terça-feira, 27 de outubro de 2009

Encurralado


Antes de virar o nome mais conhecido da indústria cinematográfica e se tornar um dos 100 homens mais ricos do mundo, Steven Spielberg era apenas um cineasta aspirante, com muitas idéias, mas com pouco espaço dentro dos estúdios. Até que a NBC, em 1971, entregando um orçamento minúsculo, pediu para ele dirigir um telefilme que não poderia passar dos 75 minutos de duração. O trabalho sobre condições precárias marcava o surgimento de um mestre. Um exercício competente e contagioso.
Sendo obrigado a terminar o trabalho em curtíssimo espaço de tempo, o jovem Spielberg, preferindo filmar em locações reais, ao invés de filmar em estúdio, utilizou todos os precários recursos de maneira tão eficaz que a aventura de acompanhar um filme aparentemente sem história alguma acabou se tornando um exercício cinematográfico delicioso. Roteirizado por Richard Matheson (que viria a se tornar seu fiel colaborador, juntamente com o músico John Williams e o fotógrafo Janusz Kaminski), Encurralado, apesar de parecer apenas uma brincadeira de Spielberg, oferece diversão de qualidade.
A trama é tão simples como a receita de um bolo de chocolate. Aqui, o chocolate é o caminhão de um motorista psicótico (que nunca tem seu rosto mostrado) que, subitamente, resolve perseguir David Mann (Dennis Weaver), quando este o ultrapassa na estrada. O que parecia ser apenas uma brincadeira de mau gosto começou a se mostrar uma verdadeira perseguição implacável, onde David não poderia nem respirar sem que o barulho estrondoso do gigantesco caminhão que o persegue soar ao pé do seu ouvido.O duelo que o título original - Duel - faz referência, representa uma grande analogia aos clássicos de Sergio Leone protagonizados por Clint Eastwood. Na verdade, as batalhas épicas vistas em clássicos do diretor como Era Uma Vez No Oeste e Por um Punhado de Dólares (filme que fez o mundo conhecer Clint), funcionam perfeitamente aqui. O duelo que vemos na tela é absurdamente verossímel, tanto que assusta. Trata-se de uma batalha onde nunca sabemos quem sairá vencedor. A perseguição que Spielberg dirige com categoria não tem ambição alguma, o que o diretor queria era apenas entreter. De fato, o que vemos em Encurralado é uma sucessão de ângulos vazios e de câmera tensa, o que acaba deixando o espectador preso na cadeira.Encurralado consegue ser tão bom quanto grande parte dos filmes que o diretor entregaria ao longo de sua carreira. A tensão criada pelo diretor que faria Tubarão é viciante. O roteiro de Matheson não tem construção de personagens ou subtramas, é objetivo até o último minuto. Apesar de simples, o texto parece ter sido pincelado enquanto o roteirista sofria de um ataque de risos, tamanha é a determinação do autor em fazer o público rir de tensão. Matheson e Spielberg escondem o mistério até o final, mas até lá o espectador já sofreu um bom bocado tentando imaginar o que acontecerá, ou quem vencerá aquela batalha de sangue.A direção vigorosa de Spielberg e a opção de Matheson de nunca mostrar o rosto do motorista do caminhão (o que vemos é apenas a silhueta bandidão) fazem de Encurralado um trabalho admirável, mostrando que grandes diretores surgem trabalhando com pouco mas criando muito. E criatividade foi o que não faltou aqui!

http://cinefilia.net/index.php?option=com_content&view=article&id=84:encurralado&catid=17:nba&Itemid=9

A Trapaça

A Trapaça foi o título em português de “O Enganador” (Il Bidone, 1955), o segundo filme da trilogia(A Estrada da Vida, As Noites de Cabíria). Desta vez temos Augusto, um vigarista que aplica um golpe vestido de padre. O enredo representa uma variação da estória cristã do bom ladrão, o personagem perto do Cristo crucificado, trançando a queda de Augusto num inferno pessoal através de cinco dias jogos de confissão (a partir dos quais ele aplica os golpes nos crentes) e um remorso crescente.
Àngel Quintana lembra que os personagens desse filme parecem um prolongamento dos parasitas de Os Boas Vidas (I Vitelloni, 1953). Augusto se fantasia de bispo, enquanto seu comparsa Picasso se veste de padre. Eles convencem as vítimas a entregar suas economias e heranças pelo bem de suas almas – qualquer semelhança com o Brasil atual é mera coincidência. “Por um lado, Il Bidone [A Trapaça] parece ser um drama a respeito da enganação reinante no mundo contemporâneo, do outro, o filme se apresenta também como uma interrogação sobre o que é uma crise existencial e sobre o medo do futuro”.
Fellini propõe uma reflexão sobre a velhice e seus medos. Augusto está na metade de sua vida, quando reencontra a filha que ele abandonou, percebe que não poderá redimir-se dos erros do passado e se vê preso numa teia de mentiras para si mesmo. Suas próprias mentiras o impedem de agir, mergulhando-o em desgosto. Como Zampanò, Augusto é vítima da dor que infligiu aos outros. Seu fim é trágico, abandonado por seus comparsas, agoniza numa terra deserta – com os braços abertos como o Cristo na cruz. Augusto busca uma redenção, mas é em vão. Seu calvário é aquele do homem que grita no deserto .
Quando de sua estréia no Festival de Cannes de 1955, A Trapaça gerou uma grande polêmica e Fellini foi obrigado a fazer um corte de vinte minutos (6). O cineasta só voltaria ao Festival em 1969, com Satyricon. Seu próximo filme As Noites de Cabíria (Le Notte di Cabiria, 1957), também esteve envolto em problemas. Desta vez o problema foi a concomitância entre um filme sobre uma prostituta e a polêmica sobre a legalização da prostituição que se desenrolava na Itália. Os setores católicos que apoiaram o começo da carreira de Fellini foram se afastando do cineasta (7). No final das contas, a legalização foi banida em 1958. Fecharam-se então os bordéis inspecionados pelo Estado e que tiveram grande influencia na educação sexual de homem italiano da geração de Fellini.

http://cinemaitalianorao.blogspot.com/2008/04/fellini-e-trilogia-da-salvao.html

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A Criada

Comédia premiada em Sundance mistura sem meio termo drama pessoal com filme-de-maníaco
Marcelo Hessel/Omelete
Vencedor dos prêmios de melhor filme de ficção e melhor atriz no Festival de Sundance deste ano (na categoria de filmes em língua estrangeira), A Criada (La Nana) tenta se equilibrar entre a comédia cruel e o drama humanista. Sai-se melhor no primeiro, mas aposta suas fichas no segundo.
A empregada do título, Raquel (vivida no limite da caricatura pela premiada Catalina Saavedra), começa o filme celebrando, com bolo, o seu quadragésimo-primeiro aniversário. Quer dizer, a família da patroa comemora, e a criada insiste em limpar tudo depois, apesar da revolta da dona da casa. Todos ali tratam Raquel como parte da família, há quase duas décadas.
E esse é o problema da criada - ela trata o filho mais velho como se fosse seu amado, judia da filha como se fosse sua, porque a rotina de horários da casa é sagrada, e expulsa outras empregadas que invadem seu terreno. Raquel abriu mão de sua identidade (e da sua própria família) para servir os outros, e até em seus dias de folga, quando faz compras, tenta replicar a vida alheia que assiste todo dia.
Essa premissa, que o diretor chileno Sebastian Silva aproveitou neste seu segundo longa-metragem para homenagear as próprias empregadas com que cresceu quando era jovem, rende momentos, como já se disse, de humor despudorado: o novo gato da casa, a empregada rival peruana e a veterana criada da mãe da patroa sofrem na mão de Raquel, em cenas que evocam o lado mais anedótico dos filmes-de-maníaco.
O despudor se estende para a porção dramática - porque, afinal, Raquel é a protagonista e uma hora terá que lidar com os rumos que sua vida tomou, em busca de uma redenção. Silva tem predileção especial por filmar Catalina Saavedra nua, ou em close-ups agressivos que fazem notar a papada e a pele ruim do rosto da atriz. É assim que A Criada transita da comédia para o drama, na base do constrangimento.
O diretor demonstra em alguns momentos que consegue intercalar o drama com o humor de forma sutil (como quando o marido pega os tacos de golfe ao fundo, enquanto as mulheres têm conversa séria no primeiro plano), mas sutileza não é o forte de Sebastian Silva. E aí gostar ou não do filme é mais uma questão de tolerância com a maneira como ele maltrata, travestido de carinho, a personagem principal.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo


Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo abriu, na noite desta sexta-feira (25/09), a Première Brasil, seleção do Festival do Rio destinada aos filmes nacionais. Quando subiram os créditos, a plateia que encheu o Cine Odeon – na sua maioria, convidados – aplaudiu fervorosamente o filme.Um longa que demorou cerca de dez anos entre a gestação e a primeira exibição, que ocorreu no Festival de Veneza, na programação da mostra Horizonte. Um filme que ainda parece estar em aberto e que pode se desdobrar em obras futuras.Marcelo Gomes marcou com uma história sobre a amizade no sertão, Cinema, Aspirinas e Urubus. Já Karim Aïnouz, o codiretor, falou sobre a perda e o amor (também no sertão) em O Céu de Suely. Juntos, desta vez abordam o movimento, do urbano ao interior.Um personagem fictício, o geólogo José Renato (voz de Irandhir Santos) sai de algum lugar em direção ao interior do Brasil para estudar a viabilidade de um canal que, supostamente, traria progresso. Ao longo do caminho, um mundo é descoberto pelo personagem e narrador. Sempre na via sentimental, relacionando-se com suas experiências e com o que ele deixou para trás ao embarcar na viagem.Muito do que está na tela vem do campo dos sonhos, da imaginação e do sensorial. Do emocional e não do racional. Antes de ser um documentário sobre a vida de brasileiros em rincões, Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo é sobre como José Renato (que mais se parece alterego de Gomes e Aïnouz) se relaciona com esse mundo.É um filme que fala sobre movimento, não apenas de seu protagonista, mas também de seus realizadores. O mais instigante é imaginar o que virá dos diretores após um filme que está em aberto.

Os Famosos e os Duendes da Morte


Finalmente um filme que dá voz aos emos e aos miguxos
Marcelo Hessel/Omelete
Primeiro longa-metragem do diretor paulistano Esmir Filho, diretor do hit online Tapa na Pantera e figura constante em festivais com seus
curtas, Os Famosos e os Duendes da Morte transforma aqueles miguxos que tiram autofoto sem camisa com a webcam em uma expressão superior de arte, o que não é pouca coisa.
Acompanhamos, em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, o drama de um adolescente (vivido pelo ator local Henrique Larré) que bloga com o nome Mr. Tambourine Man. A fixação por Bob Dylan se estende ao Flickr e aos vídeos que ele segue, postados por uma morena de cabelos finos que assina como Jingle Jangle (outra referência à música de Dylan).
No MSN, instigam o garoto a conhecer o mundo. E o jovem Sr. Tamborim não vê mesmo a hora de ir embora.
Há um mistério cercando a trama, e ele começa a se revelar quando descobrimos que aquelas pessoas que o Sr. Tamborim vê no YouTube não são estranhas em sua cidade. Ademais, falar de trama é um pouco complicado. O que Esmir Filho nos dá, inspirado no romance de estreia do escritor Ismael Caneppele, Música para Quando as Luzes de Apagam, é um relato sensorial (ou uma viagem de erva, se você preferir), beirando o realismo fantástico, sobre projeções, idealizações e outras ficções que criamos para preencher nossos vazios.
A mãe do Sr. Tamborim tem uma ficção muito comum: para superar a viuvez, ela conversa com o seu cachorro como se fosse um filho. De certo modo, a ficção do adolescente também é usual: espelhar-se no ícone da música (o "famoso" do título) para imaginar uma vida melhor, cheia de poesia, onde ele possa compreender sua ambiguidade sexual, longe daquela cidadezinha de eventos coletivos e ancestrais como a festa junina e os suicídios.
É aí que Os Famosos e os Duendes da Morte dialoga com a geração que não acredita na Internet como um passatempo, mas como uma opção existencial.
Os devaneios emos do Sr. Tamborim são filmados com aquela mão pesada de cineasta que quer preencher todos os vazios do enquadramento com muitos significados, emulando um Paranoid Park, mas Esmir Filho deixa a sua marca quando mistura o granulado do vídeo online com o real. É o YouTube visto como passado e presente, o registro ao mesmo tempo efêmero e definitivo da existência. (!!)

Um Olhar No Paraíso


[The Lovely Bones, EUA/Reino Unido/Nova Zelândia, 2009], de Peter Jackson (Paramount). Gênero: drama. Elenco: Mark Wahlberg, Rachel Weisz, Susan Sarandon. Sinopse: Após ser brutalmente estuprada e assassinada, menina assiste os efeitos de sua morte se abaterem sobre sua família: enquanto sua irmã começa a se tornar a mulher que ela nunca será, seu pai fica obsecado com a idéia de vingança. Estréia Nacional: 22/01/2009

Vício Frenético

Werner Herzog encontra no surtado Nicolas Cage a expressão perfeita do caos
Marcelo Hessel/Omelete
Filmes do alemão Werner Herzog, como o recente
O Sobrevivente, reforçam a ideia de que o ambiente molda o homem, e a este resta medir forças diante da completa assimilação. No caso de Vício Frenético (Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans), remake do longa homônimo de Abel Ferrara, o contexto já é dado desde o começo, com uma cartela informativa: "pós-Furação Katrina".
Podemos esperar, portanto, que locações em Nova Orleans e arredores, com suas águas batendo no pescoço e casas em ruínas, transfiram para o comportamento dos personagens o estado de caos que tomou a Louisiana depois da tragédia de 2005. Como se a presença de Nicolas Cage já não fosse prenúncio suficiente de caos.
Ele interpreta o personagem do título, Terence McDonagh, recém-promovido a tenente. Um caso de chacina toma sua atenção, seis meses depois da passagem do furacão: uma família de imigrantes senegaleses foi assassinada, e suspeita-se de envolvimento dos traficantes de droga da vizinhança. Enquanto a investigação se desenrola, Terence tem seus próprios problemas para resolver. Pra começar: dívidas de apostas, dores nas costas, abuso de drogas e um pai que está querendo parar de beber.
Cineasta não dado a comedimentos, Herzog incentiva os surtos de Cage. Numa entrevista, perguntado porque atuava "over the top" (com exagero), o ator soltou uma boa: "Não entendo essa expressão... Acima do topo... Topo do quê?". Overacting à parte, o fato é que o antinaturalismo é essencial para que Herzog trabalhe o estado físico e mental do mau tenente como um conto sobre a desordem social e moral.
E aí vai muito da sensibilidade do espectador. A postura de Cage, de quem parece vestir um terno sem tirar o cabide, pode ser genial ou ridícula, dependendo do gosto de cada um, assim como a obsessão de Herzog por personagens reptilianos. Só não dá pra acusar o diretor de displicência: a marcação de cena e os enquadramento que sempre deixam o tenente à vista (nem que seja refletido no canto de um espelho) são obra de quem sabe o que está fazendo.
Vício Frenético não é o melhor trabalho do alemão, mas está dentro da sua fértil linhagem de histórias que propõem questões bem interessantes sem, em momento algum, abrir mão do filme de gênero. Temos aqui um longa-metragem policial com subtramas amarradas e viradas divertidas, e temos também uma bela análise de como o caos, na tentativa de se reordenar, comporta não só convicções éticas (ou religiosas, ou místicas), como lufadas de sorte e acaso.

Leonera


Filme com Rodrigo Santoro foi o escolhido da Argentina para tentar vaga no Oscar 2009
Marcelo Hessel/Omelete
Em uma das cenas mais tocantes de
Do Outro Lado da Lei (2002), a polícia de Buenos Aires comemora o Ano-Novo com muitos tiros para o alto, mesmo sabendo que o estoque de munição é escasso no dia-a-dia. Em Leonera (2008), na mesma época do ano, vemos subir os fogos de artifício, mas eles estão muito além do muro do presídio.
Essa melancolia, também presente em outro filme do diretor argentino Pablo Trapero já exibido no Brasil,
Família Rodante, é um sentimento portenho acima de tudo. Tem a ver com o tango: encenar um espetáculo (os fogos, as festas, o drama da dança) para dar conta de um sofrido estado de espírito. Nessa linha quem-canta-seus-males-espanta, a música infantil que abre Leonera faz todo o sentido. É um filme de gosto agridoce que celebra a vida, ainda que conte uma história de morte.
Morte num sentido literal e também figurativo. Julia (Martina Gusman) está sendo presa com a acusação de matar o namorado em uma situação incerta, que também envolve o suposto amante (Rodrigo Santoro) do namorado. A perspectiva, se condenada, é que fique uns oito anos encarcerada no presídio feminino local - a morte simbólica. Acontece que Julia está grávida, então vai parar numa ala que mais parece uma creche. Ali há alegria e melancolia em tudo - a começar pelas paredes cinzentas de concreto, coloridas com os rabiscos das crianças.
"Leonera", em espanhol, é o lugar onde se mantêm os leões. No caso, as leoas. Trapero mais uma vez despudoriza os corpos, atrás de extrair significados, e é uma imagem forte ver o barrigão de Julia no chuveiro do presídio. Não é o caso, no entanto, de um cineasta que se encanta com o próprio talento. Quando arruma uma imagem que transborda simbolismo - como o filho que brinca se balançando na grade da cela - Trapero ainda assim mantém o plano com uma duração econômica. Não corta rápido demais a ponto de perdermos o significado, e não se alonga a ponto de explorar a imagem em "proveito próprio".
Essa humildade, podemos chamar assim, com que Pablo Trapero conta histórias acessíveis, com narrativas clássicas, mas forradas de signos, é o que lhe tem rendido reconhecimento. Não por acaso, a Videofilmes de Walter Salles é uma das produtoras de Leonera, que foi exibido em Cannes 2008 e pontua uma trajetória iniciada com o prêmio da crítica no Festival de Veneza em 1999, com Mundo Grúa. Os filmes de Trapero são do mundo, falam de temas universais - e não deixam de ter coração portenho.

Simplesmente Feliz


Mike Leigh pega leve e faz comédia em seu novo psicodrama
Marcelo Hessel/Omelete
Em
Melinda e Melinda, Woody Allen precisou dividir um filme em dois para demonstrar que há tristeza na comédia e que a tragédia pode ser engraçada. Mike Leigh se sai melhor contando uma única história, em Simplesmente Feliz (Happy Go-Lucky, 2008).
Conhecido por seus pesados dramas familiares, em que os roteiros nascem de intensos ensaios colaborativos com o elenco, Leigh parece ter concebido Simplesmente Feliz num fim de semana de sol, sozinho, para desanuviar - a começar pelos letreiros de abertura, cor-de-rosa, embalados por um trombone de pantomima.
Vivida pela ganhadora do
Globo de Ouro Sally Hawkins, Poppy tem sua bicicleta roubada logo nessa primeira cena de abertura, mas só a entristece o fato de não ter podido se despedir. Poppy não reclama da vida. É uma professora de pré-escola que só veste roupa leve e salto alto, se exercita numa cama elástica, enche a cara com as amigas, faz flamenco. Quando passa numa livraria e vê na estante Road to Reality, já diz logo que esse não é seu tipo de livro.
É numa suspensão de realidade, afinal, que vive a saltitante Poppy, soltando piadas que não querem fazer mal, tirando sarro da própria dor nas costas provocada pela ginástica. Por ter sua bicicleta roubada, Poppy começa a fazer aulas de direção, e apesar das reclamações do instrutor é com seu típico desprendimento que ela assume o volante. A protagonista de Leigh, afinal, é simplesmente feliz.
Ainda que o roteiro arme situações dramáticas com um certo esquematismo, mais para testar Poppy do que para construir um conflito - a viagem para ver a irmã, o problema do aluno, as reclamações das amigas, o encontro com o mendigo -, Leigh sempre mantém de Sally uma distância respeitosa o suficiente para impedir que Poppy caia na caricatura. É uma personagem dificílima de construir, e tanto o diretor quanto a atriz merecem elogios por mantê-la crível aos olhos do espectador.
A partir dessa distância, então, o diretor consegue nos mostrar o que há de triste na felicidade de Poppy (a forma como ela absorve sem reclamar a infelicidade dos outros, tanto que se espanta quando acha um homem "descomplicado") e o que há de cômico no drama (o choro da professora de flamenco, os arroubos de preconceito do instrutor de direção). Como diz o título de um filme de Leigh de 1990, a vida é doce - mas há momentos em que ela ameaça azedar.
No fim das contas Simplesmente Feliz tem uma estrutura bem parecida com a de outros filmes do diretor. O teste de resistência das convicções de Poppy é, tomadas as devidas proporções, similar ao que encara
Vera Drake, e a ebulição de uma relação incomunicada (como em Segredos e Mentiras e Agora ou Nunca) rapidamente se torna o nervo principal da trama. A diferença é que a imersão nessa nova terapia de grupo de Mike Leigh pode até deixar o espectador renovado ao fim da sessão, e não extenuado, como de hábito.

A Valsa Com Bashir


Depois de Persépolis, mais uma animação traz para perto as guerras no Oriente Médio
Marcelo Hessel/Omelete
Depois de
Persépolis, mais uma animação européia vem nos mostrar como as guerras no Oriente Médio podem dizimar a inocência da juventude. Waltz with Bashir (Vals im Bashir, 2008) opta pela animação porque as imagens da Guerra do Líbano - especificamente o massacre nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, em setembro de 1982 - são fortes demais para o live-action.
Bashir Gemayel é o nome do líder libanês morto naquele ano, em setembro, numa explosão em Beirute, apenas um mês depois de ter sido eleito presidente do país pelo parlamento. A resposta ao atentado palestino foi desmedida: com apoio do exército israelense, a milícia cristã Falangistas, que tinha Bashir como ídolo, invadiu os dois campos a oeste de Beirute e deixou - dependendo do lado do conflito em que você escolha acreditar - de 328 a 3.500 mortos.
O diretor de Waltz with Bashir, Ari Folman, era um desses jovens israelenses convocados pelo exército para ajudar os libaneses a conter o avanço da OLP no país. No início do filme, Folman (que já dirigiu na vida real dois longas em live-action e aqui se aventura pela primeira vez na animação) diz que fazer filmes tem sido a sua terapia - tanto que ele não se lembra de 1982. Ao ouvir o testemunho atormentado de um velho amigo, porém, Folman aos poucos começa a repassar de memória imagens da guerra.
Do ponto de vista técnico, temos uma animação que flui melhor nas cenas mais agitadas. Na hora de se voltar para os diálogos de personagens face a face, os movimentos ficam mais mecânicos, como se o filme tivesse sido feito em uma rotoscopia truncada.
Estética de lado, os melhores momentos do filme, assim como os melhores de Persépolis, fazem a crônica de uma juventude que flerta com valores ocidentais - o rock, o cosmopolitismo de Beirute, a ironia no trato da imagem de Gemayel - mas que é chamada a combater em nome da religião que ela herda há gerações. Waltz with Bashir cresce nesses instantes, mas a crônica não é seu foco principal. À medida que Folman vai deixando de aparecer e os "talking heads", os entrevistados, ganham mais espaço, o longa se torna mais um documentário de denúncia.
Não deixa de ser uma limpeza de consciência. Apoiado pelo diretor dos animadores, Yoni Goodman (cujo nome é incensado no site oficial do filme mas não aparece nos créditos principais na telona), Folman se exime da responsabilidade pelo massacre de duas formas. A primeira, muito pontual: colocando em cena um psicólogo que diz que Folman não teve culpa no episódio, já que apenas serviu de apoio aos Falangistas e não puxou gatilhos. A segunda, estrutural: transformando Waltz with Bashir, de relato pessoal, em documentário impessoal.
Como denúncia, Folman faz bem o serviço, ao conseguir de um dos entrevistados a declaração de que o então Ministro da Defesa de Israel, Ariel Sharon, tinha conhecimento do massacre. Como expiação de culpa, depois de ter começado bem (a imagem dos sinalizadores no céu é muito boa, assim como os belos olhos azuis de Folman diante da tragédia), flertando até com o onírico, resulta incompleto.

A Floresta dos Lamentos


Um belo filme japonês sobre luto e sobre o poder redentor da solidão e da natureza
Marcelo Hessel/Omelete
Em tradução literal, o nome em inglês de Mogari no Mori (2007), The Mourning Forest, significa "floresta do luto". Mas não há como ignorar a poesia da versão em português, A Floresta dos Lamentos. Porque com o formidável trabalho de som e fotografia do filme da japonesa Naomi Kawase, vencedor do Grande Prêmio do Festival de Cannes ano passado, o vento que embala a tal floresta parece mesmo uma elegia.
A princípio, Machiko (Machiko Ono) não sabe chorar a sua dor. Depois de perder um filho, ela vai trabalhar em um asilo de idosos no meio do campo. Lá, passa a cuidar de um senhor, Shigeki (Shigeki Uda), que há 30 anos sofre a morte da sua esposa, Mako. Apenas uma sílaba separam os nomes das duas mulheres, e Shigeki precisa de cuidados como uma criança. É por instinto, mais do que necessidade, portanto, que a enfermeira e o velho se aproximam.
No dia do aniversário de Shigeki, Machiko o leva para passear de carro, mas um acidente faz com que eles se percam. Estamos na metade do filme, e não convém detalhar mais da história.
Inevitável é comentar como Kawase usa de artifícios simples para transformar a floresta do título em um cenário transcendental (um cenário, se interpretarmos que o funeral que abre o filme é o de Mako, que permaneceria imutável com as décadas, indiscernível, não fosse a presença do homem). O artifício básico é contrapor o cinema de montagem - as internas no asilo são imediatistas, quase só plano e contraplano - versus o plano-sequência, que toma conta do filme depois da metade.
É com a câmera em movimento e poucos cortes, em panorâmicas e close-ups, que a cineasta nos permite acompanhar a dança de redenção de Machiko e Shigeki. A longa duração dos planos e a fluência da câmera no meio do mato dão um tom de importância, ou mesmo de ritual, a essa imersão na floresta. E ali, entre chuva e choro, é que o luto se consuma.
Não por acaso, no último plano do filme, Kawase tira a câmera do lado do rosto de Machiko e vai lá pra cima, quase na copa das árvores, enquadrá-la em plongée, de cima pra baixo. Há um sentido de divino, de místico, nesse primitivismo que A Floresta dos Lamentos sugere, e não é todo filme que, a partir de uma mise-en-scène minimalista, consegue almejar e chegar a um resultado poderoso assim.

A Partida


Estreia o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2009
Marcelo Hessel/Omelete
É chato ficar julgando filmes pelo simples fato de terem ganhado um
Oscar, mas não há maneira mais direta de sintetizar o drama A Partida (Okuribito, 2008) do que dizer que é um típico vencedor da categoria Melhor Estrangeiro: uma história simplificada para ter apelo universal.
Daigo (Masahiro Motoki) é um violoncelista que perde o emprego numa orquestra de Tóquio e decide voltar para o interior, ao lado da esposa, para a cidade onde cresceu. Lá, arruma um emprego que atrai o preconceito de muita gente: Daigo é encarregado de preparar os mortos para seus funerais.
Não é um processo químico que se pega com a prática, como no seriado A Sete Palmos. No Japão secular o trabalho de Daigo tem muito mais a ver com ritual: maquiar e vestir os corpos, diante da própria família em luto, de um jeito que os faça corados e aprumados, como em vida.
É evidente o arco que o diretor Yôjirô Takita e o roteirista Kundo Koyama querem criar para Daigo: um jovem em conflito com perdas do seu passado, um órfão que perdeu a oportunidade de velar os seus e de repente aprende a velar os dos outros. A simplificação oscarizável é justamente essa... Sabemos exatamente quem é Daigo, de onde ele vem e para onde vai, qual o tamanho do caroço no peito que o impede de chorar etc. A única pessoa que não sabe é o próprio personagem.
E aí tome plano "artístico" do músico tocando ao ar livre no pôr-do-sol... Takita chega ao cúmulo de mostrar Daigo mexendo num polvo quase morto para ilustrar que o personagem, no começo de sua jornada, talvez não tenha "dons manuais". Que o ator principal se comporte como um cômico de TV só realça essa plastificação do drama.
Não é um filme de todo desprovido de sutilezas. Ao longo de A Partida, Takita tece comentários sobre outros aspectos da rotina dos velórios - a religiosidade dos clientes em oposição ao respeito que Daigo e seu chefe têm unicamente pelo momento do rito religioso, por exemplo. Percebe-se que o diretor tem olho para as pequenas coisas, mas o peso da "grande história" as sufoca.
Se é um exame sensível do luto que o espectador procura, recomenda-se outro filme japonês contemporâneo:
A Floresta dos Lamentos. É um filme já exibido em mostras que inexplicavemente permanece inédito no circuito - e que jamais levaria o Oscar.

Marco Zero


O filme narra a história de três amigos que são alistados ao mesmo tempo. Antes de se apresentarem ao exército, eles passam trinta dias discutindo sobres seus valores, confrontado com tudo que eles acreditam sobre amizade, amor, dever e honra. Escrito por Robert Malkani e dirigido por Bryan Gunnar Cole, o longa é traz Elijah Wood, Chris Klein e Jon Bernthal como os três amigos alistados. O restante do elenco é formado por Ginnifer Goodwin, Ally Sheedy, Elisabeth Moss e Sofia Vassilieva.

Cinzas Do Passado


Versão restaurada do quarto filme de Wong Kar Wai é seu único trabalho no gênero das artes marciais
Marcelo Hessel/Omelete
Em 1994, seis anos antes de O Tigre e o Dragão transformar os populares filmes de artes marciais chineses em artigo "de arte" para as massas no Ocidente, o diretor Wong Kar Wai estreava seu primeiro e único filme do gênero, Cinzas do Passado. Com o relançamento agora da versão redux, restaurada, é curioso comparar com os Zhang Yimou da vida e identificar como o gênero wuxia foi sendo simplificado nos anos 2000 para cair no gosto do público estrangeiro.
Wuxia é o nome dado ao subgênero de filmes de ação que ambienta novelas de cavalaria na China antiga. "Wu" vem de wushu, "arte marcial", enquanto "xia", ou "honorável", é o código de conduta dos cavaleiros errantes chineses. Cinzas do Passado pega emprestado da literatura de Jin Yong (pseudônimo de Louis Cha) dois desses personagens para estabelecer um painel poético da complexa relação que o wuxia monta entre natureza, homem, ética e filosofia.
Os dois personagens, os espadachins Ouyang Feng (Leslie Cheung) e Huang Yaoshi (Tony Leung Ka Fai), se encontram todo ano, a cada primavera, para dividir histórias. Desta vez, Huang traz um presente que ganhou de uma mulher: um vinho mágico que apaga memórias de quem o bebe. Ouyang recusa. Huang mal entorna a bebida e sai desabalado atrás da mulher - ainda que suas lembranças já tenham sido imediatamente esquecidas.
A cada estação do ano que se segue, acompanhamos Ouyang e descobrimos as causas e consequências daquele estranho ato de Huang. Um espadachim quase cego, uma mulher de dupla personalidade, um habilidoso mas displicente manejador de sabre e uma jovem atrás de ajuda cruzarão o caminho de Ouyang - que já não aceita contratos como espadachim muito por conta de uma desilusão amorosa indiretamente provocada por Huang.
O jianghu (literalmente, "rios e lagos"), universo mítico onde se passam as novelas wuxia, já é naturalmente um cenário propício para alegorias bucólicas envolvendo a imensidão do deserto ou o bailado de florestas ao vento. Nas mãos de Kar Wai, essas possibilidades se amplificam. Basta ver as constantes projeções de luz nos rostos dos atores para perceber que o cineasta dos estilizados
Dias Selvagens, 2046 e Um Beijo Roubado já era naquele tempo adepto dos exageros.
Uma obsessão constante na carreira de Kar Wai são as desilusões amorosas, e Cinzas do Passado não foge da sina. Mais do que um filme de artes marciais - com lutas esparsas, filmadas com arrojo mas sem grandiloquência nem wire-fu - trata-se de uma história de paixões (Kar Wai já enquadrava em 1994 o rosto liso de sua musa Maggie Cheung com afeto). A restauração é, enfim, uma sessão aconselhável tanto para quem aprendeu a gostar de Kar Wai depois de Amor à Flor da Pele (2000) quanto para quem procura um wuxia pré-pasteurização.

Procedimento Operacional Padrão


Novo documentário de Errol Morris revisita as imagens de Abu Ghraib
Érico Borgo/Omelete
No segundo semestre de 2003, foram reveladas centenas de imagens internas da prisão de Abu Ghraib, no Iraque. As fotos, tiradas por três câmeras dos próprios soldados aquartelados no local, registravam de maneira humilhante quadros de abuso de prisioneiros e tortura física e psicológica.
Quando alcançaram o público as cenas provocaram revolta mundial. Mais que um registro de atrocidades, elas colocavam em xeque a já abalada imagem dos Estados Unidos da América como "polícia do mundo". Eram, afinal, prova de um discurso mentiroso, de um país que dava às costas para a Convenção de Genebra enquanto realizava sua guerra de vendetta particular, erroneamente motivada pelo 11 de Setembro.
Responsabilidades do caso já haviam sido discutidas no documentário
Fantasmas de Abu Ghraib (Ghosts of Abu Ghraib, 2006). Agora, o assunto volta à pauta em Procedimento Operacional Padrão (S.O.P. Standard Operating Procedure), filme vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim 2008.
Com os responsáveis já devidamente identificados, o novo documentário busca os porquês. Em entrevistas com quase todas as pessoas que tiraram as fotos que chocaram o mundo - e posaram nelas -, especialistas em imagens digitais e interrogadores profissionais,o excelente e
polêmico documentarista Errol Morris (Sob a Névoa da Guerra) examina o contexto das fotografias. Ao conhecer cada um dos participantes, Morris dá ao público a chance de entendê-los, compreendendo assim se as famigeradas fotos de Abu Ghraib foram resultado de um grupo de soldados desregrado ou parte de um comportamento frequente das forças armadas dos EUA, escondido dos olhos do público.
As entrevistas são reveladoras, as fotos cuidadosamente pesquisadas e pintam um retrato fiel do que aconteceu na primavera de 2006 no Iraque. Mas Morris exagera na embalagem dos fatos. O filme tem um sem-fim de animações, reconstituições 3-D e dramatizações - tudo musicado pelo nada sutil compositor Danny Elfman (Batman, Os Simpsons) - que chegam a tirar o foco do filme.
Há, porém, excelentes registros de momentos emblemáticos. Em um dos depoimentos, uma soldado que foi fotografada com um prisioneiro na coleira, explica que não estava sozinha na imagem, mas que a outra pessoa que aparecia ali foi cortada pelo fotógrafo, o militar Charles Graner (condenado a 10 anos de prisão), porque "ela atrapalhava sua composição artística". Outras pessoas simplesmente foram mais espertas, sempre escondendo-se atrás das câmeras.
Como nenhum militar sequer acima da patente de Sargento foi punido pelos abusos de Abu Ghraib, fica a certeza que outros "cortes artísticos" e responsáveis escondidos nas sombras existem, alegando simplesmente desconhecimento dos atos de seus subordinados. Aparentemente, o Photoshop funciona tão bem na vida real quanto no meio digital.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Ilha do Medo



Surge do meio da neblina, como o carro no começo de Taxi Driver, a balsa que leva o agente federal Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) à Ilha do Medo. Se o autor do livro que serve de base ao filme, Dennis Lehane, já dizia que a sua ideia era homenagear gêneros, dos filmes B aos terrores góticos, na adaptação Martin Scorsese também abraça as múltiplas referências - a começar pela referência a si mesmo.
Como em Taxi Driver, a neblina é um enigma, simboliza um tormento. No caso, descobrimos rapidamente que Teddy está chegando ao presídio psiquiátrico na ilha Shutter, acompanhado do agente Chuck Aule (Mark Ruffalo), não só para investigar o desaparecimento de uma paciente, como também para resolver questões particulares que o assombram desde a morte de sua esposa, Dolores (Michelle Williams).
A partir daí a colagem de referências é tão intensa que Scorsese parece estar jogando pistas falsas para incitar interpretações do espectador. Filme de guerra (seria o hospital uma espécie de campo de concentração?), filme policial (estaria Teddy, como todo detetive de noir, sendo vítima de uma conspiração?) e filme-delírio (o que afinal é real na Shutter Island?) se misturam. Até o título nacional, que sugere um suspense sobrenatural, entra involuntariamente nesse jogo de espelhos.
E aí vai muito da disposição do espectador para entrar na brincadeira. Se você se incomoda com a mania de Lost, por exemplo, de apresentar novos personagens a cada temporada, vai se irritar com a quantidade de gente que, numa razão de 15 em 15 minutos, aparece do nada em Ilha do Medo. Herança dos filmes B, por sua vez, os diálogos variam do genérico ("o cais é o único caminho para entrar e o único para sair") ao hiperexpositivo (conte quantas vezes eles repetem que a Ala C é onde ficam os mais perigosos...).
O que deve agradar os fãs de Scorsese é acompanhar como o cineasta, um assimilador de referências por natureza, usa de seu estoque formal para se adequar às regras do gênero. Se a ideia é confundir o espectador, como nas cenas em que Teddy se encontra com Dolores, ele quebra o eixo de câmera descaradamente para "duplicar" Dolores (o que na mão de qualquer outro seria visto apenas como barbeiragem). Se o objetivo é exagerar na tensão, vamos logo de John Cage e "Music for Marcel Duchamp" na trilha sonora.
Ademais, quem mais abusaria de chicotes (aquelas pans rápidas que vão de um personagem a outro sem corte) de forma tão temerária? Ilha do Medo tem alguns momentos constrangedores (estátua de fauno, sério mesmo?) e outros transcendentais, como os flashbacks do Holocausto - um Holocausto meio barroco, reimaginado sob influência da química do hospício, o que não deixa de ser interessante. Ambos os extremos têm seu apelo. Não trata-se de tentar tirar uma média, mas de acompanhar, com certo prazer, como Scorsese passa do sublime ao desastroso sem se abalar.
No fim, olhando para os trabalhos do diretor na última década, recebidos de forma amistosa pela crítica e pela mídia, não é difícil aferir que Ilha do Medo é o mais ousado, para o bem e para o mal. Será recebido com opiniões polarizadas, mas pelo menos fica o alívio de que, depois do Oscar, o diretor não se acomodou.

sábado, 3 de outubro de 2009

Libertador Morales, El Justiciero


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Venezuela.

I Saw the Sun


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Turquia.

No Puedo Vivir Sin Ti


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Taiwan.

Home


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Suíça.

De Ofrivilliga


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Suécia.

Akasa Kusum


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Sri Lanka.

St. George Shoots the Dragon


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Sérvia.

Policia, Adjetivo


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Romênia.
Filme romeno premiado em Cannes trata a questão moral da vigilância com limpidez atordoante
Marcelo Hessel/Omelete
A Vida dos Outros era um filme moral sobre voyeurismo que, lá pela metade, perdia o interesse pelo ponto de vista de seu voyeur e aderia ao drama dos observados. Já em Polícia, Adjetivo, sequer conhecemos direito os rostos das pessoas vigiadas. O filme romeno só tem olhos para seu observador - o que implica em todo o tédio inerente ao exercício da vigilância. Mal conseguimos ver os vigiados - adolescentes suspeitos de traficar haxixe na cidade de Brasov - porque a câmera do diretor de fotografia Marius Panduru se mantém sempre à distância, colada à perspectiva do policial Cristi (Dragos Bucur). Entre o policial e a molecada, grades de um terreno, sugerindo que aquela situação pode acabar em prisão.
O caso é que Cristi não tem provas de que os adolescentes traficam de fato. Na verdade, ele acha que prender meros maconheiros é um desserviço. Acaba com a vida dos moleques, desnecessariamente. Outros países da Europa já mudaram sua legislação para não punir usuários, mas na Romênia consumo de haxixe não apenas é crime como a interpretação que se faz da lei (pelo menos em Brasov) é literal. A ordem é prender.
Como no longa alemão, as decisões morais que vêm com a vigilância são o centro do filme. Aliás, personagens se questionam, literalmente, não só o que significa a palavra "moral" como também procuram no dicionário o que quer dizer "polícia" - daí o título do filme do diretor Corneliu Porumboiu, prêmio do júri da mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes deste ano.
A obsessão de Cristi por essa "terapia linguística" (que não fica restrita à delegacia onde ele trabalha e ganha a mesa de jantar da sua casa) rende boas tiradas cômicas, mas Polícia, Adjetivo está longe de ser uma comédia como o excelente trabalho anterior de Porumboiu,
A Leste de Bucareste. Na verdade, sequer é um filme policial típico, com perseguições e tiroteios. Essa seria a definição do adjetivo "policial", mas o que interessa a Porumboiu é o conflito clássico do voyeur - interferir ou não na realidade.
E a maneira imparcial (ainda que talvez seja seca demais para alguns espectadores) como o romeno filma o processo de interação do policial com a realidade ao redor é de uma limpidez atordoante. Porumboiu encena um assunto complicado de forma descomplicada (o que não significa ser simplista) e, no que pode ser entendido como uma homenagem a Blow-Up, também encerra seu filme com a emblemática imagem de dualidade de uma quadra de tênis. Aliás, não era também Blow-Up um filme sobre as limitações do voyeurismo?

Protector


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, República Tcheca.

Um Amor de Perdição


Indicado a indicado ao oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Portugal.

El Traspatio


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, México.

Casanegra


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Marrocos.

Duburys


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Lituânia.

Réfractaire


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Luxemburgo.

Dare mo Mamote Kurenai


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Japão.

Baaria



Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Itália.


Ajami


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Israel.

About Elly

Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Irã.

Harishchandrachi Factory


Indicado a indicao ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Índia.

Kaméleon


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Hungria.

Prince of Tears

Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Hong Kong.
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Wit Licht


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Holanda.

Ded Na Si Lolo


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Filipinas.

O Profeta


Indicado a indicao ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, França.

Postia Pappi Jaakobille


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Finlândia.

December Heat

Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Estônia.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

El Baile de la Victoria

Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Espanha.

Pokrajina St. 2


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Eslovênia.

Broken Promise


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Eslováquia.

Terribly Happy


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Dinamarca.

Donkey


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Croácia.

Mother


Indicado a indicado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, Coréia do Sul.
Novo filme do diretor de Memórias de um Assassino e O Hospedeiro volta a trabalhar com um whodunit
Marcelo Hessel/Omelete
Exibido no último
Festival de Cannes, Mother pode desapontar um pouco quem espera a mesma oscilação de gêneros de um O Hospedeiro, trabalho anterior de Bong Joon-ho. Na verdade, seu diálogo imediato é com Memórias de um Assassino, que o sul-coreano dirigiu antes de ficar famoso mundialmente com a comédia-política-de-ação-e-ficção-científica-de-monstro.
Assim como em Memórias de um Assassino, temos em Mother um whodunit (nome dado ao subgênero dos filmes policiais no qual o mistério principal é identificar o autor de um crime). Uma colegial foi morta junto a uma casa abandonada, de madrugada, e o principal suspeito é Do-joon (Won Bin), filho meio lento de raciocínio de uma dedicada lojista (Kim Hye-ja). Tudo indica que o pobre Do-joon é o culpado, mas o instinto materno diz que há mais por trás dessa história.
Há mais, e é sempre bom prestar atenção no que vemos, porque imagens enganam à primeira vista. Na verdade, não é que a imagens enganem - elas são simplesmente desprovidas de sentido até que tenhamos o contexto todo. É por isso que Joon-ho se ocupa de contar um pouco da história de vida da mãe e do filho, além de passar duas vezes uma mesma cena, aparentemente sem importância, ambientada no mesmo mato seco e alto que servia de cenário para Memórias de um Assassino.
Essa obsessão pelos procedimentos que levam a desvendar o mundo - é comum Joon-ho observar o jogo de poder dos interrogatórios policiais, por exemplo - se estende à estrutura do filme, portanto, que vai dando informações sobre os personagens aos poucos. Se Mother não tem a mesma força dos dois filmes anteriores do diretor, é porque esse olhar sofisticado está se prestando a uma trama mais tradicional - aliás, de reviravoltas também tradicionais.
De qualquer forma, Joon-ho filma que é uma beleza. Tem muito diretor que sofre, ao liberar os atores da marcação de cena, para conseguir acompanhá-los com a câmera no tripé. O sul-coreano faz parecer facíl. Sairia-se um belo coreógrafo se não fosse cineasta. Sua especialidade, encenar ações caóticas de um jeito harmonioso, como a cena da briga no campo de golfe ou a do velório, já são motivos suficientes para reservar a Mother um pouco de atenção.

Forever Enthralled


Inidcado a inidcado ao Oscar 2010, melhor filme estrangeiro, China.