sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

As Melhores Coisas Do Mundo


Antes Que O Mundo Acabe


Um Homem Que Grita


Minha Terra, Africa


Aproximação


O Sol Do Meio-Dia


Abutres


Mistério de Lisboa


Copia Fiel


Carlos



Procurando Elly


O Grão


Sempre Bela


le illusionniste


Rabbit Hole


Cisne Negro


Incendies

O último desejo de uma mãe aos seus filhos gêmeos é que eles viagem ao Oriente Médio para procurar suas origens, em especial, seu pai, que eles imaginavam estar morte.
Diretor: Denis Villeneuve
Elenco: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette, Rémy Girard, Allen Altman
Produção: Kim McCraw, Luc Déry
Roteiro: Denis Villeneuve
Fotografia: André Turpin
Trilha Sonora: Grégoire Hetzel
Ano: 2010
País: Canadá
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Imovision
Estúdio: micro_scope

A Origem

Quando se achava que as boas historias de ficção ciêntica estavam fadadas a filmagens de livros e contos de Philip K. Dick e Izaac Asimov, temos então um ótimo roteiro de ficção original de Christopher Nolan, com seu filme “A Origem”, que era o mais aguardado filme do ano.
Entre os bons filmes de ficção, sim, temos “Matrix”, que arrebatou público e crítica, que surpreendeu, encantou, mas que também se perdeu em suas continuações.Então chega Nolan, com uma história, que podemos até dizer que usa referências de Matrix, quando se fala em uma realidade paralela e a forma como é coloda, mas não, não vá esperando a mesma colocação, realização, afirmação, não vá esperando um outro “Matrix“.
“A Origem” consegue ser superior em vários pontos. Por mais ficção, por mais “viagem” que sejá o roteiro de Nolan, ele nos permite essa viagem por pura e simplesmente se utilizar de um espaço onde tudo pode. Os nossos sonhos. Neles, podemos voar, matar, morrer, e até criar cidades inteiras, e mesmo estar ao lado de pessoas que já se foram. Nos sonhos, como já afirmei, tudo pode. E é aí que Nolan acerta em cheio.
A historia, é complicada, pelo menos inicialmente. Não há como negar. Mas o roteiro de Nolan é também um clássico. Sabe aquela historia do “grande assalto”, que parece que já vimos em algum lugar? Pois é, é um pouco assim também. Mas então o roteiro nos prêmia com uma novata, a Adiadne, vivida por Ellen Page, que não conhece a estrutura e aprende, junto com o espectador, tudo que que acontece na “viagem” do roteirista.
O diretor, Christopher Nolan, rege o filme com maestria. Realmente, sua filmografia (Amnésia, Batman – Beggins,
Batman-O Cavaleiro das Trevas ) tem provado que já pode ser colocado como um dos maiores diretores de sua geração. Ainda mais quando falamos, de um diretor essencialmente Hollywoodiano, podemos afirmar que sim, pode existir vida inteligente nos “blockbusters”.
Assim foi falado quando vimos Batman, tanto o Beggins quando o Cavaleiro das Trevas, e o mesmo repetimos agora. Nolan consegue agradar o público médio, e sim, o que espera um cinema acima da média.
Todos grandes efeitos visuais de seu filme de nada seviriam sem o roteiro bem amarrado, sem as interpretações grandiosas de seus atores. Outro ponto forte em seus filmes, é a direção de atores. Leonardo Di Caprio está aqui em um de seus melhores papeis, Marion Cotillard aparece menos do que gostariamos, mas sempre rouba a cena pra ela em suas aparições, temos ainda Ellen Page e Joseph Gordon Levitt com interpretações inesquecíveis. E mais um presente, Michael Caine, que mesmo com um pequeno personagem, mais uma vez, nos presenteia com sua presença forte e em um personagem pequeno, mas de grande importancia no filme.

Realmente, o elenco é um dos pontos mais fortes do filme. E é aí a grande sacada de Nolan, ao se preocupar essencialmente no roteiro, mesmo em um filme para o grande público. E ainda, com um elenco bem trabalhado, bem afinado, é meio caminho andado para filme de sucesso.
Porém as qualidades do filme não param por aí. Roteiro, como já foi citado, e os efeitos visuais que impressionam. São, apesar como em um sonho, são trabalhados para realmente acreditarmos neles. Parece que realmente vemos uma grande cidade se acabando com o vento, ou um trem passando no meio da cidade, ou qualquer coisa que o diretor nos coloca. Ele convence.
Então chegamos a mais um ponto, que aqui, foi fundamental para o clima do filme. Ou porque não falar de climax, que dura um terço do filme. O rítmo do filme, já alucinante, durante o ”grande golpe” é elevado ao quadrado. E a música de Hans Zimmer casado com as imagens de Nolan deixam nosso coração apertado, acelerado, enfim, nos deixam extasiados. Mais uma grande trilha sonora desse que é um Alemão, que hoje radicado nos EUA, é um dos melhores e mais solicitados compositores de Hollywood.
E mais uma vez, temos aqui, em “A Origem”, um cinema, por mais blockbuster que seja, é um cinema de autor. Nolan é além de roteirista e diretor, produtor de seu filme. O que lhe dá total comando em sua obra. Citando então o grande crítico Luiz Carlos Mertem eu comemoro com ele “E viva o cinemão de autor”
“A Origem” é um desses filmes, que assistimos e levamos pra casa. Pensamos, conversamos sobre ele, e ele passa semanas nos fazendo companhia. É um desses filmes que nos deixa extasiados no cinema, que dá vontade de rever, e logo, ainda no cinema. Pois o bom cinema é assim. E a experiência de um bom filme, em uma boa sala de cinema é insubistituível.

Splice


Atração Perigosa

Galã consagrado por filmes como "Intrigas de Estado" e "O Pagamento", Ben Affleck faz sua segunda tentativa na direção no policial "Atração Perigosa", em que ele, aliás, é também protagonista.
Adaptando, ao lado dos roteiristas Peter Craig e Aaron Stockard, o livro "O Príncipe dos Ladrões", de Chuck Hogan, Affleck teve a alegria de ver seu filme galgar os primeiros postos da bilheteria norte-americana, consagrando-o como diretor. O primeiro filme que dirigiu, o drama "Medo da Verdade", de 2007, teve resultados bem mais modestos e, no Brasil, foi lançado diretamente em DVD.
Affleck interpreta Doug MacRay, o sutil e esperto líder de uma gangue de ladrões de banco em Boston. O filme começa com uma de suas ações, nas quais invariavelmente eles usam máscaras.

Mantendo um controle rígido do tempo de cada etapa do assalto, eles são surpreendidos pelo imprevisto acionamento de um alarme por um gerente - o que leva um dos ladrões, o impulsivo James (Jeremy Renner, de "Guerra ao terror"), a agredi-lo, o que não faz parte dos métodos aprovados por Doug.
Pior ainda, como a polícia chegou, os ladrões tomam uma refém, a bancária Claire (Rebecca Hall, de "Vicky Cristina Barcelona"), que tem seus olhos vendados e é solta pouco depois.
O incidente coloca a quadrilha de sobreaviso. Um sinal de alerta surge quando Doug descobre que Claire mora na mesma vizinhança que todos eles, o bairro de classe média de Charlestown.
Nada indica que a moça tenha podido ver qualquer coisa que os identificasse, o que ela repete em seus depoimentos à polícia. Mas o agente do FBI Adam Frawley (Jon Hamm, do seriado "Madmen") não está nada convencido e vigia Claire de perto, acreditando que pode ter algo a ver com os bandidos.
De seu lado, Doug e James também estão vigiando a moça, com objetivos bem diferentes. James quer matá-la ao primeiro indício de que ela possa entregá-los. Doug o controla porque sua intenção é evitar violência.
Inesperadamente, Doug se apaixona por Claire e aproxima-se dela de uma forma que coloca os dois em risco - e aumenta as suspeitas de Adam, que acompanha de perto os passos de Doug, um ladrão esperto demais para deixar pistas, que tem um pai na prisão (Chris Cooper), mas também uma fachada honesta, com um emprego legal, numa construção.
Montado esse cenário explosivo, o filme é conduzido com ritmo e energia eletrizante, com ótimas sequências de perseguição pelas ruas de Boston. São pontos altos a montagem, de Dylan Tichenor, e a fotografia, de Robert Elswit.

Minhas Mães e Meu Pai

"Minhas Mães e Meu Pai" faz retrato de família moderna
A família contemporânea mudou. As dinâmicas familiares continuam as mesmas, mas os membros que as compõem são diferentes, como bem mostra "Minhas Mães e Meu Pai".
Na comédia de Lisa Cholodenko ("Laurel Canyon - A Rua das Tentações"), Julianne Moore ("Ensaio sobre a Cegueira") e Annette Bening ("Beleza Americana") formam um casal de lésbicas, mães de dois filhos. Cada uma deu à luz um deles, concebidos com inseminação artificial do mesmo pai, Paul (Mark Ruffalo, de "Ilha do Medo").
Escrita por Cholodenko e Stuart Blumberg ("
Tenha Fé"), "Minhas Mães e meus Pais" tem um olhar astuto sobre a família e a forma como pais e filhos se relacionam atualmente. Joni (Mia Wasikowska, de "Alice no País das Maravilhas") acaba de completar 18 anos, é brilhante e vai para uma faculdade de prestígio. Seu irmão mais novo, Laser (Josh Hutcherson, "Viagem ao Centro da Terra"), é do tipo esportivo. É ele quem a convence a procurar a clínica de inseminação para descobrir a identidade do doador, ou seja, o pai dos dois.
Quando Paul, dono de um restaurante, entra em cena, a harmonia da família sai pela porta dos fundos. Não que tudo estivesse indo muito bem. O melhor amigo de Laser é uma péssima influência sobre ele, e Joni tem dúvidas sobre estar apaixonada. À medida que o pai deles começa a tomar contato com os dois, as dúvidas e problemas de cada um vêm à tona e mostra que as mães, Nic (Annette) e Jules (Julianne), não são tão perfeitinhas quanto julgavam.
Nic é uma médica, organizada e controladora, pés no chão, e mantém a família no prumo. Já Jules é uma espécie de hippie que já tentou vários trabalhos, mas nunca se satisfez com nenhum deles. As duas se amam, mas, como qualquer casal, enfrentam crises.
Ao contrário da maioria das comédias, tanto nacionais quanto estrangeiras, os personagens de "Minhas Mães e meu Pai" passam longe de ser meros tipos nas mãos de roteiristas e diretores para efeito cômico. Aqui, existem seres humanos lidando com problemas, sentimentos e emoções. Jules e Nic são mães compreensivas, mas que nunca realmente entendem seus filhos. Cheias de dúvidas, creem fazer o melhor, mas nem sempre se saem bem.
Por isso, a chegada de Paul soa, num primeiro momento, como uma ameaça. O que esse estranho quer dos filhos delas? Ele que, sequer, sabia da existência de Laser e Joni, agora reivindica seus direitos de pai?
O detalhe é que ele desconhecia isso não por descaso seu, mas porque nunca foi comunicado - o que até faz parte do sigilo desse tipo de doação. Quando descobre que tem dois filhos quase adultos, ele tenta recuperar o tempo perdido, pensando em assumir o papel de pai.
Paul não é um vilão - até porque neste filme não existem rotulações. Na verdade, a sua atitude perante a vida incomoda Nic e seduz Jules, que trabalha como paisagista e está montando um jardim no fundo da casa dele. Mesmo quando a história ameaça jogar todos os demônios dos personagens para cima de Paul, a diretora e Ruffalo sabem que o pai de Laser e Jules não é culpado de tudo.
Sem cair em vícios do cinema independente norte-americano, que parecem colar um selo de aprovação do Festival de Sundance nos filmes, "Minha Mães e Meu Pai" tem a narrativa conduzida pelos personagens e suas ações, ou melhor, suas escolhas e renúncias. Cholodenko dá espaço para que os atores trabalhem sem que movimentos de câmeras e efeitos de fotografia desnecessários desviem a atenção da trama.
"Minhas Mães e Meu Pai" ganhou o prêmio Teddy, no Festival de Berlim, em fevereiro - uma estatueta conferida ao melhor longa de temática gay. Cholodenko faz um retrato terno e engraçado de nosso tempo. Tempos em que criar os filhos parece muito mais complicado do que colocar comida na mesa e pagar as contas.

Shoah

"Shoah", um documento visual sobre o genocídio dos judeus
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 21 de outubro de 1989
Nos últimos 40 anos, dezenas de documentários procuraram mostrar os horrores do nazismo e, especialmente, do genocídio contra a raça judaica. Cineastas de diferentes nacionalidades, em diferentes ângulos e interpretações, utilizando material de várias procedências, mostraram em médias e longas metragens a irracional perseguição ao povo judeu, os campos de concentração numa denúncia sempre necessária de ser reavivada, especialmente porque o anti-semitismo ainda existe e forças neo-nazistas, em diferentes países, se (re)organizam e permanecem em constante ameaça. Portanto um documentário como "Shoah", que o jornalista e cineasta francês Claude Lanzmann levou dez anos para realizar é mais do que um simples programa cinematográfico. Pela sua extensão - 9h30 - e seriedade, se constitui numa espécie de curso intensivo sobre a questão judaica, o nazismo, a brutalidade, examinando vários aspectos de um assunto que longe de estar superado - como muitos apregoam - mais do que nunca merece ser revisto. Tratando-se de um filme especial, para ser visto em duas partes, "Shoah" exige também um tratamento especial para ser apresentado ao público - o que, infelizmente, não aconteceu em Curitiba (ver texto a respeito nesta mesma página), pela dureza do tema abordado, profundidade da realização, este filme de Lanzmann exige espectadores preparados para aceitar um desafio visual. A primeira parte, com 270 minutos está em exibição desde quinta-feira no cine Groff (14 a 19h30), devendo ser apresentado, a partir do próximo dia 26, a segunda parte. Lançado em Paris no verão de 1985, "Shoah" vem tendo exibições, sempre dentro de esquemas especiais de preparação do público, em várias partes do mundo. No Brasil, sua primeira projeção ocorreu numa mostra paralela do II Festival Internacional de Cinema, Vídeo e Televisão, em novembro de 1985. Posteriormente, a distribuidora Alvorada legendou duas cópias que tem sido apresentadas em circuito especiais. "Shoah" é um filme que não apresenta explicitamente os horrores dos campos de concentração. Lanzmann, que em 1973 já havia realizado outro documentário importantíssimo ("Por que Israel?/Por quoi Israel?, 1973) buscou um jornalismo com nove horas e meia de entrevistas. Assim, a partir de 1974, quando iniciou o projeto, entrevistou dezenas de participantes do fato: sobreviventes, testemunhas, algozes. Entrevistas às vezes emotivas, torturantes, sempre difíceis, minuciosas. Realizadas em várias línguas: inglês, alemão, francês, hebraico, polonês, idich. Em muitos lugares do mundo: Estados Unidos, Israel, Grécia, Suiça, Alemanha e, sobretudo, Polônia, onde se localizavam os maiores campos nazistas. Em algumas seqüências, sobreviventes são levados às ruínas dos campos onde estiveram (Auschwitz, Treblinks, Sobibor) e narram in loco as suas vivências. Depois de tantas entrevistas, Lanzmann procurou montar 350 horas de filmagens - reduzindo para nove horas e meia. Em todos os países onde tem sido exibido nestes últimos quatro anos, "Shoah" provoca debate e estudos. No Brasil, entretanto, pouca coisa foi publicada a respeito - talvez pelo fato do filme ter sido apresentado somente em algumas poucas cidades. Um dos mais completos estudos a respeito foi de Paulo Cesar Souza, 33 anos, autor de "A Sabinada - A Revolta Separatista da Bahia" (Brasiliense), tradutor de várias obras (inclusive "Poemas", de Brecht), que em duas páginas da "Folha Ilustrada" (Folha de São Paulo, 10/1/1988), analisou com profundidade a obra de Lanzmann ("Shoah - o filme, o fato"). Uma das primeiras definições dadas por Paulo Cesar Souza a respeito deste documento foi o seguinte: Uma obra ambiciosa, que busca simplesmente perscrutar o inescrutável. A intenção de Lanzmann foi - creio - realizar uma "summa anthropologica", uma síntese da memória e da reação ao mais hediondo acontecimento, o mais ignominioso crime de que há registro na experiência humana". Tendo assistido "Shoah" em Israel - e posteriormente visitado (e se emocionado) o campo de Auschwitz, conservado como uma espécie de museu do genocídio nazista, Paulo Cesar Souza fez uma análise de grande profundidade sobre o documentário, buscando aproximações com uma ampla documentação sobre o pensamento nazista, citações de uma obra definitiva a respeito ("The Destruction of the European Jews", do americano Raul Hilbert, 1961), que também trabalhou dez anos fazendo pesquisas em fontes primárias (documentos originais) para publicar um livro de mil páginas, Hilbert foi um dos entrevistados por Lanzmann, que, dentro do possível, procurou ouvir todas as pessoas capazes de falar sobre o genocídio judeu. Mas como observou Paulo Cesar Souza, o filme não é uma simples sucessão de entrevistas. "Através da franqueza de suas perguntas, e de uma sutil orquestração de falas, rostos e lugares, seu diretor obtém um curioso efeito de aproximação entre presente passado, protagonista e espectador, dizendo - ou dando a entender - coisas que jamais foram ditas numa tela. Tratando do destino de um povo que mais que nenhum venerou a Palavra - o "povo do Livro" - é justo que esse filme utilizasse a palavra como meio e que obedecesse à proibição sagrada de representar por imagem. Não há imagens da época em "Shoah". "Shoah": palavra hebraica que significa "destruição", "ruína", "calamidade" (cf. Isaias 10.30); utilizada em Israel para designar o extermínio dos judeus na Europa nazista; traduzida imprecisamente como holocausto. Holocausto: palavra grega que significa "imolação"; sacrifício aos deuses, no qual a vítima era queimada inteiramente". Uma obra como "Shoah" não pode (nem deve) ser apreciada como um filme convencional. Extrapola as limitações do sentido de entretenimento como a usina dos sonhos é utilizada normalmente. Ao contrário, é uma forma que Lanzmann, jornalista dos mais conceituados na França, profundo estudioso das questões ligadas a sua raça, procurou para fazer - mais do que num livro ou na imprensa em que atuou por muitos anos - uma exposição ampla da questão judaica. Em 1973, em "por que Israel?" (inédito no Brasil) já levantava vários questionamentos. Em 1985, concluído "Shoah" trouxe ao mundo uma obra mais específica, para ser vista com atenção, com a mesma seriedade com que se estuda um livro de idéias e fatos - para que se compreenda melhor "ao mais ignominioso crime de que há registro na experiência humana", como bem disse Paulo Cesar Souza.

Fora da Lei


Francês de origem argelina, o cineasta e roteirista Rachid Bouchareb reabre mais uma vez as malcuradas feridas da independência argelina no drama "Fora da Lei", estreando em São Paulo e Rio de Janeiro.
A identidade argelina, aliás, é um tema recorrente em sua obra, em que se destaca "Dias de Glória", que abordava outra dívida histórica com os argelinos e seus descendentes que lutaram pela França na II Guerra Mundial mas continuaram sendo discriminados no país. Concorrente à Palma de Ouro em Cannes em 2006, "Dias de Glória" obteve ali um prêmio coletivo de interpretação masculina.
"Fora da Lei" pisa em terreno bem mais minado, até porque não trata apenas de disparar munição crítica contra os crimes dos colonizadores franceses - o que certamente faz, especialmente no retrato do chamado massacre de Sétif, em 1945. A reconstituição do massacre, que teria custado a vida de milhares de argelinos (as cifras variam de 2.500 a 45.000, dependendo das fontes) e em torno de 100 europeus, é um dos principais motivos de um boicote ao filme, promovido por deputados da direita e extrema-direita francesa, caso de Lionnel Luca e do notório Jean-Marie Le Pen.
Luca, aliás, participou de uma barulhenta passeata, reunindo ex-veteranos da guerra da Argélia e moradores de Cannes (reduto eleitoral dos partidos com programas de restrição a imigrantes estrangeiros), que passou por aquela cidade bem na hora da primeira sessão de "Fora da Lei" no festival de 2010, em que o filme concorreu à Palma de Ouro.
Nenhum dos políticos ou desses manifestantes havia então assistido ao filme - o que se tornou o primeiro argumento de defesa do diretor, em sua entrevista coletiva em Cannes. Ele lembrou que sua obra anterior, "Dias de Glória", havia sido tachada de "antifrancesa" na época, por pessoas que não a haviam visto. Bouchareb sustentou na época que sua intenção "não foi criar discórdia e sim abrir espaço para um debate que possibilite que possamos amanhã virar esta página".
Um olhar mais sereno sobre o filme, que acompanha as vidas de três irmãos (Sami Bouajila, Roschdy Zem e Jamel Debbouze), que são drasticamente mudadas pelo engajamento de dois deles na militância a favor da FLN (a frente pró-argelina), deixa claro que o retrato dos guerrilheiros argelinos não é sempre edificante. Ou seja, o diretor consegue matizar as nuances de sua história, fugindo do maniqueísmo.
Por mais que humanize esta família central e justifique a adesão inicial dos argelinos a favor de sua causa, bem cedo se expõe a impiedade dos militantes, promovendo atentados e matando todos aqueles que se opõem às suas diretrizes. Inclusive os próprios irmãos.
Se "Fora da Lei" tem uma agenda politicamente correta, é a de reafirmar a dignidade dos pied noirs - como são chamados os argelinos e seus descendentes, um grupo onde figura o escritor Albert Camus.
A onda de criticismo que se levantou na direita francesa, no entanto, tem mais a ver com um tipo de nacionalismo exacerbado, que não admite ver os franceses retratados como colonizadores impiedosos, capazes de cometer massacres de civis e tortura - o que se trata de História, não difamação, e já foi objeto de outro filme, aliás, um clássico do cinema político, "
A Batalha de Argel" (1966), do italiano Gillo Pontecorvo.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Rede Social

"A Rede Social" é muito mais que um filme sobre Facebook
Um nerd sem habilidades sociais, mas querendo se tornar descolado. Um par de gêmeos mauricinhos com dinheiro e ideias, mas não espertos o bastante para executá-las. Um brasileiro estudando em Havard com mau gosto para roupas e movido pelo eterno impulso de satisfazer o pai. Bem-vindo a era das relações de mentirinha de "A Rede Social", em que as emoções e expressões estão apenas a um toque de distancia.
Dirigido por David Fincher ("O Curioso Caso de Benjamim Button" e "Clube da Luta"), a partir de um roteiro de Aaron Sorkin ("Jogos de Poder" e a série de TV "The West Wing"), baseado no livro "Bilionários por Acaso", de Ben Mezrich, o filme tem como mote o nascimento do Facebook, mas seria reducionista demais dizer que trata apenas dos bastidores da criação de um site.
"A Rede Social" aspira, e consegue em boa parte do tempo, ser o retrato de uma geração que nasceu com o boom da Internet e, ao chegar à idade adulta, descobre que a interação humana não é necessária para haver interatividade.

O filme começa com diálogos incessantes e pouco importa do que se depreende deles. O objetivo é entender que os jovens se interessam por informação - em grande quantidade, pouco importa sua qualidade ou profundidade. O mesmo se aplica aos relacionamentos, sejam amorosos ou simples amizades.
Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg, de "
Zumbilândia") difama sua namorada Erica (Rooney Mara) na Internet depois de levar um fora dela. Não bastasse isso, inventa um site onde garotas "competem" por votos para serem escolhidas as mais bonitas de Harvard.
O que começa com uma brincadeira, se torna alvo de um processo milionário envolvendo a criação de um site de relacionamentos que mais tarde viria a ser - e é até hoje - conhecido como Facebook. Ele enfrenta os gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (Armie Hammer) e o brasileiro Eduardo Saverin (Andrew Garfield), sempre com a mesma pose parte blasé, parte nerd.
Zuckerberg é uma figura paradoxal. Com pouco trato para laços sociais, se torna o criador do site de relacionamentos mais usado do mundo. Apesar de manter os nomes reais dos personagens, o filme de Fincher não se preocupa em ir, no que se refere à questão de biografia, além daquilo que já se conhece da repercussão da criação do site, dos processos e tudo o que os envolvem.
O diretor cria "A Rede Social" como um thriller sobre disputas intelectuais e relacionamentos reduzidos a códigos de computação. Logo de início, é Eduardo que ganha a simpatia do público como um personagem frágil e sempre preocupado em não decepcionar seu pai. Mark, ao contrário, é sutilmente arrogante, com olhar soturno parece não deixar de analisar nenhum ângulo de qualquer situação - o que parece transformá-lo numa figura fria e calculista.
Só com a entrada de Sean Parker (Justin Timberlake), Mark vai se convencer da possibilidade de ganhar dinheiro com o site. Sean, um dos criadores do Napster, que revolucionou a forma como as pessoas distribuem música, ganha a confiança de Mark com seu modo divertido e bon vivant, e eles se tornam parceiros.
Fincher sempre foi um diretor de apuro técnico o que, muitas vezes, esfria seus filmes ou deixa as emoções enterradas bem lá no fundo. Aqui essas características são bem pertinentes. Os jovens criadores do Facebook são herdeiros - ou porque não filhos? - daqueles yuppies depressivos de "Clube da Luta". Se distribuir socos era uma forma de interação social no filme de 1999, aqui, uma conexão com a Internet pode trazer efeitos mais perigosos do que uma noite de troca mútua de sopapos.
"A Rede Social" é um daqueles filmes que chegam a ser assustadores por serem capazes de captar com tanta sagacidade o momento em que vivemos. Daqui a alguns anos, quando outras obras se debruçarem novamente sobre esse período, provavelmente o retratarão com senso mais crítico - mas sem o frescor e a confusão de levar para a tela a vida do lado de fora do cinema naquele momento.

Uma Noite Em 67


A impressão que tive de Uma Noite em 67 é que a intenção do documentário é desmistificar ídolos da música popular brasileira, os humanizando, ao mostrar os bastidores daquele memorável Festival de MPB que chegou a incomodar até a ditadura militar. Os então garotos de vinte e poucos anos Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Roberto Carlos e Edu Lobo, entre outros (alguns até então jovens desconhecidos, como os revolucionários Mutantes), apesar de famosos, eram pessoas comuns - e ainda o são. Eles também têm medo, ficam nervosos e, de vez em quando, até embolam o meio de campo ao dar uma entrevista.
Uma Noite em 67 não tem a pretensão de ser um filme sobre política, ideologia e afins. É um documentário sobre seis canções - Roda Viva (Chico Buarque e MPB4); Alegria, Alegria (Caetano Veloso); Domingo no Parque (Gilberto Gil e Os Mutantes); Ponteio (Edu Lobo); Maria, Carnaval e Cinzas (Roberto Carlos) e Beto Bom de Bola (Sérgio Ricardo) -, que tinham como pano de fundo um dos períodos históricos mais turbulentos da história brasileira: a ditadura. O próprio programa de TV que produzia o Festival não tinha pretensões de ser mais do que um programa de TV, preocupado apenas em entreter o público e os telespectadores com fórmulas de roteiro televisivo para gerar mais audiência.
Em 21 de outubro de 1967, o III Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, colocou para competir pelos primeiros lugares da competição artistas hoje considerados fundamentais para a história da MPB. Tropicalismo explodindo, MPB rachando, passeata contra a guitarra elétrica, vaias e aplausos fervorosos como se a plateia fosse uma torcida de futebol, violão quebrado e arremessado ao público, músicos com firmes visões políticas que seriam refletidas em suas composições, entrevistas da época e atuais com os protagonistas do Festival, o jurado Sérgio Cabral e o produtor Solano Ribeiro, entre outros... Para os amantes da música brasileira, Uma Noite em 67 é um documentário obrigatório.