu ilesa desse processo.
A sinopse do livro/filme é o que menos importa. A história é conduzida por José Costa (Leonardo Medeiros), grande mas anônimo ghost writer carioca, que vai parar na capital húngara por acidente de percurso. No decorrer da trama, se apaixona pela cidade, pela sua intérprete/professora Kriska (a bela "nativa" Gabriella Hámori), pela língua dos húngaros e pela possibilidade de trocar a vida e a mulher daqui pelas de acolá.
Até então apenas uma história de amor, se não fosse recheada pelos subtextos do livro original, sua verdadeira graça. No Budapeste original, Chico criou um conto sobre ligações afetivas mais profundas, do brasileiro Costa com seu idioma materno, sua nacionalidade original e um novo ufanismo postiço que desenvolve. Mais que a busca por um final feliz, o tema da história é um exílio perdido no tempo.
E é aí que o Budapeste dos cinemas se embanana. A adaptacão do texto não é cem por cento fiel, e nem poderia ser. O texto de Chico costuma ser mais abstrato que palpável e acaba se diluindo facilmente na vida real. Mas no esforço de mastigar o livro para a audiência, cortam-se tantas arestas que dão graça e densidade à história que o que restou fica órfão.
No final das contas, acaba saindo uma cerca viva podada demais - todos os arbustos no seu devido lugar, mas com uma ordenação meio sem graça. Como a confusão de identidades de Costa, que confunde o leitor mas passa de forma batida no espectador. Ou a linearidade narrativa, que vai e vem rapidamente no livro, mas na tela é quase comum. Com tanto material disponível, é estranho o preciosismo em criar novas passagens; como a sequência com a estátua do escritor desconhecido, construída para aumentar de forma desnecessária os momentos tétricos do filme.
Mas não se pode entregar toda a obra à forca: Budapeste tem uma boa dose de brilho. Só o fato de ser um longa nacional com legendas já lhe confere ousadia em frente ao mercado interno. E o filme todo é um belo trabalho de equipe, com ótima atuação do casal principal e uma bela fotografia.
Algumas preciosidades do trabalho de Walter Carvalho se sobressaem, principalmente no trabalho com os atores. Leonardo Medeiros passou boa parte do filme lidando com o texto em húngaro, atuando sem saber o que dizia. A língua estrangeira também marca o primeiro encontro dos protagonistas, que vale atenção especial: segundo os produtores, aquele também foi o contato inicial entre os dois atores de línguas opostas.
Essa oposição rende também um exercício rápido de especulação. Um dos pontos fracos do filme é o otimismo próprio do cinema - e do povo - brasileiro que, mesmo disfarçado, acaba sabotando a melancolia da história. Como a cidade tema, que ganha um tom amarelo do narrador. Será que a coisa toda não receberia um viés mais conciso se fosse tocada pela visão húngara da produção? Um pouco de cinismo europeu faria muito bem a Budapeste.

The Invention Of Lying


The Invention of Lying (ex-This Side of the Truth), o primeiro filme como diretor de Ricky Gervais, ator inglês dos seriados The Office e Extras, ganhou o seu primeiro trailer. O bom elenco de coadjuvantes surge dizendo a verdade, até que o protagonista, como diz o título, aprende a mentir.
A história, co-escrita por Gervais com o também diretor do filme Matt Robinson, se ambienta em um mundo alternativo onde mentira não existe. Mark (Gervais) descobre possuir a capacidade de manipular a verdade e começa a usá-la, claro, para seduzir uma bela mulher (Jennifer Garner).
John Hodgman (um dos repórteres do Daily Show with Jon Stewart), Tina Fey (30 Rock), Christopher Guest e Jeffrey Tambor (Hellboy, Arrested Development) estão no elenco, além de Jonah Hill (Superbad), Rob Lowe e o comediante Louis C.K.
O longa estreia em 25 de setembro nos EUA. No Brasil não há previsão.

Garota Fantástica


Fox Independent estréia a comédia "Whip It", que marca a estréia da atriz e produtora Drew Barrymore na direção. A trama gira em torno de uma garota com problemas de adaptação com a nova vizinhança e entra para uma equipe de patins.

Zumbilandia


Zombieland da Sony, que chegará aos cinemas brasileiros em 04/12, garantiu 2.9 mil salas para exibição.Comédia sobre caçadores de zumbis com o comediante (que adora proliferar palavrões) Jesse Eisenberg e que traz Woody Harrelson em destaque.

Frost/Nixon


Filme de Ron Howard honra os grandes clássicos hollywoodianos sobre comunicação e política
Marcelo Hessel/Omelete
Em 19 de maio de 1977, quase três anos depois de renunciar à presidência dos Estados Unidos, Richard Nixon (1913-1994) concedeu uma rara entrevista ao britânico David Frost. A conversa, dividida em quatro partes, gravada em quatro dias diferentes, se tornaria a entrevista mais vista da história da televisão mundial. Depois de virar peça, ela agora chega ao cinema, avalizada por cinco indicações ao Oscar, incluindo melhor filme.
Não é um assunto fácil, e o diretor Ron Howard (
O Código Da Vinci) o organiza na tela na forma de um semidocumentário: os assessores de Frost e de Nixon - vividos pelos bons coadjuvantes Oliver Platt, Kevin Bacon, Matthew Macfadyen e Sam Rockwell - surgem então em cena, falando diretamente para a câmera, como que relembrando o passado, os dias de tensa gravação, para ajudar o espectador a acompanhar a lavagem de roupa suja do Watergate e da Guerra do Vietnã, as pautas centrais da entrevista.
Colocar os coadjuvantes para comentar a ação dos protagonistas - Frank Langella como Nixon e Michael Sheen como Frost, ambos reprisando seus papéis na peça do dramaturgo Peter Morgan - didatiza demais alguns momentos que deveriam ser de introspecção. No geral, porém, isso não prejudica o filme. Howard tem o bom senso de deixar Frank Langella trabalhar. O ator, indicado ao Oscar, faz metade do trabalho, e a trilha sonora de Hans Zimmer faz o resto.
O suspense da música de Zimmer e a direção inesperadamente firme de Howard (que domina bem os momentos que pedem um close-up, os momentos que pedem um enquadramento simultâneo dos dois atores, etc.) transformam esse tema aparentemente sonolento em um duelo quase existencial. Quando não está narrando os momentos de gravação da entrevista, o texto de Frost/Nixon constrói nos bastidores de forma sintética, mas não reducionista, duas personalidades complexas, a do jornalista e a do presidente. O filme sobre a entrevista acaba sendo um filme sobre um combate de arena entre dois homens.
Afinal, Nixon, forçado a renunciar por conta do escândalo do grampo na sede do partido democrata, luta por sua sobrevivência política e Frost, estrangeiro visto nos EUA como um bon vivant que só sabe fazer shows de variedade, luta por sua dignidade (sem contar as dívidas, a carreira...). A princípio, manter em cena a namorada de Frost pode parecer um recurso falho (como se o amor estivesse em jogo ou algo assim), mas no fundo serve para nos manter informados o tempo inteiro de que o entrevistador é um estranho que não domina totalmente a importância daquele evento, o que só enriquece o arco do seu personagem.
Nixon também, com seus problemas de suor, é um corpo estranho diante das câmeras. Em instante-chave, bêbado, o ex-presidente telefone no meio da madrugada para o inglês e desabafa: ambos, na visão de Nixon, são aqueles marginalizados que lutaram a vida inteira para serem aceitos pelo sistema, mas jamais terão seu esforço plenamente reconhecido. São dois arquétipos gêmeos, afinal, e a entrevista é menos um julgamento público do ex-presidente do que uma briga para ver qual dos dois será abraçado pelo sistema, ainda que momentaneamente, como vencedor. Só o mais forte sobrevive, enfim, pra usar uma expressão fácil.
Nesse sentido, Frost/Nixon é um filme bastante lúcido sobre a comunicação de massa, digno das maiores obras-primas que Hollywood já legou sobre o assunto, como A Montanha dos Sete Abutres (1951) e Rede de Intrigas (1976). Tanto David Frost quando Richard Nixon estão, cada um em sua poltrona, de frente às câmeras, tentando derrotar a imagem de si que o outro constrói. O uso equilibrado do close-up por Ron Howard, aliás, é consciente desse poder da imagem - o diretor sabe, assim como os assessores de Frost repetem no filme, que um semblante imortalizado na tela num momento de derrota pode ser mais eloquente do que uma declaração de culpa. Para usar outro chavão, é aquela coisa da imagem que vale mais do que mil palavras.
Frost/Nixon sobressai, muito por conta do equilíbrio entre elenco, música e direção, porque consegue produzir algumas dessas raras imagens que falam.

Entre Os Muros Da Escola


Chega aos cinemas o vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2008
Marcelo Hessel/Omelete
Toda a ação de Entre os Muros da Escola (Entre les Murs, 2008) se passa nas salas, nos corredores e nos páteos de um colégio nos arredores de Paris, ao longo de um ano letivo. Mas o filme do francês Laurent Cantet (
Em Direção ao Sul) evidentemente extrapola os muros e serve de comentário sobre a realidade no país - basta ver que não há negros e árabes (parcela significativa dos alunos) entre o corpo letivo, só na equipe de faxina.
É um drama contundente sobre o modo como a França lida com seus cidadãos saídos de ex-colônias, mas essa é a superfície. O vencedor da Palma de Ouro em
Cannes 2008 tem muito a dizer também sobre a relação professor-alunos de modo geral, independente do contexto social. Mais do que contundente, é um drama sufocante sobre uma relação que acima de tudo é de poder - por mais que um professor tente se aproximar de seus estudantes, sempre vai existir uma barreira intransponível que os distancia.
Entre os Muros da Escola sufoca porque François, o professor protagonista (que "filtra" para nós não apenas as ações dos alunos como também dos outros professores), a todo instante busca uma cumplicidade impossível com seus alunos. Há os imigrantes africanos que trazem para a sala um histórico familiar em frangalhos, há o menino chinês que se esmera em matemática mas vai mal na aula de francês. O modo como François conversa com a classe dá a entender que, num ambiente tão heterogêneo, a única alcançar cada um dos alunos é falando-lhe individualmente. Mas o filme mostrará que, antes de qualquer coisa, impera ali a hierarquia.
François é interpretado por François Bégaudeau, ator não-profissional que escreveu um livro sobre suas experiências como professor numa escola similar à do filme. Cantet e Robin Campillo adaptaram o roteiro, mas a base do filme é mesmo a obra autobiográfica de Bégaudeau. Que ele se saia bem como ator só não é mais espantoso porque, no fim do filme, descobrimos que todos os alunos são atores amadores. O que parecia um drama ganha, depois da sessão, outra dimensão, em que tracejar uma linha entre o documentário e a ficção é esforço inútil.
Em entrevista à revista Cahiers du Cinéma, Cantet - que tem uma obra essencialmente sociopolítica, bem expressa em filmes como Recursos Humanos (1999) e A Agenda (2001) - explica como realizou um filme igualmente político, mas nascido de uma semi-improvisação, em que deixava os eventos ditarem o que seria filmado:
"Nós [Cantet e Bégaudeau] nos encontrávamos todos os dias uma hora antes da filmagem num café em frente à escola para fazermos o plano das cenas do dia. François tinha a responsabilidade da orquestração da cena, pelo menos nas primeiras tomadas. Ele estava diante de 25 alunos e devia conseguir juntar todos para o nosso objetivo. Eu tinha para a filmagem três monitores à minha frente, num canto da sala, e uma ligação de áudio com cada cameraman, para sugerir as deslocações. Às vezes intervinha no meio de uma cena. A preparação durou todo um ano escolar. A filmagem, sete semanas. Hoje não sei o que é do livro ou o que é do trabalho posterior."
Percebe-se na tela que os ensaios deram aos adolescentes a naturalidade exigida em cena; da preparação, os temas foram sendo enxugados até chegar a um resultado sem sobras ou excessos - e com um senso de urgência que apenas a proximidade das câmeras (é a primeira vez que Cantet roda com mais de uma) pode transmitir. Quem criticava outro documentário francês sobre ensino -
Ser e Ter (2002) - por ser uma visão míope da França, idílica com suas escolinhas de interior e limpa de imigrantes, terá dificuldade de se queixar de Entre os Muros da Escola. Não espere, também, aquele tipo edificante à la Sociedade dos Poetas Mortos. O filme de Cantet está em outro nível.

Pandorum


Ainda pior foi a estréia de Pandorum com Dennis Quaid. A ficção de terror obteve uma frequência nas salas sete vezes menor do que a segunda semana do líder. Com apenas US$ 4,4 milhões em três dias, o consolo ficam para as críticas positivas que devem garantir o sucesso em dvd e blu-ray.

O Banheiro Do Papa


Uma azarada história real
Érico Borgo/Omelete
Os créditos iniciais já avisam: O Banheiro do Papa (El baño del Papa) é baseado numa história real, que só poderia ter acontecido por uma tremenda falta de sorte.
A incrível história começa algumas poucas semanas antes da visita do papa João Paulo II a Melo, cidadezinha uruguaia quase na fronteira com o Brasil, em 1988. A presença do Sumo Pontífice causa furor na população do lugarejo, mas essa comoção não tem nada de religiosa... a visita atrairá 20 mil brasileiros ao lugar. Ou mesmo 40 mil. 60, dizem alguns.
Toda essa brasileirada terá que comer, e Melo inteira prepara-se como pode para alimentá-los, sonhando com a riqueza dos Cruzeiros vizinhos. Endividam-se... e tome montagem de barracas de linguiça, torta, bandeirola, churrasquinho, empanada...
Mas o simpático Beto tem outros planos. Pequeno contrabandista para as vendinhas locais - ele atravessa a fronteira duas vezes ao dia de bicicleta velha, carregando porcarias e fugindo dos oficiais aduaneiros -, ele pensa além de seus compatriotas. Se os brasileiros vão comer tanto assim, terão que se aliviar. Para tanto, precisarão de um banheiro! E lá vai Beto arrumar dinheiro para os blocos, canos, porta de luxo... só falta mesmo o vaso. Mas esse ele vai buscar ali, rapidinho, do outro lado da fronteira.
A tragicomédia, uma co-produção entre Brasil, Uruguai e França, é irretocável. Os diretores uruguaios Enrique Fernandez e Cesar Charlone (o celebrado diretor de fotografia de Cidade de Deus) foram muito felizes com o ângulo que encontraram para o filme. O Banheiro do Papa é engraçado e ao mesmo tempo tristíssimo, mas sempre otimista. Suas sutis observações sobre a fé, o capitalismo, a sociedade e a mídia não parecem nunca lições de moral - e são absorvidas em meio à bem contada história.
Igualmente excepcional é a seleção do elenco. César Trancoso, o Beto, é um ator incrível. Seu momento de epifania, quando lhe surge a idéia do banheiro, chega a ser emocionante. O sujeito mexe duas rugas e pronto... lê-se em seu rosto tudo o que ele está pensando. Como esse, há outros vinte momentos marcantes. Quando divide a tela com Virginia Mendez (que vive a esposa), então... dá vontade de reecontrá-los sempre.
Uma produção brilhante sobre um povo esquecido por Deus, mas, infelizmente, não por Roma. E se o Papa morreu "sem saber o mal que fez", como comenta um personagem, ao menos, graças a Fernandez e Charlone, nós saberemos.

Leaves of Grass


Leaves of Grass [EUA, 2009], de Tim Blake Nelson (Califórnia). Gênero: suspense. Elenco: Edward Norton, Richard Dreyfuss, Keri Russel. Sinopse: Professor volta a sua cidade natal onde seu irmão gêmeo está armando para desbancar o principal mafioso do local. Estréia Nacional: Outubro.

Intrigas De Estado


Thriller político adaptado de série inglesa mostra disputa entre o novo e o velho jornalismo
Marcelo Forlani/Omelete
Já faz algum tempo que as séries inglesas servem de base para, digamos, "novas leituras" em Hollywood. No campo da comédia temos o já clássico The Office, cuja versão estadunidense figura entre uma das melhores séries de TV da atualidade. E agora temos o caso de Intrigas de Estado (State of Play, 2009), que adapta para o cinema uma série dramática da BBC exibida em 2003, que teve em seu elenco original Bill Nighy, James McCavoy e John Simm.
Há na ambientação estadunidense, logicamente, algumas mudanças. A mais notória é a do cenário. No lugar de Londres e o jornal The Herald entram Washington D.C. e o Washington Globe. O Stephen Collins que antes era membro do parlamento inglês, vira um promissor congressista interpretado por Ben Affleck. A trama começa a se desenvolver a partir da morte de Sonia Baker, membra integrante do staff de Stephen Collins, mas o lobby que ela investigava deixa de ser a indústria petrolífera para se tornar a armamentista.
Como se pode notar, essas trocas são pontuais, praticamente "traduções" para o novo ambiente onde as coisas acontecem. Mas a grande diferença entre a série e o filme acontece dentro do jornal. O Cal McAffrey interpretado por Russell Crowe é um Repórter Especial, com caixa alta, pois esse é seu posto. Ele é do tipo que conhece as pessoas certas nos lugares certos e tem um faro apurado, enfim, um detetive hábil como o Batman nos seus melhores momentos. Ao seu lado está a blogueira Della Frye (Rachel McAdams), jornalista jovem, inexperiente e cheia de vontade de aparecer. Na versão britânica, a dupla também existe, mas com uma química completamente diferente, sem a relação de mestre-aprendiz que se vê no longa.
A disputa que existe entre a dupla do jornal estadunidense dá o tom do filme todo. Cal foi colega de quarto do Stephen na época da faculdade e tem um conflito de interesses no caso, pois ele quer ajudar o seu amigo, mas está investigando o caso de um assassinato duplo no subúrbio de Washington. Della, ansiosa por destaque, escreve um post no seu blog falando sobre o relacionamento extra-conjugal entre Stephen e Sonia. E a editora-chefe, Cameron Lynne (Helen Mirren mal aproveitada), fica sem saber se dá espaço para a investigação série sobre o suposto assassinato da jovem causado por uma grande conspiração corporativa, ou segue as ordens dos novos donos do jornal, que querem o sensacionalismo que vende jornal.
Assim, o que nasceu na TV inglesa como um thriller político, ganha também ares de crítica (ou, no mínimo, contestação) entre o velho e o novo jornalismo. Vale mais uma notícia rápida em um blog ou uma matéria trabalhada (e eternizada) nas páginas de um jornal? O jornal de papel ainda é importante ou é só embrulho de peixe? O bom filme do cineasta escocês Kevin Macdonald (O Último Rei da Escócia) deixa a sua opinião clara e deixa o espectador/leitor pensar na sua.
Pela importância do jornalismo na trama do filme, a comparação com Todos os Homens do Presidente é mais do que obrigatória. O próprio roteirista Matthew Michael Carnahan cansou de dizer que o clássico de 1976 foi inspiração na hora de adaptar a série para o cinema. Com a diferença óbvia de que no longa estrelado por Robert Redford e Dustin Hoffman tinha o real Watergate como objeto de investigação, enquanto que Inimigos do Estado é "apenas" uma obra de ficção. Bem embasada em possibilidades reais que lhe conferem veracidade, devo acrescentar.
Vale destacar também o trabalho de cenografia e figurino. Stephen e Cal são dois amigos que seguiram caminhos opostos em suas vidas: um é um promissor político engomadinho e o outro é um jornalista gorducho com os cabelos desgrenhados. A mesa, o apartamento e o velho Saab 1990 de Cal refletem o espírito do jornalista, que não tem ambições financeiras. É por isso que ele se mete no meio de conspirações corporativas, políticos corruptos e megaconglomerados que estão se aproveitando da Guerra ao Terror para lucrar. Sua única e maior preocupação é com a verdade. E, verdade seja dita, ficou muito bom!

Vigaristas


Filmes sobre golpes simpáticos e divertidos aplicados por golpistas simpáticos e divertidos costumam ser bastante… simpáticos e divertidos. “Golpe de Mestre” e “Onze Homens e um Segredo” são dois exemplos bem marcantes deste - digamos - sub-gênero. A boa notícia é que “Vigaristas” (título nacional que batiza “The Brothers Bloom”) vai muito além do simpático, e muito, muito além do divertido. Trata-se de uma verdadeira preciosidade.Os irmãos do título original são Stephen (Mark Ruffallo) e Bloom (Adrien Brody, de “O Pianista”). Órfãos, desde crianças eles são expulsos das famílias que tentam adotá-los por estarem sempre aplicando desfalques em seus padrastos. O inteligente Stephen é quem arquiteta as ideias e cria os planos. E o sensível Bloom é um excelente executor.Porém, quando chega à idade adulta, Bloom entra em crise existencial. Ele percebe que não é ninguém, e que durante toda a vida apenas desempenhou os papeis escritos por seu irmão. Melancolicamente, ele precisa ir em busca do próprio destino. Stephen, porém, não quer que a dupla se desfaça, e propõe ao irmão um último e grande golpe: desfalcar Penelope (Rachel Weisz, de “O Jardineiro Fiel”) uma excêntrica milionária.A partir daí, o ótimo roteiro e a empolgante direção de Rian Johnson desenvolvem um delicioso jogo ilusório ao redor do mundo, onde nada é o que parece, e onde as maiores certezas se desvanecem num segundo. Uma brincadeira de perde-e-ganha? Muito mais que isso, pois os personagens de “Vigaristas” têm nuances, inteligência, profundidade e humanismo.É tocante a interpretação de Brody como o homem que percebe ter sido um títere durante toda a vida. Um executor sem vontade própria, um manipulado que imaginava ser o manipulador. É riquíssima a personagem Penelope, a mulher que sabe tudo, que tem tudo, mas que nunca vivenciou nada, sendo escrava de seus livros e vítima de uma piada de mau gosto. Bloom tem sede de individualidade. Penelope tem sede de viver. Cada um ao seu jeito, ambos precisam recuperar os tempos perdidos de suas vidas. E em meio a eles está Stephen, um homem que… bem, como já foi dito, nada neste filme é o que parece.Não bastassem as riquezas dos personagens, a fina ironia dos diálogos, o sarcasmo das situações, e as belíssimas locações (Sérvia, Romênia, Montenegro e República Checa), ainda por cima o filme tem uma direção genial repleta de planos criativos (e significativos), ótimo ritmo, interpretações carismáticas e um eficiente trabalho de som.A direção de arte não estabelece períodos. Mistura o novo com o antigo, o clássico com o moderno, e cria assim um visual de conto de fadas, amparado ainda mais pela beleza da cidade de Praga.Criativo, inteligente e sensível, o filme foi lançado em pouquíssimas salas nos cinemas dos EUA, onde naufragou na bilheterias.
Celso Sabadin/100% Vídeo

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Nome Próprio


Filme mostra vida de blogueira autodestrutiva
Marcelo Forlani/Omelete
Os blogs estão na moda. E já faz tempo! Aliás, já até deixaram de ser moda. Deixaram de ser diários online. Se solidificaram e hoje há até mesmo aqueles que ditam tendências. Que ficam sabendo antes e não têm medo ou rabo preso de dizer o que precisa ser dito. Até mesmo pessoais eles deixaram de ser. Hoje há os blogs comunitários, há os comentários que provam que a sala não está jamais vazia.
Quem saiu deste universo próprio e ganhou outras mídias foram as escritas de Clarah Averbuck. A escritora primeiro viu seus textos virarem os livros Máquina de Pinball e Vida de Gato e agora acompanha uma adaptação para o cinema, Nome Próprio (2008).
Na tela, a protagonista é Leandra Leal, a blogueira fictícia conhecida como Camila Jam. É ela que começa o filme chorando, desesperada depois de uma noite errada com a pessoa errada. Opa, olha o preconceito. Ela não vê erro algum em ter ficado para um cara que ela nem sabe quem é. Aconteceu. E vai voltar a acontecer. Doa a quem doer. E isso pode incluir até ela mesma!
Autodestrutiva e sem freio, Camila vai se jogando ladeira abaixo sem saber onde aquilo vai dar. Bebe, se droga, quase se prostitui. Tudo em busca de experiências, que depois acabam fazendo sentido quando ela "posta" no blog os sentimentos, as dúvidas e o que mais passar pela sua cabeça. É mesmo difícil entender essa tal solidão quando tem tanta gente lendo o que você está vivendo, opinando.
Palavras são palavras. E é difícil adaptá-las para outras mídias. Quantos são os filmes que conseguem superar os livros de onde se originaram? Pouquíssimos! A própria Clarah já disse a quem quisesse ouvir que aprendeu a distinguir seus livros do filme. E gosto de ressaltar que a Camila não é autobiográfica e que na época em que escrevia o livro, nem blog ela tinha.
Mas se o filme tinha tudo para ser teatral e chato, devido ao sem-número de monólogos e cenas em que Leandra Leal aparece sozinha, acaba surpreendeendo. Ganha vida pela câmera ágil e montagem esperta, sem ser "moderna" em excesso. Quando "bloga", Leandra vai digitando de verdade e as letras vão aparecendo na tela do micro, nas paredes, no chão, em um belíssimo e bem cuidado trabalho de direção de arte. Já adicionei ao del.icio.us!

The Imaginarium of Doctor Parnassus


Muito mais do que apenas o último filme de Heath Ledger
Marcelo Forlani/Omelete
Genial e azarado. Esses são os dois adjetivos que melhor resumem o que é Terry Gilliam. O único estadunidense a fazer parte do grupo cômico Monty Python, Gilliam começou fazendo as animações non-sense que envolviam pés gigantes, cabeças que se abriam e mulheres assanhadas das vinhetas da série de TV e depois passou à direção de cinema. Estão no seu currículo filmes clássicos como Monty Python e o Cálice Sagrado, cultuados como Brazil e esquecidos como o recente Contra-Ponto, que saiu aqui direto em DVD. Mas ao assistir ao making of de Os 12 Macacos e ao documentário Lost in La Mancha é que vemos como os deuses do cinema vivem testando a fé de Gilliam. Principalmente neste último, que chegou a ser cancelado e tudo o que podia dar errado, deu. Do protagonista morrendo de dores nas costas e proibido de andar a cavalo a uma chuva torrencial que arrasou seu set de filmagens.
Depois de conseguir finalizar sem maiores problemas seus dois últimos projetos (Os Irmãos Grimm e o já citado Contra-Ponto), parecia que a maré de azar tinha passado. Até que veio o 22 de janeiro de 2008. Gilliam estava no meio das filmagens de O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus, 2009) e em um dos papéis principais estava Heath Ledger, incessantemente elogiado a cada nova cena que surgia da sua interpretação do Coringa em Batman - O Cavaleiro das Trevas, a ser lançado no meio daquele ano. O ator morreu em Nova York, deixando órfão sua pequena filha Matilda e sem rumo os amigos com quem filmava.
Gilliam quase teve de fechar as portas de sua produção de novo. E foi aí que entraram os amigos Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrel, que deram um passo à frente e se ofereceram para terminar o papel que o australiano interpretava. E quer saber? Se o filme fosse pensado dessa forma, talvez não ficasse tão bom. As cenas em que os três atores aparecem se passam dentro do tal mundo imaginário do Dr. Parnassus e lá você pode ser quem você quiser. Quem você sonhar. E por isso, a mudança de atores, que muita gente pode até estranhar no início, veste como uma luva em uma daquelas mãos que tem uma cabeça no seu topo.
Sim, a imagem é "gilliamética" e saiu mesmo da mente do desvairado autor. Essa e tantas outras, como águas vivas gigantes, balões de ar em formatos de cabeça flutuando por mundos coloridos, bocas que são "chupadas" nas caras das pessoas, cobras que aparecem do contorno de rios e escadas sem fim. Não há dúvida que Parnassus é o filme mais visual que Gilliam já construiu, equilibrando como nunca efeitos práticos com computação gráfica, como na cena em que acompanhamos o diabo conhecido como Nick (Tom Waits) chegando ao templo onde Parnassus (Christopher Plummer) comanda outros monges em meditações sobre tapetes voadores. Os dois fazem um pacto: em troca da imortalidade, Parnassus promete ao Diabo a sua filha quando ela completar seus 16 anos. Pensando ser mais esperto que o senhor das trevas, Parnassus não imagina ter filhos e consegue se manter invicto, até que conhece e se apaixona por uma mulher, a mãe de Valentina (Lily Cole). Quando o filme começa, Nick está de volta para cobrar seu prêmio. Tão bêbado quando desesperado, Parnassus tenta uma última cartada para manter a delicada e linda filha: conseguir cinco almas para ele antes do aniversário de Valentina, em três dias.
Tony (Ledger, Depp, Law, Farrel) entra em cena amnésico, pendurado pelo pescoço em uma ponte de Londres. É logo incorporado à trupe de Parnassus e com sua lábia vai ajudando a recolher as almas, para o desespero de Anton (Andrew Garfield), que sofre ao ver sua amada Valentina se apaixonando pelo novato. Porém, não se deve confiar em um personagem que foi batizado em "homenagem" ao ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, descrito por Gilliam como um cara que "diria as coisas mais insanas e provavelmente acreditaria nelas".
Parnassus, no meio de todas as viagens entre o mundo imaginário e o cotidiano, ainda consegue guardar espaço para fazer críticas às pessoas que estão sempre atrasadas a ponto de deixar de sonhar e ao capitalismo. E há ainda um estranho número musical típico de Monty Python.
Talvez a história não agrade a todo mundo. Mas uma obra de Terry Gilliam jamais vai conseguir atingir tal feito. Sua mente funciona em uma frequência diferente. Seus sonhos são mais coloridos. Seus devaneios, mais sinistros. E seus filmes, bom, estes são cada vez mais ímpares no meio das fórmulas usadas pelas pessoas que podem até ser mais sortudas, mas não têm a mesma genialidade.


Bem-Vindo


Em drama polêmico, jovem curdo tenta atravessar Canal da Mancha a nado.
Ao ser lançado na França, em março de 2009, o filme "Bem-Vindo", de Philippe Lioret, causou polêmica. O motivo foi denunciar os problemas legais criados por um professor de natação francês, Simon (Vincent Lindon, de "Sem Escândalo"), pelo fato de ter abrigado e ajudado um imigrante ilegal, o jovem curdo Bilal (Firat Ayverdi). A produção estreia apenas em São Paulo nesta quinta-feira, por causa do feriado estadual paulista.

Na esteira dessa polêmica, o Partido Socialista francês redigiu um projeto de lei batizado de "Welcome", título original do filme, em que propôs a supressão do chamado "delito de solidariedade". Trata-se dos artigos L622-1 e L622-4 do Código de Entrada e Estadia de Estrangeiros, que penalizam com prisão de cinco anos e multa de 30 mil euros quem ajudar, transportar ou abrigar qualquer imigrante ilegal na França.Simon, o professor de natação, faz tudo isso por Bilal, jovem curdo que procura há meses chegar a Londres, para reencontrar a namorada, Mina (Derya Ayverdi).Acaba de chegar a Calais, França, num campo de refugiados e não tem nem dinheiro nem permissão para seguir a viagem. Divorciado, Simon sofre de um desespero amoroso semelhante, pois não consegue esquecer a ex-mulher, Marion (Audrey Dana).O improvável encontro entre esses dois homens oferece a oportunidade para que o diretor Philippe Lioret (de "Senhorita") construa uma crônica sólida de como a intolerância contra os imigrantes se manifesta nos dias de hoje no continente considerado como o berço da cultura e da civilização, a Europa - cujo progresso econômico atrai sem cessar estrangeiros de todos os pontos do planeta.Há um comentário político em cada cena do filme, mas ele não se traduz em nenhuma forma de discurso. O roteiro, de Olivier Adam e Emmanuel Courcol, cria contexto para seus personagens com riqueza de detalhes não raro incômodos. Assiste-se à tentativa de Bilal e outros imigrantes ilegais de atravessar a fronteira francesa, escondidos num caminhão. Para passarem pela fiscalização, precisam enfiar sacos plásticos na cabeça e prender a respiração por alguns minutos - caso contrário, os sensores dos fiscais identificam o gás carbônico liberado. Bilal não aguenta e, por isso, ele e os companheiros são presos. Não sem antes ganharem números gravados com tinta indelével em suas mãos, detalhe que lembra os campos de concentração nazistas.Liberados temporariamente, depois disso, para circular na cidade de Calais, os imigrantes de pele morena são destratados a cada passo. São mesmo impedidos de entrar em supermercados, ainda que mostrem seu dinheiro. Uma situação que perturba pessoas como Marion, a ex-mulher de Simon, uma voluntária especializada em assistência social a esses estrangeiros deslocados, sem futuro à vista.Aparecendo na academia onde Simon leciona em busca de aulas de natação, Bilal tem um plano secreto: atravessar a nado o canal da Mancha e chegar a Londres a tempo de impedir o casamento arranjado para sua namorada pelo pai dela. De nada adianta o professor adverti-lo sobre os perigos da jornada, que dura dez horas ou mais, em água gelada e sob risco da travessia de grandes navios.O paralelismo da angústia dos dois homens que, apesar das diferenças, encontram território comum para uma troca de experiências, é o ponto alto do filme, que recebeu três prêmios no Festival de Berlim 2009 - melhor filme europeu da mostra Panorama, além dos troféus do Júri Ecumênico e da Lable Europa Cinemas.(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

O Guerreiro Genghis Khan


Cazaquistão tenta provar, com a história de Temüjin, que não é só o país do Borat
Marcelo Hessel/Omelete
Na última década e meia os épicos campais não só voltaram a se estabelecer no cinema, como seguem um formato de mise-en-scéne bem definido: aérea de batalhões, tomadas de grua enfocando generais de baixo para cima, close-ups na hora do discurso de incentivo. Pode parecer espantoso que a indústria do Cazaquistão consiga produzir um competente longa desse gênero, mas o fato é que os modelos são facilmente imitáveis - de O Senhor dos Anéis a 300.
Dito isso, O Guerreiro Genghis Khan (Mongol, 2007) tem - entre genéricas sequências de ação, filmadas a contento, com atenção especial às armas e às vestes dos guerreiros - alguns elementos muito particulares. Finalista cazaque ao Oscar de melhor filme estrangeiro, o trabalho do diretor Sergei Bodrov não só repassa um momento definidor da história da antiga Mongólia como ilustra bem a atual situação do ex-império, que já teve o maior exército da Eurásia e hoje sobrevive afunilado entre a influência da Rússia e da China.
Acompanhamos a história de Temüjin (Tadanobu Asano, de Zatoichi), a partir de seu nascimento nas estepes em 1192. Filho do khan (líder) local, Temüjin precisa aprender cedo a sobreviver sozinho, depois que o pai é envenenado e traído pelos seus comandados. Formando aliados e fazendo inimigos, perdendo e ganhando batalhas, Temüjin se torna, 20 anos depois, um líder tribal capaz de rivalizar com o império chinês que se alastra sobre território mongol.
O filme só associa o nome de Temüjin ao epíteto que o tornou famoso - genghis khan, o grande líder - no final, um favor que o título em português já faz logo de cara. Na sua missão de unificar os mongóis, Genghis Khan foi visto por muitos como um terrível aniquilador de adversários, um dos maiores genocidas da história do mundo. Bodrov, do seu lado, traça um retrato simpático do mito - a começar pela própria opção de narrar a primeira fase de sua vida, antes da chegada ao poder.
Assim, nas telas, Temüjin surge quase como um messias misericordioso: adotando filhos que não são seus, perdoando rivais, associando-se com os deuses. O espírito unificador fala diretamente ao público de hoje, tentando mostrar um líder magnânimo e até mesmo humanista. Ao mesmo tempo, quando destaca o talento de Temüjin como estrategista de guerra, o filme tenta despertar nos cazaques uma memória de vitória, de tempos expansionistas em que fazer guerra não era um crime, mas uma forma de reafirmação pátria.
Não por acaso, esta co-produção russa e cazaque (com consultoria dos membros da Academia de Ciências da Rússia, como dizem os créditos final) termina dando uma alfinetada na forma como a China tratou seus monges budistas ao longo dos séculos. Mais do que uma obra de propaganda, O Guerreiro Genghis Khan surge para mostrar ao mundo - e à China - que um dia o Cazaquistão foi muito mais do que, meramente, o país do Borat.

Há Tanto Tempo Que Eu Te Amo

Drama do estreante Philippe Claudel acompanha a volta à sociedade de uma ex-condenada
M
arcelo Hessel/Omelete
A região francesa de Lorena, que faz fronteira com Alemanha, Bélgica e Luxemburgo, cenário de Há Tanto Tempo que te Amo (Il y a Longtemps que je T'Aime, 2008), é um berço tradicional de misturas culturais no país. Isso logo fica claro no filme: um casal com filhos vietnamitas adotados, um polonês sobrevivente do Holocausto e um médico iraquiano imigrante dividem a mesma mesa sem qualquer problema.
E isso só intensifica o drama pelo qual passa a parisiense Juliette Fontaine (Kristin Scott Thomas). Ela está saindo da prisão depois de uma pena de 15 anos e vai morar com a irmã (Elsa Zylberstein) em Lorena. O mundo a que ela estava habituada não existe mais, e ali o choque é maior - não só pela quantidade de informação, mas também porque o espírito provinciano da cidade meio que força a ex-condenada a adotar mais rápido aquele lugar como lar.
O diretor estreante Philippe Claudel não desgruda a câmera de Kristin Scott Thomas para mostrar como é difícil a reinserção social - um processo que, neste caso, logo o espectador descobre, se mistura ao luto. O rosto forte da atriz inglesa, cujo "centro" dramático são seus olhos grandes e fundos, a todo momento recebe o close-up. Pelo papel, Kristin foi indicada ao Globo de Ouro este ano, e Há Tanto Tempo que te Amo recebeu indicação a melhor filme estrangeiro.
Mas não é uma personagem fácil, e frequentemente a atriz força nas expressões faciais para deixar mais clara a tensão interior de Juliette. Talvez seja insegurança na direção do elenco do novato Claudel, mesmo porque, na decupagem, ele também privilegia cenas funcionais. Juliette interage individualmente com diversos coadjuvantes e quase sempre há um "ponto a ser trabalhado": com os novos empregadores e com a assistente social ela refuta o paternalismo, com as sobrinhas demonstra que é mulher "de bem", com o cunhado ela reafirma o talento de médica que tinha antes da prisão, etc.
Há Tanto Tempo que te Amo se enfraquece aos poucos (nem a revelação final, do motivo do crime, tem o fôlego que se esperaria dela) porque não é difícil perceber esse esquematismo, como se a reinserção social dos presos tivesse uma cartilha a ser preenchida. Não é tão simples. Claudel usa de academicismo no trato desse drama (as menções às pinturas de luto, ao Crime e Castigo de Dostoievski), mas o tema definitivamente não é tão simples. Aliás, "cartilha" é um termo que cai bem ao intelectualismo de Claudel.
Aliás, o único momento em que Juliette parece ganhar um pouco de oxigênio, de alívio de toda aquela culpa (e o rosto de Kristin é bastante iluminado nesse plano, com ela deitada na cama, sob o sol), acontece quando ela depara com uma segunda tragédia, uma sobre a qual não tinha controle algum. É a cena do destino do policial. Ali o peso do filme sai das costas da personagem (o peso de tentar entendê-la, perdoá-la etc.) e aceita-se a complexidade do mundo, onde nem tudo foi feito para ser psicanalisado.

A Estrada


A Estrada (The Road), adaptação ao cinema do premiado romance de Cormac McCarthy (autor dos livros que deram origem a Espírito Selvagem e Onde os Fracos não Têm Vez), será exibido no Festival de Veneza e de Toronto.
A história se ambienta em um futuro pós-nuclear, quando a superfície da Terra se resume a tons variados de cinza. Um pai (Viggo Mortensen) caminha com seu filho (Kodi Smit-McPhee) e um carrinho de supermercado em direção à costa, na esperança absurda de encontrar ajuda. Na estrada, perigos, surpresas e raras recompensas. Charlize Theron faz a esposa de Mortensen.
O australiano John Hillcoat dirige para a produtora 2929 Entertainment e a Dimension Films a partir do roteiro adaptado por Joe Penhall. A Estrada estreia em 5 de fevereiro de 2010 no Brasil.

Simonal Ninguem Sabe O Duro Que Dei


Documentário panorâmico resgata a imagem e o som de Wilson Simonal
Marcelo Hessel/Omelete
Fica difícil discordar de quem acha Wilson Simonal (1939-2000) um dos grandes intérpretes da música do país, quando em dueto com Sarah Vaughan ele canta "The Shadow of Your Smile" na TV Tupi. O documentário Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei reproduz integralmente os quatro minutos da performance do casal. Para um filme que se propõe ágil e didático, narrativa e esteticamente, esses
quatro minutos, ainda que sublimes, passam como uma eternidade.
Mas faz todo o sentido que os diretores Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal optem pela canção completa. Por anos o cantor foi um fantasma, um renegado, escanteado pela sua geração e ignorado pelos mais novos, e ninguém melhor para reapresentá-lo do que o próprio Simonal, no palco, com seu suingue de malandro e sua voz de crooner. A primeira metade de filme é, basicamente, uma demonstração contínua do talento do biografado, um apanhado do seu repertório consagrado - de "Mamãe Passou Açúcar em Mim" e "Meu Limão, Meu Limoeiro" à versão "patropi" de "País Tropical".
Se é preciso reapresentar Simonal, adequadas são também as inserções de aspas de entrevistados. Em um documentário escudado em talking heads, faz toda a diferença ter gente que, além de saber do que está falando, sabe falar conciso. Aqui, por conta de uma lista de entrevistados que lidam com comunicação, de Chico Anysio a Nelson Motta, essas aspas são em sua maioria bastante sintéticas. Não há excessos ou desperdícios, enfim, em Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei.
Há os temas obrigatórios. A segunda metade aborda o imbróglio com a ditadura que levou Simonal ao ostracismo - não havia nada pior nos anos 70 do que um artista ser visto por seus pares como delator - e chega-se a um consenso, disseminado hoje, de que Wilson Simonal era no fundo um ingênuo. Um sujeito que acreditava piamente ser capaz de jogar uma Copa do Mundo só podia mesmo ser um ingênuo. Luís Carlos Miéle tem, no filme, termos talvez mais apropriados: "Simonal era politicamente irresponsável".
O grande trunfo do trio de diretores - num documentário que até então se desenhava entre o chapa-branca e o descontraído, com fotos de arquivo de bordas arredondadas e cenas dos merchands que Simonal fazia pra Shell - é procurar o contador que Simonal havia acusado lá atrás de ter roubado seu dinheiro, o episódio que desencadeou a celeuma política. Raphael Viviani foi encontrado depois que a produção contratou um detetive particular. Seu depoimento à câmera não encerra a questão, pelo contrário, mas não deixa de ser um documento importante em um filme até então panorâmico.
O caso é que Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei se inclui em um painel mais amplo. Está em curso desde o início da década - na sequência do moderado sucesso dos filhos da black music brasileira na gravadora Trama, com Max de Castro e Simoninha alçando carreira sem a sombra do pai - uma recuperação da memória e da obra do cantor. A EMI produziu um CD de remixes e relançou em 2004, em caixa de luxo, os disco de Simonal na velha Odeon. Em agosto deste ano sai a primeira biografia oficial, Nem Vem que Não Tem: A Vida e o Veneno de Wilson Simonal, de Ricardo Alexandre, pela Editora Globo, e, antes disso, em junho, a Record publica em forma de livro uma tese de doutorado em história, Simonal: Quem não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga, de Gustavo Alonso Ferreira.
Nesse resgate, o filme vale como resumão.

9 - A Salvação

Animação produzida por Tim Burton tem visual impecável, mas desliza de leve na história
Marcelo Forlani/Omelete
Bastaram duas palavras para que os holofotes se voltassem para a animação 9 - A Salvação (9, 2009): Tim Burton. O cineasta apadrinhou o jovem Shane Acker depois de assistir ao curta criado como trabalho de conclusão da faculdade. E não é difícil entender por que Burton gostou tanto do projeto. Estão ali elementos que lhe são bastante caros, como a atmosfera sombria de um mundo pós-apocalíptico, objetos detalhadamente pensados e recriados e a história de um solitário boneco, que passa seus dias pensando em formas de acabar com os monstros de metal que o perseguem.
Mas o caminho para transformar um curta em um longa-metragem é... longo. Foram quatro anos entre o anúncio de que a Focus Features ia apoiar o projeto e a sua estreia, no emblemático dia 09/09/09. E o desenvolvimento da história também é muito mais complexo passou por inúmeras mudanças. Para ajudar na criação do novo roteiro, Acker teve o apoio de Pamela Pettler, que já havia trabalhado com Burton no script de A Noiva Cadáver.
Em vez de apresentar o protagonista 9 (voz original de Elijah Wood) já colocando em funcionamento seus planos, o longa-metragem inicia com ele pendurado, ganhando consciência em um quarto cheio de anotações, projetos de robôs e recortes de jornais, que situam o espectador em um futuro pós-apocalíptico em que as máquinas tomaram conta e os humanos foram dizimados.
Não por acaso, aqueles que criaram os monstros que acabaram com o planeta são versões parodiadas dos nazistas e o mundo que 9 explora quando sai daquele quarto é bastante similar ao que vemos em fotos da Europa destruída depois da Segunda Guerra Mundial. Lindo trabalho dos designers de produção Robert St. Pierre e Fred Warter. São os dois também os responsáveis pela recriação digital de todos os objetos e texturas que já conhecemos, mas que passam a ter outros formatos quando vemos tudo tão de perto, como se o filme todo fosse visto através de uma lupa.
Com o desenrolar da trama, 9 vai conhecendo outros como ele, que lutam para sobreviver aos ataques das feras. Seu primeiro contato se dá com 2 (Martin Landau), exímio inventor e consertador. 5 (John C. Reilly) é o que se torna seu melhor amigo e vai junto com ele atrás de um futuro melhor. 7 (Jennifer Connely) é a menina aventureira que não sabe o que é ter medo. 8 (Fred Tatasciore) é o bruta-montes. 3 e 4 são os gêmeos curiosos e sem voz que passam o dia catalogando imagens. 6 ( Crispin Glover) é o excêntrico visionário que sabe como deter os monstros. E 1 (Christopher Plummer) é o ancião que prefere se manter escondido e salvo do que tentar mudar o mundo para melhor.
No curta não fica claro que aquela é uma versão do nosso mundo que foi destruído. Podia ser qualquer lugar. Mas ao cair no lugar-comum do pós-apocalipse em que o mundo foi dominado e destruído pelas máquinas, 9 acaba perdendo um pouco do seu encanto. O mundo que eles mostram ali é um Matrix extremo, sem humanos sendo usados como ray-o-vac, ou uma versão do Exterminador do Futuro em que o T-800 cumpriu a sua missão. Os cineastas precisam aprender que nem tudo precisa de uma explicação. A "salvação" do título nacional já seria motivação suficiente para fazer os bonecos com alma se envolverem em muitas aventuras repletas de cenas de ação envolvendo roldanas e fios, como aquelas máquinas em que um balão assusta a galinha, que bota um ovo, que cai na panela e por aí vai...

A Mulher Invisível


Comédia Romântica nacional com Selton Mello e Luana Piovani vai (um pouco) além do final feliz
Marcelo Forlani/Omelete
Desilusões amorosas são o combustível da alma humana. Não fossem os pés-nas-bundas e as paixões não correspondidas, a música, a poesia, a pintura, o cinema não teriam a mesma beleza dolorida que têm. Se, por um lado, cada fora é encarado de uma forma diferente - tem quem coma caixas inteiras de chocolate e tem também os que ficam dias sem apetite - há sempre uma constante: a cola usada para grudar os cacos do coração partido é uma nova paixão. Autodestrutivo esse tal de ser humano.
EmA Mulher Invisível (2009), quando conhecemos Pedro (Selton Mello) ele está irradiantemente apaixonado, certo de que tem ao seu lado a mulher de sua vida (Maria Luiza Mendonça)... até descobrir que ela está grávida de gêmeos e o pai não é ele. A depressão que vem com a descoberta só começa a melhorar quando, certo dia, uma loira, linda e solitária mulher bate à sua porta pedindo uma xícara de açúcar. É a sua nova vizinha, Amanda (Luana Piovani), por quem ele se apaixona em questão de nanosegundos, principalmente depois de descobrir que ela faz faxina na sua casa só de calcinha e soutien, prepara o jantar e o serve na sua boca, adora fazer sexo, curte futebol até da terceira divisão e não liga quando ele sai com os amigos.
Sim, Luana Piovani interpreta a mulher perfeita. Na verdade, quase perfeita, pois ela só existe na cabeça do Pedro. Para todas as outras pessoas ela é uma mulher invisível. Sabendo que se trata de uma comédia romântica, é de se imaginar que toda a trama já está resolvida desde o seu título: depois de sofrer com o fora que levou da ex, Pedro conhece a mulher ideal, se apaixona novamente e no fim descobre que ela não existe, mas volta a se apaixonar.
E é aí que o filme ganha pontos. Sem escapar do happy end, o diretor Cláudio Torres, que co-roteirizou o filme ao lado de Adriana Falcão, Cláudio Paiva e Maria Luísa Mendonça, consegue criar formas de fugir do lugar-comum. Digamos que em vez de ir pelo atalho, ele pega aquela estradinha cheia de curvas, mas com um visual mais bonito e, por que não, romântico.
As participações de Vladimir Brichta e Maria Manoella, respectivamente como o melhor amigo (Carlos) e a vizinha (Vitória) que é apaixonada por Pedro, vão além dos papéis coadjuvantes normais. Eles não são apenas os personagens que dão dicas (muitas vezes furadas) do que fazer. O desenvolvimento da história depende deles. E tem ainda a Fernanda Torres, que rouba a cena quando aparece dando dicas a Vitória, sua irmã.
Autodestrutivo, sim, o ser humano. Mas, acima de tudo, esperançoso e apaixonado. Sempre aguardando pelo príncipe encantado ou a donzela adormecida. É por isso que as comédias românticas vão tão bem nas bilheterias. Trata-se de um típico programa a dois, que segue ou antecede um jantar e algo mais. E melhor ainda quando a história consegue fugir um pouco da fórmula. Agora só falta você ir ao cinema e ser feliz para sempre. Pelo menos até o próximo pé-na-bunda.

Coração Vagabundo


Documentário sobre Caetano Veloso captura momento de mudança em sua trajetória
Eduardo Viveiros/Omelete
Um jovem e empolgado cineasta, mais um artista que tem o dom de falar sobre tudo sem (aparentemente) perder o fio da meada, divididos por uma empresária esperta e mão de ferro. É essa a equação que levanta a fervura de Coração Vagabundo, documentário sobre Caetano Veloso e primeiro longa a levar a assinatura de Fernando Grostein Andrade.
Menino prodígio, a história de Andrade e seu filme fazem a linha conto de fadas. Aos vinte e poucos anos, o rapaz chamou a atenção de Paula Lavigne (eterna empresária e então mulher de Caetano), que o agenciou como câmera de bastidores. Ou seja, para registrar um rápido making-of da turnê do cantor, que preparava o lançamento do disco de covers A Foreign Sound.
No final do caminho, dois anos depois, a história já era outra. Caetano já tinha passado por São Paulo, Rio de Janeiro, EUA e Japão, e Andrade acumulava quase 60 horas de imagens e pensatas do cantor. Nada mais natural do que aproveitar esse bom material de uma forma mais inteligente.
Apesar de algumas cruezas e maneirismos, Coração Vagabundo é uma ótima estreia, livre de grandes presunções. Andrade ainda é um cineasta em formação e documentarista sem fronteiras, mas se resolve bem com sua vontade obsessiva em percorrer o caminho de seu entrevistado. Se peca em não questionar o que Caetano diz (afinal, de certa forma, é um "filme encomendado" pelo próprio documentado), o rapaz acerta no erro: deixa o músico falar e falar e falar. Coisa que o baiano sempre fez muito bem - concorde-se ou não com o teor de suas eternas pensatas.
Auxiliado por roteiro e montagem, Caê brilha no picadeiro que foi armado sobre sua cabeça. Conta piadas, opina e discursa displicentemente sobre tudo: música americana e tropicalismos, Deus e doces de feijão, velhice, cinema e Gisele Bündchen.
Correndo por fora, Andrade tem o toque de Midas no currículo, ao registrar fantásticos depoimentos do círculo de amizades de Caetano, aproveitando para fugir do óbvio - Gilberto Gil e outros baianos não abrem a boca por aqui. Pedro Almodóvar, com quem na época o músico gravara participação no filme Fale com Ela, revela ao diretor que Paula Lavigne é uma de suas musas inspiradoras. Outro que participa, e é dono da cena mais emotiva do longa, é o falecido cineasta Michelangelo Antonioni.
Coração Vagabundo é um documentário, mas não se propõe a biografar Caetano. Muito pelo contrário, Andrade não está interessado em posterizar sua história. E é aí que está a grande força - e a rápida poesia - do longa.
As gravações (entre 2003 e 2005) focaram Caetano em um momento chave da sua carreira recente. Gravando um disco de covers em inglês - incluindo sua polêmica versão para "Come as you are" de Kurt Cobain -, ele dava o ponto de partida para sua atual faceta, com dois discos de verve roqueira sob o suvaco e uma banda mais jovem nas mãos. Ao mesmo tempo, na vida pessoal, o casamento em crise com Paula Lavigne culminava na separação do casal.
A convivência entre marido e mulher é o verdadeiro subtexto de todo o filme. É ela a primeira pessoa a aparecer na tela, abrindo a porta do banheiro para que ele apareça nu diante da câmera. Para os espectadores, o tratamento de Paula com Caetano durante todo o filme pode causar estranheza e desconforto.
Mais adiante, em um vale japonês, Caetano aparece acabrunhado. É o único momento de todo o filme em que se recusa a falar, deixando bem claro o desquite. É no mesmo país, aliás, em que o músico é totalmente desarmado - quando um monge budista diz em português tacanho que "Coração Vagabundo" é sua música preferida e o baiano não consegue reagir.
A canção que dá título ao filme é, de certa forma, a primeira gravação de Caetano (ao lado de Gal Costa no disco Domingo, de 1967). E ali, ao lado da separação de Paula, acaba encerrando um ciclo de décadas na vida do cantor. Daí pra frente, o homem virou roqueiro e tenta perseguir sua juventude transviada, a mesma do diretor que o persegue. E que, na sua afobação juvenil, nunca deve ter imaginado o quanto seu registro era providencial.

Guerra S/A Faturando Alto


Guerra S.A. Faturando Alto, se passa no fictício país do Turaquistão devastado pela guerra. Dividido por um motim contra a corporação privada Tamerlane, que apesar de ser propriedade do ex-Vice Presidente dos Estados Unidos (Dan Aykroyd), tomou conta do país buscando apenas lucro. Hauser (John Cusack), um "capataz" totalmente desequilibrado, é contratado pela empresa para matar o presidente da concorrente e para fazer isso, ele tem se passar por um produtor de eventos e organizar o casamento da maluca superstar Yonica Babyyeah (Hilary Duff). Tudo muda quando o assassino Hauser se apaixona pela sexy repórter Natalie (Marisa Tomei), que quer desmascarar os "negócios" dos ex-presidente. Quando o assunto é guerra os negócios estão bombando...

L.A.P.A.


L.A.P.A é um filme que mergulha sem filtros no universo do hip hop carioca. Mas L.A.P.A. não é apenas um filme sobre essa cena, sua jornada vai além das rimas dos MCs e traz para aos espectadores o cotidiano de quem busca sobreviver no nosso país através da música.
Transportando para a tela o outro lado do rap, os diretores de L.A.P.A. nos mostram que se à noite os MCs animam as rodas e batalhas de rap do bairro carioca da Lapa, durante o dia suas batalhas continuam em outros palcos.
Marcelo D2, BNegão, Black Alien, Chapadão, Funkero, Marechal, Aori, Iky, Macarrão e outros personagens do rap carioca cantam e contam suas histórias e levam a Lapa para além de suas fronteiras geográficas. A L.A.P.A. vai de Niterói à Irajá, vai da memória clássica do bairro, com seus sambistas e boêmios, até as festas de rap como a Zoeira e as Batalhas do Real.
Cada história pessoal cruza com a história do rap e do bairro, transformando o filme no mais atual painel dessa cultura no Rio de Janeiro. L.A.P.A. consegue ser um documento sobre essa cena musical e, em outra frente, constrói uma narrativa sobre a trajetória dos personagens que participam dessa cena atual.
L.A.P.A não pretende contar a história do rap carioca, mas através de um recorte mostra como é a vida de alguns membros dessa cultura. L.A.P.A. é a sigla do bairro, o refrão dos MCs e o filme que define um espaço e uma época na cultura carioca.

Dias E Noites


Filme gaúcho denuncia violência doméstica e faz defesa do feminismo
Marcelo Hessel/Omelete
Chega cheia de boas intenções a produção gaúcha Dias e Noites, denunciando violências domésticas e defendendo os direitos das mulheres, mas o amadorismo da realização fala mais alto.
Baseada no romance Clô - Dias e Noites, do escritor Sérgio Jockymann, a história acompanha, dos anos 40 aos 50, a sofrida vida adulta de Clotilde (Naura Schneider), desde seu casamento de conveniência com o fazendeiro Pedro (Antônio Calloni) até a luta pela guarda de sua neta. No caminho de Clotilde - que tem como pano-de-fundo desde o getulismo até a ditadura - outros homens, outras lições de vida.
De reconstituição histórica cuidadosa nos figurinos e nos cenários, com um elenco esforçado que tem o insuperável Calloni como lastro, o longa do diretor Beto Souza (Netto Perde sua Alma) peca na narrativa. Texto e imagens se sobrepõem redundantemente.
Há pouco espaço para que as imagens ganhem autonomia, por exemplo, quando surge a narrativa em off de Clotilde sempre sublinhando o que o espectador deve apreender sozinho. Montar o filme em um imenso flashback não justifica inserir tanto texto explicativo. O didatismo se estende. Só o olhar de reprovação da parteira já diz tudo, mas sempre há o texto a reiterar: "ela vai me criar problemas", "[o bebê recém-nascido] não era menino"...
O aviso no começo da sessão - "baseado em fatos" - dá o tom do filme. O que importa é a lição. A mensagem feminista para ser aproveitada na vida real está acima da construção de um universo ficcional, e Dias e Noites, se não se sustenta como arte, ao menos terá a brevidade de um manifesto.

O Visitante

Drama que teve indicação ao Oscar de Melhor Ator fala de imigração e solidão
Marcelo Forlani/Omelete
Nova York, Londres, Paris, São Paulo. Não importa a metrópole. Nesse mundo globalizado em que vivemos, muitos dos problemas se repetem em becos e guetos, onde vivem imigrantes que saíram de suas cidades em busca de sonhos, de uma vida melhor, mais cheia de oportunidades. É o caso de Tarek (Haaz Sleiman) e Zainab (Danai Gurira), ele um músico vindo da Síria, ela, uma artesã senegalesa.
Os dois estão morando em Nova York, tentando levar a vida da melhor forma possível, quando chega ao seu apartamento um estranho homem chamado Walter (Richard Jenkins). Na verdade, não demora para descobrirmos que os estranhos por ali, na verdade, são eles. Walter é o dono do lugar, que foi ilegalmente locado ao casal por um golpista. Ao ver que os dois não têm para onde ir, Walter decide ajudá-los deixando-os ficar por lá até arrumarem um novo teto onde morar.
É a primeira demonstração de sentimento de Walter, um professor universitário que vive na inércia desde a morte de sua esposa. Em contra-partida ao estilo distante do estadunidense, está o jeito sempre animado de Tarek, que passa a dar aulas de música ao seu novo senhorio, colocando naquele semblante vazio um pouco de vida. É o início de uma amizade como já se previa, daquelas que vai mudar a vida do quadradão clássico, que vai passar a ganhar mais e mais cores terceiro-mundistas e a alegria que vem de brinde.
Mas apesar de ser um projeto que prima pelos personagens e seus desenvolvimentos, há por ali muito mais do que isso. Toda a questão dos imigrantes que vivem ilegalmente no país, a burocracia que eles enfrentam, a síndrome de pequeno poder, a paranóia de achar todo mundo terrorista e até mesmo o fim do "sonho americano". Ainda vale a pena sair do seu país, onde conhece os costumes, as pessoas e você é aceito para viver em um lugar que não te quer por lá e não pensa duas vezes antes de deixar isso bem claro?
Quem faz a pergunta - e expõe algumas respostas - é o cineasta Tom McCarthy. Ele já havia demonstrado na sua estreia, o ótimo
O Agente da Estação, que entendia da arte de contar a história com silêncios. E repete a dose aqui. Mesmo que esses silêncios sejam, na verdade, em uma barulhenta estação do metrô nova-iorquino ou entre tambores africanos.
Todo o elenco principal está ótimo. Não foi à toa que Jenkins ganhou uma indicação ao Oscar de Melhor Ator e não seria injusto se Sleiman tivesse conseguido ele também um espaço no prêmio da Academia, como Coadjuvante. É contagiante a bondade que ele transmite.
Mas é com a chegada da mãe de Tarek (Hiam Abbass) que a história se completa. É um terceiro ato inesperado, que a princípio destoa do que estava sendo contado, mas alinhava esse conto urbano de uma forma magistral.


Fay Grim


Seqüência do cult de 1997 funciona melhor para quem conhece o original
Marcelo Hessel/Omelete
Dá muito bem para assistir a
O Poderoso Chefão 2 sem ter visto o primeiro. O Império Contra-Ataca, a mesma coisa. Quem perdeu o original consegue aproveitar Corra que a Polícia Vem Aí 2 1/2 por inteiro. Mas Fay Grim (2006) não tem condição. Quem conhece o cult de 1997 As Confissões de Henry Fool vai assistir a um filme totalmente diferente de quem não conhece.
Relembrando: Henry Fool (Thomas J. Ryan) era o fanfarrão que se instalou no porão da família Grim para escrever o livro que, julgava ele, tornaria obsoletos todos os paradigmas literários da época. No fim as memórias não causaram o impacto que se esperava. Pulemos nove anos. Fay Grim, a personagem-título interpretada pela musa indie Parker Posey, é a esposa de Henry Fool - que agora está morto, ou desaparecido.
Aquelas confissões que ele escreveu no filme de 1997 são o motivo do mistério. Amigos e familiares de Henry Fool sempre consideraram as confissões lamúrias masturbatórias. Acontece que o governo dos EUA, da França, terroristas árabes, ditaduras sulamericanas e a polícia secreta israelense estão atrás do tal texto. Havia algo ali que não se sabia (ou o roteirista e diretor Hal Hartley não quis contar), porque de uma hora para a outra, como diz um personagem logo no começo de Fay Grim, "Henry Fool é maior do que a vida agora".
O humor farsesco que Hartley impõe ao filme é inconfundível, mas para aqueles que estão tomando contato só agora com esse cineasta, incensado nos anos 80, a profusão de piadas internas vai passar batida. Isso sem contar os diálogos elípticos, praticamente criptografados, que fazem referência a eventos anteriores e podem enervar o espectador mais ávido por entender logo que diabos de mistério é esse.
O que nos leva a uma questão muito pontual: Fay Grim tem algo a oferecer para os não-iniciados? Tem. Melhor dizem, Parker Posey tem. Graduada em mímica e veterana de piadas internas (o cinema indie não é, em si, também uma grande farsa?), Posey consegue transformar a epopéia abnegada de sua personagem pela verdade em algo que transcende o mundinho de Hartley.
A forma como seu penteado foge do controle, como sua coxa branca deixa-se mostrar numa cena de correria, como seus dedos manipulam um curativo, o jeito de Parker Posey contar até 20, a respiração sem fôlego que parece ser ao mesmo tempo muito verdadeira e muito forçada. É esse equilíbrio teoricamente impossível entre o sublime e o aborrecido o segredo da atriz. E por ela vale a pena conhecer Fay Grim.

Mil Anos De Orações


Cultura e família pelos olhos de Wayne Wang
Érico Borgo/Omelete
Uma pesquisa rápida e superficial sobre Wayne Wang pode fazer a maioria torcer o nariz imediatamente, já que em 2003 ele cometeu o bobo
Encontro de Amor. Mas o diretor chinês merece um olhar muito mais interessado, que vá além da comédia romântica que enterrou sua carreira mainstream.
Wang, afinal, é um ótimo diretor de atores e seu crédito é altíssimo, já que são dele os dois ótimos filmes-de-cigarro Cortina de Fumaça e Sem Fôlego (ambos de 1995) e o aclamado O Clube da Felicidade e da Sorte (The Joy Luck Club, 1993). Esse último, aliás, divide alguns temas com seu novo filme, Mil Anos de Orações (A Thousand Years Of Good Prayers, 2007).
O novo trabalho é também o mais sensível e maduro da Wang. De cara, a primeira cena já nos prepara para tanto: nela vemos malas caindo, uma a uma, na esteira rolante de um aeroporto nos Estados Unidos. Qualquer pessoa que já tenha viajado alguma vez na vida sabe a importância desse momento - é seu primeiro contato com uma nova cultura e pode ser ótimo (sua mala chega) ou um verdadeiro pesadelo (a bagagem extraviou). Por sorte, a mala do Sr. Chi (Henry O) está ali e, com a ajuda da filha (Faye Yu) que ele não via há vários anos, ele pode entrar tranquilo nos Estados Unidos, vindo da China. "Vim para ver o país em que você vive feliz", explica.
Imediatamente, porém, nota-se certo desconforto entre pai e filha. A tensão é desenvolvida nos silêncios do jantar, na maneira como ela levanta-se correndo da mesa para atender ao telefone, na ligação que ela não faz para avisar que chegará mais tarde... E cabe ao velhinho, engenheiro de foguetes aposentado, ex-membro do partido comunista, passar o tempo como pode, lutando com o aparelho de CD, vasculhando as gavetas, cozinhando, passeando no parque. É no espaço verde, aliás, onde ele conhece uma senhora iraquiana. Ele mal fala inglês, ela quase que só fala farsi, mas a comunicação é imediata e profunda. Dessas conversas ele tira coragem para discutir sua relação com a filha... e entender as razões da infelicidade dela.
A belíssima fotografia de Patrick Lindenmaier cuida para que cada momento tenha atrativos suficientes para manter a atenção - seja na meia-luz da sala da filha ou no bem iluminado parque. E a tensão familiar é tão bem construída que, aos poucos, naturalmente, vamos entendendo as raízes do problema e dividindo as angústias de pai e filha - buscando, como eles, a difícil reaproximação.
Wang, adaptando o romance de Li Yiyun, realiza assim um drama meticuloso, introspectivo, com ritmo lento mas cuidadoso, sem perder o interesse em momento algum. As diferenças (e semelhanças) entre China e Estados Unidos são exploradas com sutileza emocionante. Do fato do Sr. Chi atravessar o globo carregando sua wok para cozinhar, à insistência da filha em soltar frases em inglês durante as discussões ("quando se fala outra língua se é outra pessoa, é mais fácil expressar seus sentimentos"), à busca do frágil senhor por um lugar no mundo, ao hilário paralelo entre as profecias de Joseph Smith e os escritos de Marx e Engels... Mil Anos de Orações é um filme terno, modesto e inesquecível.