
Há 800 anos A.C foi confeccionado um livro fantástico, ricamente ornamentado e ilustrado, seu nome: O Livro de Kells. Precisamente um manuscrito produzido por monges celtas, sendo descrito como a perfeição da caligrafia e iluminismo. Em seu conteúdo constam os quatro evangelhos da Bíblia, com muitos desenhos artísticos e coloridos, uma obra de arte rebuscada e de uma beleza magnífica. Tal peça realmente existe e está em permanente exposição na biblioteca do Trinity College, em Dublin.
A trajetória que deu origem a produção desta obra inspirou o nascimento de um outro livro, do gênero infantil: Brendan and The Secret of Kells. E baseado nesta literatura é que foi idealizada esta belíssima animação em 2-D, abreviada para apenas The Secret of Kells. Filme que concorre este ano ao Oscar na categoria, obviamente, de melhor animação. Ao que parece, o fato de aumentarem a quantidade de indicados ao prêmio foi uma atitude realmente positiva, afinal, mesmo que não ganhe estar participando já confere um destaque merecido a este trabalho. O filme é uma produção em conjunto entre Irlanda, França e Bélgica. O diretor é o estreante Tomm Moore, que escreveu o roteiro junto com Nora Twomey.
Assim, em pelo século IX, somos apresentados a Brendan (voz infantil de Evan McGuire e adulto de Michael McGrath), um menino de 12 anos educado por seu tio, o rígido monge Abbot Cellach (Brendan Gleeson), que sonha em ver seu sobrinho o substituindo num futuro não muito distante. Eles vivem no mosteiro de Kells e tudo parecia estar em completa ordem até a chegada do Frei Aidan (Mick Lally), um mestre nas artes plásticas, que está incumbido de escrever um livro extraordinário, capaz de levar luz aos locais e mentes mais sombrias. Fascinado por tudo isso Brendan se torna amigo de Aidan, que lhe apresenta com entusiasmo a necessidade da fantasia e criatividade para a vida.
Envolvido por uma nova perspectiva a criança, muda seus rumos e se aventura a ajudar a completar o valioso livro. Nunca tendo saído dos domínios do mosteiro Brendan descobre no mundo exterior, a floresta, seus mistérios e belezas, conhecendo uma intrigante personagem, Aisiling, uma figura feminina que ora aparece na forma de uma encantadora menininha ou como uma loba branca. Não se sabe ao certo o que ela é, um espírito da floresta ou uma fada. Mas, o certo é que a sua presença sempre é forte e fascinante. A cena em que ela canta junto ao gatinho Pangur Ban é de uma delicadeza e magia incrível.
É importante destacar, que a veracidade e doçura inerente ao filme dentro dessa aura de pureza é reflexo de boas escolhas, um exemplo disso é o elenco de vozes, principalmente ao determinarem crianças para dublarem crianças, isso passa uma verdade muito forte na interpretação. Some isso a um visual, a princípio simples, pois em tempos de 3-D e CGI algo assim parece muito humilde, mas aí é que está, não é. A beleza visual do filme é intoxicante, principalmente quando aliado a delicadeza da narrativa que trabalha de forma ingênua temas bastante fortes, como: escolhas, controle, poder, cobiça e fé .
A arte desenvolvida no filme, seus traços e cores, são um show a parte, mostrando claramente a influência do verdadeiro livro que contém o mesmo estilo de ornamentos, sendo assim homenageado sutilmente na animação. Rebuscado e ao mesmo tempo clean, este equilíbrio se observa em cada frame e composição das cenas. Desde os momentos mais mágicos em que somos levados a floresta até a invasão dos vikings, representados por figuras monstruosas, sombras da escuridão carregando um olhar rubro e cheio de ganância.
Embora, tendo claras raízes no cristianismo, The Secret os Kells possui um quê de conto de fadas, uma magia inocente, conquistando o expectador por pequenos detalhes. O mais interessante da história é que, mesmo se tratando da bíblia, não há nenhuma citação direta sobre isso, pois o que importa aqui não é um conteúdo do livro e sim a jornada de seus personagens.
Existem vários pontos trabalhados de forma subentendida, deixando aberto a várias interpretações. Estabelecendo uma ligação de interatividade com o público. Ponto altíssimo para a trilha sonora. E, talvez o único lapso tenha sido o pulo do tempo que antecede o final da história, ocorrido de maneira brusca. Ainda que, não tenha comprometido o brilho desta jóia rara da animação. Mais que recomendado!
Nenhum comentário:
Postar um comentário